Em: Abril de 2010
No começo do século
21 a sociedade do nosso planeta Terra apresenta grandes desigualdades
no atendimento das necessidades básicas (água, alimento,
plano de saúde, educação, habitação,
saneamento básico etc.) dos seres humanos que estão
encarnados. A história já mostrou que as injustiças
sociais acabaram destruindo as sociedades que as fomentavam. Há
consenso internacional que a América Latina é a região
mais desigual do mundo.
O Relatório do Desenvolvimento Humano 2003 publicado pelo Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento apresenta a
situação em que se encontra nossa sociedade. Durante
a ultima década mais de 50 nações do mundo ficaram
mais pobres. A expectativa de vida em vários países
tende a cair como consequência do espalhamento da AIDS entre
a população mais jovem. Mais de 30 mil crianças
morrem POR DIA de doenças evitáveis.
(1)
Em pleno século 21, existem no mundo 27 milhões de escravos
(2). No Brasil, 60% dos domicílios
não tem coleta de esgoto e quase 20% ainda estão sem
água encanada e tratada (3).
A doutrina espírita nos ensina
as leis que regem as relações dos seres humanos encarnados
com os outros encarnados, com os desencarnados e com a Natureza. Este
conhecimento deve servir para o melhoramento das condições
físicas dos seres encarnados neste planeta. "Cada
vida, além de refletir as vidas precedentes, possui seu próprio
dinamismo, gerando novas situações e acontecimentos".
(4) Portanto, as desigualdades sociais
e as injustiças sociais nem sempre são as consequências
de atos de nossas vidas anteriores. Muitas vezes são as consequências
diretas dos atos da vida presente. Allan Kardec, no capítulo
V de O Evangelho Segundo o Espiritismo (5),
apresenta as seguintes perguntas: "Deve-se por termo às
provas do próximo... ? Por acaso conheceis o curso das provas?
Sabeis até que ponto elas devem ir?"
Nós não sabemos as condições
das experiências dos outros seres humanos e não podemos
julgar se eles devem permanecer nessa situação. Não
será que parte do nosso trabalho nesta encarnação
é trabalhar decididamente para ajudar a melhorar as condições
sociais, econômicas e espirituais de todas essas outras pessoas?
Do ponto de vista espírita "a justiça consiste
no respeito aos direitos de cada um" (6).
Portanto, a justiça social consiste no respeito que devemos
ter, cada um dos membros da sociedade, aos direitos de todos os outros
seres humanos encarnados neste planeta.
O propósito deste trabalho é apresentar os princípios
ou teses da doutrina espírita para a organização
de uma sociedade justa e qual deve ser o compromisso de cada um de
nós, seres encarnados, para atingir esse objetivo.
Os princípios são:
1. O compromisso com o outro e com
a ação.
2. A pobreza é evitável.
3. A sociedade deve intervir ativamente na solução dos
problemas sociais.
4. Cada pessoa deve assumir sua responsabilidade frente aos problemas
sociais.
5. Educar o coração para a solidariedade e a fraternidade.
6. O compromisso com as próximas gerações e com
as outras espécies
O COMPROMISSO
COM O OUTRO E COM A AÇÃO
Este princípio fundamental se baseia no ensinamento que Allan
Kardec apresentou em O Evangelho Segundo o Espiritismo: "Amar
ao próximo como a si mesmo; fazer aos outros como quereríamos
que nos fizessem". (7) Esta é a regra de ouro das religiões
que já foi ensinada em muitos lugares do mundo, em diferentes
épocas da história da humanidade. Esse princípio
define o nosso compromisso de ação, de fazer aos outros,
de trabalhar para os outros, de ensinar aos outros, de mudar as condições
para beneficio dos outros etc. Devemos fazer tudo isso como se fosse
para nós mesmos. Porque no final, pela lei de causa e efeito,
as consequências positivas de todos esses atos retornam para
nós mesmos.
Kardec continua afirmando que quando
os homens tomem esta máxima como "norma de conduta e como
bases de suas instituições" (7)
alcançarão a paz e a justiça em nossa sociedade.
Para atingirmos a justiça precisamos mudar a nós mesmos,
mudar o nosso comportamento para agirmos de acordo com as leis divinas.
Essas leis devem chegar a ser parte de nossa conduta diária.
