Falando com o além
Ciência e médiuns
aprimoram a tecnologia e os métodos de contato com os que morreram.
Com isso, milhões encontram conforto e respostas para suas inquietações
Por Celso Fonseca, Eliane Lobato
e Ricardo Miranda
Colaborou Eduardo Marini
Alívio: Sonia e David receberam cartas
do filho.
“Se foi mentira, foi a mais gostosa que já ouvi”,
diz ele
A morte, para o católico São Paulo, era a “passagem
para a vida definitiva”. O poeta grego Eurípedes escreveu
que “morrer deve ser como não haver nascido”, enquanto
o português Fernando Pessoa a considerava o grande “enigma”.
Filósofos, pensadores, mestres como Goethe, Platão, Rimbaud,
Byron, Mário Quintana, todos deixaram registrado algum tipo de
entendimento sobre a única travessia supostamente sem volta.
Mas e se pudéssemos mandar mensagens do lado de lá para
cá? Muita gente acredita que falar com os mortos é possível
– e alguns afirmam fazer isso cotidianamente. São os médiuns,
os intermediários entre os espíritos e os homens. Há
estudiosos, como a paulista Sonia Rinaldi, que empregam física,
fonética, biometria e tecnologia digital para asfaltar a estrada
que parecia interditada entre esses dois planos, o dos vivos e o dos
mortos. A ferramenta, nesse caso, é a ciência e não
a fé. Uma das maiores especialistas em Transcomunicação
Instrumental (TCI), nome dado à gravação de vozes
e até filmagem de pessoas que já morreram, Sonia comemora
um marco em sua cruzada: o primeiro caso autenticado por um laboratório
internacional de um contato com um espírito. O fato mais positivo
de tudo isso é que, pelo caminho da ciência ou da espiritualidade,
essas comunicações geram um conforto imensurável
nas pessoas que buscam contato com os seus entes queridos. E dão
respostas para muitas de suas inquietações.

Discípulo: Afonso, que conviveu com Chico
Xavier, diz ter psicografado mais de 15 mil mensagens
O caso estudado cientificamente por Sonia é o de Cleusa Julio,
uma mãe como outra qualquer: não suportava a dor pela
perda da filha adolescente, Edna, que morreu há três anos,
atropelada por um carro enquanto andava de bicicleta. Dilacerada, procurou
a Associação Nacional de Transcomunicadores, presidida
por Sonia, e conseguiu estabelecer comunicação com a menina.
Uma das conversas gravadas entre mãe e filha foi enviada há
seis meses a um centro de pesquisas em Bolonha, na Itália, o
Laboratório Interdisciplinar de Biopsicocibernética, único
na Europa totalmente dedicado ao exame e análise científicos
de fenômenos paranormais. Junto, foi encaminhada outra fita com
um recado deixado por Edna, antes de morrer, numa secretária
eletrônica. O resultado, que acaba de chegar, é um surpreendente
laudo técnico de 52 páginas, cuja conclusão diz:
a voz gravada por meio da transcomunicação é a
mesma guardada na secretária eletrônica.

A mulher do jornalista Tim Lopes (foto) diz tê-lo
encontrado incorporado em um médium
O chamado Caso Edna, revelado com exclusividade a ISTOÉ, tem
o aval do físico Claudio Brasil, mestre pela Universidade de
São Paulo que se dedicou nos últimos anos a analisar centenas
de vozes paranormais. “Temos que abrir a mente e aceitar que a
ciência não tem explicação para tudo”,
diz ele. “É um trabalho puramente matemático, à
prova de fraudes”, afirma Sonia, autora de sete livros, entre
eles Gravando vozes do além, que detalha técnicas para
contatos em outras dimensões. Em 18 anos de pesquisas, ela guarda
50 mil gravações em áudio com mortos. No início,
usava um gravador. Hoje, as conversas são gravadas por telefone
ou microfone conectados ao computador e, no caso de gravação
e filmagem simultâneas, com o auxílio de uma câmera
digital. Acostumada a trazer conforto aos outros, Sonia perdeu seu marido,
Fernando, há um ano, vítima de câncer. Segundo ela,
Fernando continua sendo seu mais ativo colaborador, agora do outro lado.
“A dor se transforma em esperança”, emociona-se.

