Dr. Décio Iandoli Junior
(vice-presidente da AME-Santos), professor titular da cadeira
de Fisiologia da UNISANTA, cirurgião do Aparelho Digestório
A questão 353 de O Livro
dos Espíritos afirma que a encarnação só
se completa após o nascimento, e a 344, que o espírito
se liga ao novo corpo desde a concepção. Em Missionários
da Luz (cap. XIII), Alexandre ensina que a encarnação
só se completa por volta dos sete anos, mas começa
na concepção, quando se inicia o continuum (1),
com a construção do corpo físico, comandado
pelo modelo organizador biológico (perispírito). Sem
este, não há diferenciação celular e
organização espacial do novo organismo.
Por seu alto grau de vitalidade, a maquinaria celular embrionária
tem certo automatismo. Este, aliado ao alto poder mental da mãe,
garante o desenvolvimento do embrião antes da diferenciação
celular começar, mesmo na ausência de um espírito
reencarnante. Sendo assim, é teoricamente viável aceitar
que muitos embriões concebidos in vitro não tenham
espíritos, porém, é impossível aceitar
que, nesse tipo de fertilização, nunca haverá
ligação de espíritos. Classificar todos os
embriões concebidos in vitro como montículos de células
sem vida não é apenas uma suposição,
mas também uma improbabilidade.
A ciência ainda não nos dá certeza de que um
embrião tenha ou não espírito ligado. Talvez
venhamos a tê-la, através da reprogramação
epigênica, relatada no trabalho do dr. Eggan (2),
que pode significar a percepção biológica da
reencarnação (3), ou
pela identificação de campos biomagnéticos
com aparelhos como o TEM, idealizado pelo dr. Hernani Guimarães
Andrade (4).
Até lá, devemos tratar todos da mesma forma, pois
o benefício da dúvida deve estar em favor da vida.
Como a maioria dos embriologistas, Keith L. Moore afirma, em Embriologia
Clínica, que o zigoto é o início de um ser
humano. Não cabe aqui nenhuma “flexibilização”
do conceito, em nome de interesses outros que não os da dignidade
humana.
Ao contrário do que se pensava, as células-tronco
adultas (CTA) têm enorme versatilidade, pois já se
pode produzir até células embrionárias a partir
delas (5), além do que são
mais “dóceis”, prestando-se a culturas em laboratório.
Até o momento, todos os resultados positivos foram obtidos
com elas, porque são retiradas do próprio paciente,
reduzindo-se a praticamente zero a rejeição. Já
as células-tronco embrionárias (CTE) não têm
sido úteis devido à enorme dificuldade em se obter,
com elas, culturas estáveis. A revista The Lancet, de julho
de 2004, traz um artigo de Allegrucci e col, afirmando que as CT
de embriões congelados não se prestam às pesquisas
em terapia, daí a fixação dos especialistas
na clonagem humana como única alternativa para a obtenção
de CTE com fins terapêuticos.
Recentemente, o dr. Woo-Suk Hwang anunciou, pela primeira vez, a
conquista de cultura de CTE a partir de clones humanos, mas a revista
Science, na qual o artigo tinha sido publicado, descobriu tratar-se
de fraude, e retratou-se. Ainda que não fosse fraude, o número
de células anunciadas no trabalho coreano, cerca de 150 por
linhagem, seria inútil em terapia. Os tratamentos mais promissores
com CTA utilizam cerca de 40 bilhões de células (6).
Na votação da Lei de Biossegurança, a opinião
pública não foi devidamente esclarecida. Vimos portadores
de deficiência física chorando, emocionados, com sua
aprovação, o que demonstra o quanto foram iludidos.
Trabalhar pelo progresso e desenvolvimento da ciência é
uma obrigação, mas deve-se ter muito cuidado para
não gerar falsas expectativas, manipulando de maneira desonesta
a esperança das pessoas.
Os embriões congelados que estão sendo destinados
às pesquisas foram produzidos com fins reprodutivos. Tinham,
pois, a intenção de nascer, podendo ter espíritos
ligados. É nosso dever alertar para essa distorção,
porque o embrião “coisificado”, não considerado
como organismo humano vivo, torna lícito o aborto. Se o embrião
congelado não é vida, por que o embrião no
útero seria? Alguns já defendem a interrupção
da gestação de fetos portadores de anomalias, desde
anencefalia até a Síndrome de Down. Onde vamos parar?
Qual é o limite ético que se estabelecerá?
Seria muito mais lógico, antes de se descartar os embriões
congelados, discutir a regulamentação de sua produção
para fins reprodutivos. Se o embrião é considerado,
pela ciência, organismo humano vivo, por que, principalmente
nós, espíritas, não o respeitamos como tal?
Compreendo a preocupação legítima de alguns
irmãos de Doutrina que temem assumir posições
que possam obstruir a evolução da ciência. Creio,
porém, não ser recomendável abandonarmos preceitos
básicos, tentando “adaptá-los” para estarem
“de acordo” com o modo de pensar dos cientistas materialistas.
Quando nós, médicos espíritas, rechaçamos
a utilização de células embrionárias,
o fazemos também baseados na ciência e não deixamos
de lado os princípios da Doutrina. Alguns confrades argumentam
que não precisamos nos preocupar com os embriões,
pois a Espiritualidade Superior não permitiria que um espírito
fosse prejudicado, designando-o a um embrião que não
seria implantado no útero. Esquecem-se de que existem renascimentos
não programados, uniões que obedecem tão somente
à lei da atração entre os seres, exercida de
forma irresistível, segundo Kardec. A nosso ver, as leis
de Deus seriam muito pobres se dependessem do controle fortuito
dos Seus filhos.
Reafirmamos o nosso entusiasmo pelo progresso da ciência,
porém estamos atentos à responsabilidade de nossas
escolhas. No caso das pesquisas de embriões, não queremos
ser responsáveis por uma nova modalidade de crime –
o “aborto de proveta” –, verdadeiro genocídio,
que eliminará milhões. Como disse Madre Tereza: “Um
país que aceita o aborto não está a ensinar
os seus cidadãos a amar, mas a usar a violência para
obter o que querem. É por isso que o maior destruidor do
amor e da paz é o aborto.”
Notas
1) Para os embriologistas Moore e Persaud,
na página 2 do livro Embriologia Humana, “O desenvolvimento
humano é um processo contínuo que começa quando
um ovócito é fertilizado por um espermatozóide”.
2) EGGAN, K., RIDEOUT III, W.M., JAENISCH, R. Nuclear cloning and
epigenetic reprogramming of the genome. Science, v. 293, p. 1093-98,
aug./2001
3) Esta argumentação está no capítulo
III do livro A reencarnação como lei biológica.
4) No livro Espírito, perispírito e alma encontramos
o embasamento teórico deste postulado.
5) Trabalho realizado pelo dr. Rudolf Jaenisch, do Instituto Whitehead,
nos EUA, pesquisador do mesmo grupo do Dr. Kevin Eggan, já
citado anteriormente. Revista Cell de maio de 2005.
6) Segundo trabalhos já publicados por Dohmman, do Rio de
Janeiro, e Ribeiro dos Santos, da Bahia.