Além disso, precisamos que esse princípio se aplique
aos fundamentos e diretrizes de nossas instituições
de educação, do governo, da saúde, do trabalho
e da família. Não adianta muito trabalhar só
para nossa mudança interior. É necessário trabalharmos
para mudar aquelas instituições que não cumprem
com a função social para a qual foram criadas. Manuel
S. Porteiro concebia que "o Espiritismo envolve um imperativo
de ação em favor do ser humano, particularmente daqueles
que sofrem as consequencias da pobreza, da ignorância e da injustiça".
(8)
A POBREZA É EVITÁVEL
O limite da pobreza está definido como a quantidade mínima
de dinheiro que permitiria a um ser humano atender a suas necessidades
básicas de alimentação. O Relatório
de Desenvolvimento Humano 2003 estima que existem 1.2 bilhões
de pessoas que vivem na pobreza absoluta.
A declaração do Milênio
da ONU em setembro do ano 2000 estabeleceu o compromisso de todos
os países de fazer tudo o que for possível para erradicar
a pobreza e definiu como meta reduzir pela metade até o ano
2015 o número de pessoas que vivem na extrema pobreza e que
sofrem por causa da fome.
Allan Kardec nos ensina que "a terra produziria sempre o
necessário, se o homem soubesse contentar-se. Se ela não
supre a todas as necessidades é porque o homem emprega no supérfluo
o que se destina ao necessário". (9)
As principais causas da pobreza e
da existência de pessoas com fome são: o desperdício
que fazemos dos recursos, a concentração da riqueza
em poucas mãos, a corrupção rompante de funcionários
do governo de muitos países, a prioridade dada aos gastos militares
e o pagamento da dívida pública aos organismos financeiros
internacionais. A ONU estima que precisa de 120 bilhões de
dólares por ano para erradicar a pobreza (10).
Os gastos militares mundiais foram de 750 bilhões de dólares
durante o ano de 2002. (11) Como podemos
deduzir destes dados, seria bastante viável a erradicação
da pobreza se mudarmos as prioridades militares para a solução
dos problemas sócio-econômicos.
O Princípio #9 da Carta da
Terra (12) estabelece que devemos erradicar
a pobreza como um imperativo ético, social e ambiental.
Allan Kardec nos ensina que "numa sociedade organizada segundo
a lei do Cristo ninguém deve morrer de fome". (13)
A fome não existe por falta de alimentos. O que falta é
o recurso financeiro (a renda) para que todas as pessoas possam constantemente
adquirir os alimentos que precisam para nutrir seus corpos físicos.
Paises como Brasil e Argentina, que são grandes exportadores
de alimentos, têm pessoas morrendo de fome no meio da abundância
de comida. "Frequentemente ele (o homem) acusa a Natureza
pelas consequencias da sua imperícia ou da sua imprevidência".
(14)
A SOCIEDADE
DEVE INTERVIR ATIVAMENTE
NA SOLUÇÃO DOS PROBLEMAS SOCIAIS
A sociedade está constituída por três grandes
setores, que devem trabalhar juntos para resolver os problemas de
tipo social. O primeiro é o governo que tem como responsabilidade
o atendimento das necessidades básicas dos seus cidadãos
através de uma distribuição justa dos impostos
arrecadados, em obras de saneamento básico, educação,
sistema de saúde etc. O governo brasileiro lançou um
programa ousado para o combate a fome. É um programa criado
para combater a fome e as suas causas estruturais, que geram a exclusão
social. A importância que o governo deu a este programa é
tão grande que foi criado o Ministério Extraordinário
de Segurança Alimentar e Combate à Fome.
O segundo setor é a empresa
privada que deve retribuir à sociedade, onde faz os seus negócios,
parte de seus benefícios econômicos através de
obras de ajuda às comunidades onde se encontram localizadas.
O movimento de responsabilidade social está ganhando força
dentro do ambiente empresarial. "As empresas, pelo poder
econômico que possuem e pela quantidade de pessoas que influenciam,
são parceiros fundamentais para a construção
de uma sociedade justa". (15)
O terceiro grupo é a sociedade
civil organizada, comumente chamado de Terceiro Setor. São
todas aquelas organizações que tem por objetivo melhorar
ou resolver algum aspecto ou problema muito bem especifico da nossa
sociedade. Os nossos centros espíritas pertencem a este grupo.
"Continuemos com os passes, a água fluidificada, a
doação de sopas, mas adicionemos a isto a tarefa de
esclarecimento sobre a urgência de se fazer justiça social".(16)
Em nossos centros espíritas devemos analisar e debater mais
frequentemente os problemas sociais sob a ótica espírita
para sensibilizar-nos mais e incentivar-nos a participar com maior
afinco em projetos e obras que visem o estabelecimento da justiça
social.