Prova: a pesquisadora Sonia obteve o primeiro
laudo internacional confirmando a voz de um espírito
Sem a intervenção de médiuns ou videntes, mas apenas
de tecnologia, a transcomunicação está, segundo
seus praticantes, ao alcance de todos que queiram falar com algum familiar
ou amigo que se foi. Em comum com o espiritismo, a certeza de que mortos
podem se comunicar com vivos. A diferença está no meio
para chegar ao outro mundo. Foi através do médium mais
conhecido do País, Chico Xavier (1910-2002), que a família
do ortopedista David Muszkat, 70 anos, encontrou conforto para sobreviver
à perda do primogênito, Roberto. O jovem, então
com 19 anos, foi vítima de uma fatalidade: sofria de bronquite
asmática e teve um choque anafilático após pingar
um remédio no nariz. Morreu em 1979. Desde então, foram
63 mensagens psicografadas por Chico. Judeu praticante, David só
procurou o médium aconselhado pela amiga, a atriz Nair Bello,
por causa de sua mulher, que sofria muito. Quando encontrou-se com Chico,
ouviu: “David, a morte não existe, seu filho está
bem.” Foi o começo de uma longa amizade entre o judeu cético
e uma das figuras mais importantes do espiritismo. A primeira mensagem,
em 1979, chegou na véspera do Dia dos Pais. A assinatura era
muito semelhante à de Roberto. “Se foi uma mentira, foi
a mais gostosa que ouvi. Se foi um teatro, foi o mais bonito que assisti.
Ninguém trará meu filho de volta, mas as mensagens mudaram
nossa vida”, diz David, que a partir das cartas do filho morto
lançou um livro, Quando se pretende falar da vida, traduzido
até para o italiano.

Revolução: o ex-marxista Lima reviu
posições depois de presenciar “mortos falando”
O banqueiro e médium carioca Luiz Augusto Queiroz, 49 anos, conta
ter feito contato com vários espíritos. Mas um foi especial:
seu próprio pai, Wellman, assassinado num assalto em 1989 no
Rio de Janeiro. “Meu pai surgiu na minha frente e falou comigo”,
afirma. O reencontro aconteceu três anos após a morte.
Wellman foi o fundador do banco BRJ, hoje presidido por Luiz Augusto.
Desde sua morte a família se angustiava. Ao vê-lo, o filho
perguntou quem o matou. “Meu pai disse que isso não era
importante. Era um carma se cumprindo.” Para os familiares, a
mensagem foi um alívio. “Um dos mais significativos pontos
dessa comunicação com o mundo espiritual é a confirmação
da continuidade da vida”, explica Luiz Augusto, que preside o
centro espírita Associação Padre Pio, no Rio de
Janeiro.

“Antena”: Sérgio de Oliveira
pesquisa a glândula pineal, que seria o “órgão
sensorial” dos médiuns
O depoimento de Luiz Augusto confronta um mundo invisível, habitado
por espíritos, à exatidão da ciência com
suas idéias cartesianas. Esses dois universos sempre mantiveram
uma enorme e irreversível distância. Mas hoje o que parecia
inconciliável se mostra complementar. “Cientistas de renome,
como Stephen Hawking, reconhecem que é pouco inteligente supor
que a nossa realidade é a única expressão do universo”,
diz a antropóloga Nara de Oliveira, professora e pesquisadora
do Centro de Altos Estudos da Conscienciologia, em Foz do Iguaçu,
Paraná. “A ciência física que conhecemos,
dentro do paradigma materialista, não tem instrumental para estudar
mecanismos subjetivos, como o espírito. Como trabalhar fenômenos
extrafísicos com parâmetros físicos?” Nara
trabalha na Enciclopédia da Conscienciologia, sob a coordenação
do médico Waldo Vieira. “Temos no Centro a maior biblioteca
do mundo sobre experiências fora do corpo.” O médico
Sérgio Felipe de Oliveira, neurocientista com mestrado em ciências
pela USP (Universidade de São Paulo) é idealizador do
Projeto Uniespírito (Universidade Internacional de Ciências
do Espírito) e estuda a mediunidade e os estados de transe. Defende
em suas pesquisas que a glândula pineal – localizada no
cérebro e que regula o ciclo do sono – seria o órgão
sensorial da mediunidade. Segundo Sérgio, a pineal captaria informações
do mundo espiritual por ondas eletromagnéticas, como “um
telefone celular”, e as transformaria em estímulos neuroquímicos.

