Espiritualidade e Sociedade





Néventon Vargas

>    Kardec e a Verdade

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Néventon Vargas
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Todas as mensagens publicadas em qualquer das obras básicas, inclusive na Revista Espírita, merecem nossa profunda reflexão. Sendo de nosso interesse ser fiéis a Kardec, será imprescindível, em primeiro lugar, compreendermos a sua personalidade no contexto social do século XIX. Entenda-se aqui fidelidade não como aceitação irrestrita de tudo o que disse e escreveu, mas a manutenção da postura crítica e questionadora, que considera todas as verdades como transitórias até que todas as contraposições sejam resolvidas.


Isto posto, vamos comentar a inserção da mensagem atribuída a Jesus de Nazaré n'O Livro dos Médiuns (Segunda parte, Cap. XXXI, item IX – Editora FEB, 62a edição) e, depois, n'O Evangelho Segundo o Espiritismo (Cap. VI, item 5 – Editora FEB 112a Edição) com algumas alterações, inclusive na assinatura, que consta como O Espírito de Verdade.

Num dos ângulos da análise me parece contraditório o escrúpulo desmedido na aceitação da comunicação de tal espírito, uma vez que o consideramos nosso igual em essência, sendo apenas mais adiantado espiritualmente. Por que tanta polêmica quanto à comunicação de Jesus? Por que ele não poderia se manifestar como qualquer outro espírito? A questão da identificação é outra história!

Não estou, neste caso, fazendo juízo da mensagem propriamente dita. Isto eu deixo para Kardec que certamente tinha muito melhores condições de fazê-lo. E o fez na seqüência da transcrição do texto n'O Livro dos Médiuns, numa nota carregada de bom senso.

Quanto à decisão de Kardec em repetir a mensagem em O Evangelho Segundo o Espiritismo, alterando o texto e a assinatura, fico com a opinião de Herculano Pires, a cujas opiniões costumo dar muito crédito: "... Sabendo-se que Kardec não tomava decisões dessa importância por seu próprio arbítrio, e que poderia ter deixado de incluir ali essa comunicação, é evidente que a assinatura primitiva deve ter sido corrigida pelo próprio Espírito comunicante, como sempre acontece quando a imaginação do médium interfere nos ditados. No caso, o conteúdo da mensagem é realmente de valor. Note-se o cuidado seguido por Kardec e por ele recomendado, mas até hoje pouco seguido, no tocante às comunicações assinadas por nomes venerados. É conveniente ler e reler as suas considerações acima”.
(Nota do Tradutor - O Livro dos Médiuns - Segunda parte Cap. XXXI, item IX – Editora EME, 1996)

Foram suprimidas da mensagem original exatamente aquelas partes que mais forçavam para tornar autêntica a mensagem. Primeiro um parágrafo inteiro:"Crede nas vozes que vos respondem: são as próprias almas dos que evocais. Só muito raramente me comunico. Meus amigos, os que hão assistido à minha vida e à minha morte são os intérpretes divinos das vontades de meu Pai.", depois, uma frase que induz à crença na possibilidade da sua manifestação: "Em verdade vos digo: crede na diversidade, na multiplicidade dos Espíritos que vos cercam."

Como O Livro dos Médiuns é uma obra essencialmente didática, classificada pelo próprio Kardec como “Guia dos Médiuns e dos Evocadores”, a mensagem em tela está muito bem posta, especialmente pelos lúcidos comentários do professor Rivail.

No Evangelho Segundo o Espiritismo, a mensagem citada está de acordo com o tema do capítulo e se houve algum erro foi de estratégia de divulgação em que aquele trecho, como todo o livro, publicado três anos depois de O Livro dos Médiuns, está comprometido com um perfil social contextualizado. Uma obra mais genérica, incluindo as mais diversas correntes de pensamento espalhadas pelo planeta, identificando nelas a síntese da moral espírita, mas sem vinculação com nenhuma delas, seria muito mais benéfica ao futuro da Doutrina Espírita.