Allan Kardec nos ensina: "Dai
esmolas quando necessário, mas o quanto possível, convertei-a
em salário, a fim de que aquele que a recebe não tenha
do que se envergonhar". (17)
É importante a esmola para resolver os problemas mais iminentes
da fome e da miséria de muitos seres humanos, MAS DEVEMOS ter
como objetivo a educação e a capacitação
de todas essas pessoas para que elas mesmas consigam se sustentar
de uma maneira digna com o fruto do seu trabalho.
"Numa sociedade baseada na lei de Deus e na justiça,
deve-se prover a vida do fraco, sem humilhação para
ele. Deve-se assegurar a existência dos que não podem
trabalhar sem deixá-los à mercê do acaso e da
boa vontade". (18)
Os três setores devem trabalhar
em parceria para a solução mais rápida e eficiente
dos problemas sociais. Essas parcerias permitem compartilhar experiências,
conhecimentos e recursos e podem conseguir melhores resultados do
que alcançaria cada um atuando isoladamente.
CADA PESSOA
DEVE ASSUMIR SUA RESPONSABILIDADE
FRENTE AOS PROBLEMAS SOCIAIS
Allan Kardec nos ensina que "o Espírito sofre por
todo o mal que fez ou do qual foi causador involuntário, por
todo o bem que, tendo podido fazer, não o fez, e por todo o
mal que resultar do bem que deixou de fazer". (19)
Portanto, não é suficiente não fazer o mal senão
que DEVEMOS FAZER o bem em todas as oportunidades da vida, porque
aquilo de bom que deixamos de fazer pode dar chance ao aparecimento
e ao crescimento de situações não muito boas
para a sociedade.
Nos queixamos muito dos políticos,
do que roubam, do que deixam de fazer, mas não participamos
mais diretamente na discussão das causas dos problemas, nem
colocamos para o debate as possíveis soluções.
Precisamos fomentar mais a conscientização do papel
das pessoas na criação de um impulso político
para a mudança da política.
No preâmbulo da Carta de Terra
se estabelece que "cada um compartilha da responsabilidade
pelo presente e pelo futuro, pelo bem-estar da família humana
e de todo o mundo dos seres vivos". (20)
Todos nós encarnados neste planeta azul somos responsáveis,
alguns em grau maior do que outros, pela situação atual
da nossa sociedade. Pela lei de causa e efeito somos responsáveis
pelas consequencias dos nossos atos ou do que deixamos da fazer para
melhorar as condições do futuro do planeta. Quanto mais
instrução tiver e em melhor condição econômica
estivermos, MAIOR é a nossa responsabilidade para melhorar
as condições sociais, porque teremos maior conhecimento
para compreender os fenômenos naturais e os movimentos sociais.
E se dispormos de maiores recursos financeiros também podemos
ter um impacto maior porque podemos criar novas instituições
ou sustentar algumas já existentes que providenciam fontes
de trabalho. A quem mais se dá mais se exigirá.
O filósofo Peter Singer, no
seu estudo sobre a fome, riqueza e moralidade, estabelece o seguinte
princípio: "se está em nosso poder evitar que
aconteça algo de mau, sem com isso sacrificar nada que tenha
importância moral comparável, nós devemos, moralmente,
fazê-lo". (21) Ele parte
do pressuposto ético de que o sofrimento e a morte como consequencia
da falta de comida, de abrigo e de atendimento médico são
maus. Portanto, se está a nosso alcance evitar a fome, providenciar
o atendimento médico básico e dar o abrigo aos necessitados,
é o nosso dever moral fazê-lo. Isso implica uma mudança
no nosso estilo de vida. Implica numa mudança interior sobre
os valores mais importantes da vida. Se avaliarmos, com maior detalhe,
nosso comportamento e nossos hábitos de consumo, podemos chegar
à conclusão de que muitas das coisas que compramos e
que fazemos são supérfluas e que poderíamos usar
esses recursos para evitar a fome e a pobreza. Essa atitude seria
a moralmente correta, acorde com as leis divinas.
Por quê deixamos que as coisas
chegassem até o ponto que estamos de pobreza, miséria
e violência? Parte do problema é o que Allan Kardec mencionou
em O Livro dos Espíritos: "os bons são tímidos.
Estes, quando quiserem, assumirão a preponderância".