Queiroz diz ter conversado com espíritos,
entre eles o do pai assassinado.
“Ele surgiu na minha frente e falou comigo”
O ambiente social hoje é mais favorável à diversidade
em todos os sentidos. Nesse contexto, declarar que “qualquer pessoa
pode sair do corpo físico e interagir com alguém que já
morreu” não choca pelo inusitado. Ex-marxista, Ronie Lima,
48 anos, reviu suas convicções a partir das experiências
que viveu no centro espírita Lar de Frei Luiz e tornou-se um
pesquisador da espiritualidade. Nos livros Médicos do espaço
e A vida além da vida, relata os fenômenos que testemunhou.
“Presenciei mortos falando de três formas: através
de incorporação em médiuns, de materialização
ou de vozes.” Segundo o estudioso, a pessoa materializada volta
“com o mesmo corpo, rosto e voz que tinha quando era vivo.”
Para a estilista carioca e médium Alessandra Wagner, viúva
do jornalista Tim Lopes, executado e queimado por traficantes quando
trabalhava numa reportagem na favela da Vila Cruzeiro, em 2002, para
a Rede Globo, não há necessidade de prova científica
para que tenha certeza do reencontro com o marido. Ela estava com o
filho Diogo, então com 15 anos, quando, segundo conta, o espírito
de Tim se incorporou num médium. “Era ele que estava ali.
Tive uma sensação real, física. Senti a presença
dele”, afirma Alessandra, que começou a freqüentar
o Lar de Frei Luiz um ano antes da tragédia. “A doutrina
espírita me deu capacidade de entender. A dor aprimora a gente.
Foi nesse pior momento da minha vida que eu mais senti a presença
de Deus.” Ela afirma desconhecer a revolta ou desejo de vingança.
O encontro pós-morte que diz ter tido com o marido fortaleceu
seus sentimentos. “Me senti amparada. E mostra que a gente está
aqui de passagem”, reflete.
Talvez a última frase de Alessandra resuma o crescente interesse
pela doutrina espírita: afinal, a vida não acaba aqui?
A dúvida aflige mais as pessoas que têm maior escolaridade
e renda, segundo os dados do censo realizado pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE), em 2000. Esse é o extrato
predominante dos três milhões de espíritas registrados
pelo censo no País. Mas, para além dos números
oficiais, outros milhões de adeptos de outras religiões,
no Brasil e no mundo, buscam caminhos científicos ou espíritas
de comunicação com os mortos e sustentam um mercado literário
próspero. São quase 200 milhões de livros vendidos
sobre as possibilidades de vida e a interligação entre
elas. O jornalista carioca Marcel Souto Maior escreveu três livros
sobre Chico Xavier, que venderam 350 mil exemplares. Na última
obra, As lições de Chico Xavier, conta histórias
e questiona até que ponto é possível provar os
fenômenos. “São muitas as suspeitas de fraude e de
charlatanismo. É necessário checar tudo. A ciência
é empírica, mas pode ser contaminada pela fé”,
alerta. As dúvidas começam quando a atividade vira uma
caixa registradora. Não é o caso de Chico, que psicografou
412 livros, vendeu mais de 20 milhões de exemplares e reverteu
tudo para instituições de caridade.
Com 81 anos e quase cega, a carioca conhecida apenas por Dona Célia
também poderia estar rica se cobrasse um real de cada pessoa
que faz fila para participar das sessões trimestrais nas quais
transmite as mensagens que recebe de pessoas mortas. Ela não
cobra nada. Dona Célia reúne ciência e espiritualismo:
é uma sensitiva que fundamenta o fenômeno de sua comunicação
com pessoas “desencarnadas” através da física
e da mecânica quânticas. Ao ser perguntada como seria isso,
respondeu com novas perguntas: “Desejo ocupa lugar? Tempo ocupa
lugar?” Diante da resposta negativa para as duas questões,
afirmou que “desejo e tempo são campos quânticos”
que os médiuns conseguem captar. Ela recebe pedaços de
papel com nomes de pessoas. Leva-os para a casa e, à noite, vai
para um quartinho escuro. À medida que toca os papéis,
se conecta com o espírito que quer mandar uma mensagem. É
apontada com uma possível sucessora de Chico Xavier. Assim como
o médium Celso de Almeida Afonso, 66 anos, que atua em Uberaba,
mesma cidade mineira onde nasceu Xavier. Ao psicografar recados do “além”,
Afonso diz sentir cansaço físico. “Receber seis
cartas de filhos mortos é como parir seis filhos.” Ele
diz ter psicografado cerca de 15 mil cartas, 90% delas de filhos para
pais. “O espírito escreve com alegria, emoção.
Serve para apaziguar o coração da mãe, do pai”,
diz ele. E assim os mortos confortam os vivos.
26/07/2006
Fonte: http://www.terra.com.br/istoe/1918/comportamento/1918_falando_alem.htm
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