Com a publicação de O Evangelho Segundo o Espiritismo, Kardec optou por sintetizar a moral espírita na moral de Jesus de Nazaré. Por que fez tal opção? Só ele pode responder! (*)

NÉVENTON VARGAS, Engenheiro Civil; Licenciado em Física. Presidente da ASSEPE . Secretário de Comunicação Social da CEPA.

 


(*) OBJETIVO DA OBRA
(O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO)
ALLAN KARDEC
NA INTRODUÇÃO DO LIVRO
O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO

Tradução de J. Herculano Pires

 

 

Podemos dividir as matérias contidas nos Evangelhos em cinco partes:

1) Os atos comuns da vida do Cristo:
2) Os milagres:
3) As profecias:
4) As palavras que serviram para o estabelecimento dos dogmas da Igreja:
5) O ensino moral.

Se as quatro primeiras partes têm sido objeto de discussões, a última PERMANECE INATACÁVEL. Diante desse código divino, a própria incredulidade se curva. E o terreno em que TODOS OS CULTOS podem encontrar-se, a bandeira sob a qual todos podem abrigar-se, por mais diferentes que sejam as suas crenças. Porque nunca foi objeto de disputas religiosas, sempre e por toda a parte PROVOCADA PELOS DOGMAS. Se o discutissem, as seitas teriam, aliás, encontrado nele a sua própria condenação, porque A MAIORIA DELAS SE APEGARAM MAIS A PARTE MÍSTICA DO QUE À PARTE MORAL, que EXIGE A REFORMA DE CADA UM. Para os homens, em particular É UMA REGRA DE CONDUTA QUE ABRANGE TODAS AS CIRCUNSTÂNCIAS DA VIDA PRIVADA E PUBLICA, O PRINCÍPIO DE TODAS AS RELAÇÕES SOCIAIS fundadas na mais RIGOROSA JUSTIÇA. É, por fim, e acima de tudo O CAMINHO INFALÍVEL DA FELICIDADE A CONQUISTAR, uma ponta do véu erguida sobre a vida futura. É essa parte que constitui o objeto exclusivo desta obra.

Todo o mundo admira a moral evangélica; todos proclamam a sua sublimidade e a sua necessidade, mas muitos o fazem confiando naquilo que ouviram, ou apoiados em algumas máximas que se tornaram proverbiais, pois poucos a conhecem a fundo, e menos ainda a compreendem e sabem tirar-lhes as conseqüências. A razão disso está em grande parte, nas dificuldades apresentadas pela leitura do Evangelho, ininteligível para a maioria. A forma alegórica, O MISTICISMO INTENCIONAL DA LINGUAGEM, fazem que a maioria o leiam por desencargo de consciência e por obrigação, como lêem as preces sem as compreender, o que vale dizer sem proveito. OS PRECEITOS DE MORAL, espalhados no texto, misturados com as narrativas, PASSAM DESPERCEBIDOS. Torna-se impossível apreender o conjunto e fazê-los objeto de leitura e meditação separadas.

Fizeram-se, é verdade, tratados de moral evangélica, mas A ADAPTAÇÃO ao estilo literário moderno tira-lhe a ingenuidade primitiva, que lhe dá, ao mesmo tempo, encanto e autenticidade. Acontece o mesmo com as máximas destacadas, reduzidas a mais simples expressão proverbial, que não passam então de aforismos, PERDENDO UMA PARTE DE SE VALOR e de seu INTERESSE, pela falta dos acessórios e das circunstâncias em que foram dadas.