(22) Cada um de nós deve assumir
a sua responsabilidade, deixar de lado a timidez e começar
o trabalho de expressar seu pensamento sobre os problemas sociais
sob a ótica espírita e colaborar com ações
que sirvam de exemplo para os outros. Esse é o caminho para
assumir a preponderância do bem e da justiça no nosso
planeta.
EDUCAR O CORAÇÃO PARA A
SOLIDARIEDADE E A FRATERNIDADE
Allan Kardec nos ensina que "educação é
o conjunto de hábitos adquiridos".(23)
Vamos adquirindo esses hábitos através da observação
do exemplo das ações de outros seres humanos que dedicam
sua vida para o melhoramento do nosso meio ambiente físico
e social. Mas, não podemos ficar simplesmente na observação.
Precisamos participar diretamente e ativamente na solução
dos problemas que afligem a nossa sociedade. Devemos participar em
atividades junto com outros seres humanos para ajudar a resolver algum
problema social especifico. Devemos dar o nosso apoio financeiro e
dedicar parte de nosso tempo para aliviar o sofrimento humano.
A solidariedade deve ser traduzida
em práticas de apoio, cooperação, comunicação
e diálogo entre os membros da sociedade. As pessoas que realizam
trabalhos que procuram reduzir o sofrimento alheio vão desenvolvendo
o sentimento de fraternidade e solidariedade com relação
a todos os seres humanos.
Se "a fraternidade deve ser a pedra angular da nova ordem
social" (24) então devemos
nos educar, educar os nossos filhos e educar os demais integrantes
da sociedade nos princípios fundamentais que sustentam e incentivam
a fraternidade com o objetivo de promover as bases da nova ordem social.
Esses princípios universais são a existência de
Deus, a preexistência e a sobrevivência da alma, o progresso
contínuo, a lei de causa e efeito e a lei da reencarnação.
"Atenta a sua importância para a realização
da felicidade social, a fraternidade está na primeira linha:
é a base. A igualdade decorre da fraternidade e a liberdade
do conjunto das duas". (25)
O COMPROMISSO COM AS PRÓXIMAS GERAÇÕES
E COM AS OUTRAS ESPÉCIES
A doutrina espírita nos ensina que reencarnamos muitas vezes
neste planeta ou em outros mundos de acordo com as nossas necessidades
de aprendizado. Todas nossas ações ou a falta delas
atingem a sociedade e seus membros. Essa ação pode ser
favorável à justiça social ou pode ir contra
a estabilidade social. Com nossas ações atuais estamos
criando as condições futuras da sociedade. As consequencias
dessas ações podemos experimentá-las nesta mesma
vida ou numa existência futura. Vamos colher o que hoje estamos
semeando. Se queremos uma sociedade justa devemos contribuir para
a implementação de um novo modelo de desenvolvimento
que leve em consideração, não só o aspecto
econômico, senão também os aspectos social e ambiental.
As leis morais apresentadas por Kardec no livro terceiro de O
Livro dos Espíritos servem de fundamento para
cada um dos três pilares do desenvolvimento sustentável:
o crescimento econômico, a preservação do meio
ambiente e a justiça social. As leis do progresso e do trabalho
podem orientar o rumo para o progresso econômico. As leis de
conservação, reprodução e destruição
são guias para a preservação do nosso meio ambiente
físico e espiritual. As leis de sociedade, igualdade, liberdade,
amor, justiça e caridade são o alicerce para estabelecer
as bases das instituições de uma sociedade justa.
CONCLUSÕES
Para enfrentar os grandes problemas sociais devemos procurar o conhecimento
no pensamento social espírita. "O espiritismo além
de ser uma ciência experimental e filosófica, é
uma ideologia social". (26)
Os princípios da doutrina espírita nos levam à
convicção que devemos colocar em ações,
que devemos materializar em atos e fatos os conhecimentos espirituais
para o bem-estar da sociedade e a implantação da justiça
social em nosso planeta.
Manuel S. Porteiro sintetiza muito
bem o nosso compromisso como espíritas para trabalhar por uma
sociedade justa. Ele disse que "o espírita pode e
deve influir na sociedade para que desapareça, ou pelo menos
diminua, a injustiça econômica e os males que ela gera,
demonstrando que a verdadeira sociedade exige justiça, solidariedade
e amor" (27).
Temos muito para fazer. Precisamos agir agora e participar mais ativamente
do movimento em favor da justiça social.