Para evitar esses inconvenientes, REUNIMOS nesta obra os TRECHOS QUE PODEM CONSTITUIR, propriamente falando, UM CÓDIGO MORAL UNIVERSAL, sem distinção de cultos. Nas citações, CONSERVAMOS TUDO o que era de UTILIDADE ao desenvolvimento do pensamento, suprimindo apenas as coisas estranhas ao assunto. Além disso, RESPEITAMOS ESCRUPULOSAMENTE a tradução original de Sacy, assim como a divisão por versículos. Mas, em vez de nos prendermos a uma ordem cronológica impossível, e sem vantagem real em semelhante assunto, as máximas foram agrupadas e distribuídas metodicamente segundos sua natureza, de maneira a que umas se deduzam das outras, tanto quanto possível. A indicação dos números de ordem dos capítulos e dos versículos permite recorrer à classificação comum, caso se julgue conveniente.

Esse seria apenas um trabalho material, que por si só não teria mais do que uma utilidade secundária. O essencial era pô-lo ao alcance de todos, pela explicação das passagens obscuras e o desenvolvimento de todas as suas conseqüências, com vistas à aplicação às diferentes situações da vida. Foi o que procuramos fazer, com a ajuda dos bons Espíritos que nos assistem.

Muitas passagens do Evangelho, da Bíblia, e dos autores sagrados em geral são ininteligíveis, e muitas mesmo parecem absurdas por falta de uma chave que nos dê o seu verdadeiro sentido. Essa chave está inteirinha no Espiritismo, como já se convenceram os que estudaram seriamente a doutrina, e como ainda melhor se reconhecerá mais tarde. O Espiritismo se encontra por toda parte, na Antigüidade, e em todas as épocas da humanidade. Em tudo encontramos seus traços, nos escritos, nas crenças e nos monumentos, e é por isso que, se ele abre novos horizontes para o futuro, lança também uma viva luz sobre os mistérios do passado.

Como complemento de cada preceito, damos algumas instruções, escolhidas entre as que foram ditadas pelos Espíritos em diversos países, através de diferentes médiuns. Se essas instruções tivessem surgido de uma fonte única, poderiam ter sofrido uma influência pessoal ou do meio, enquanto diversidade de origens prova que os Espíritos dão os seus ensinamentos por toda parte, e que não há ninguém privilegiado a esse respeito (1).

ESTA OBRA É PARA O USO DE TODOS; cada qual pode dela tirar os meios de conformar sua conduta à moral do Cristo. Os espíritas nela encontrarão, além disso, as aplicações que lhes concernem mais especialmente. Graças às comunicações estabelecidas, de agora em diante, de maneira permanente, entre os homens e o mundo invisível, a lei evangélica, ensinada a todas as nações pelos próprios espíritos, não será mais letra morta, porque cada qual a compreenderá, e será incessantemente solicitado a pô-la em prática, pelos conselhos de seus guias espirituais. As instruções dos Espíritos são verdadeiramente as vozes do céu que vêm esclarecer os homens e convidá-los á prática do Evangelho.

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(1) Poderíamos dar, sem dúvida, sobre cada assunto, maior número de comunicações obtidas numa multidão de outras cidades e centros espíritas, além dos que citamos. Mas quisemos, antes de tudo, evitar a monotonia das repetições inúteis, e limitar a nossa escolha às que, por seu fundo e por sua forma, cabem mais especialmente no quadro desta obra, reservando para publicações posteriores as que não entraram aqui.

Quanto aos médiuns, deixamos de citá-los. Na maioria, em virtude de seus próprios pedidos, e depois, porque não convinha fazer exceções. Os nomes dos médiuns não acrescentariam, aliás, nenhum valor à obra dos Espíritos. Sua citação seria apenas uma satisfação do amor-próprio, pela qual os médiuns verdadeiramente sérios não se interessam. Eles compreendem que, sendo puramente passivo seu papel, o valor das comunicações não aumenta em nada o seu mérito pessoal, e que seria pueril envaidecerem-se de um trabalho intelectual a que prestam apenas o seu concurso mecânico.

 

 

Fonte: http://assepe.org.br/txt_neventon_kardec_verdade.html

 

 



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