De todas as querelas entre religiosos católicos e protestantes,
uma, das mais polemicas, encontramos no episódio conhecido como
a afirmação de Jesus sobre Pedro, base onde seria
assentada sua igreja.
Olhar com imparcialidade a questão não
está ao alcance de nenhuma das alas que se digladiam, ambas se
afastam do foco principal que abrange por motivos óbvios, o "querer"
e o "entender" da maneira que cada um já solidificou
como crença, impossível surgir destes meios qualquer acordo
ou nova luz.
Qual das duas correntes possui mais proximidade
com o entendimento das palavras do Cristo?
Ao Católico soa muito obvia que Pedro está
sendo designado, ali, o primeiro bispo da Igreja, vindo fundamentar
admiravelmente o edifício hierárquico deste império
religioso no mundo. Seria isto um sinal? Entretanto, a visão
Protestante se afasta radicalmente deste entendimento, oferecendo a
possibilidade de alicerçar o seu dogma principal, a fé,
pois, é com ela que o individuo abre as portas para a sua salvação.
Buscando uma explicação mais consentânea
aos propósitos de Jesus à época, entendendo sua
missão como sendo de caráter universal e não com
finalidade de atender a particularismo de certo povo nos confins do
mundo, muito menos colocar toda uma missão, que seria somente
cabível a um homem perfeito em todas as suas manifestações
que às mãos de um simples pescador, com limitações
óbvias e certa incompreensão da sua divina vontade, deparamos
com uma visão diferente disso tudo.
O filosofo universalista Huberto Rohden
foi uma destas lufadas de sorte em nosso caminho que trouxe a mais provável
luz ao entendimento favorecendo uma aproximação da verdade,
vejam, não podemos afirmar ser esta versão de Rohden toda
a verdade e que o tema tenha se esgotado. A Verdade é relativa
ao nosso nível de entendimento intelectual e moral, entretanto,
é a que mais nos toca e preenche aquilo que sentimos, é
a nossa provisória verdade até que outra de melhor abrangência
se manifeste, mas até lá...
E o que nos diz Rohden desta passagem do evangelho?
Relembremos primeiramente o episódio
entre Jesus e seus discípulos e especialmente, Pedro.
Naquela época, em Cesaréia-de-Filipe,
Jesus indagara a seus discípulos a respeito do que os homens
diziam d’Ele; as respostas dos discípulos informa-O que
são diversas; depois, Jesus que saber o que eles, seus discípulos
pensam dele e não mais o povo, mas, eles mesmos a respeito da
pessoa de Jesus. Quando Pedro, mais exaltado disse: Tu és
o Cristo, o filho do Deus vivo!
É agora que começamos a entrar na exegese
universalista de Rohden; a resposta de Jesus é o inicio da grande
controvérsia e também a chave para inicio do entendimento;
Rohden esclarece que Jesus empregava a palavra Pai quando se referia
ao elemento eterno, divino, seu Eu espiritual, assim como empregava
as palavras carne e sangue para as coisas que tinha origem carnal, humana
e não divina, vamos conferir a resposta de Jesus antes de prosseguir
na busca do entendimento.
Jesus diz: "Não foi
a carne e o sangue que t’o revelou, mas sim meu Pai que está
nos céus".
Temos ainda outro problema quando de uma visão
literal para algo que não é real ou palpável o
que dificulta a equalização por parte dos exegetas católicos
e protestantes, é quanto a palavra "céus".
Diversas vezes foi indagado Jesus a respeito do "reino dos céus",
sua localização e como era lá, dúvidas e
curiosidades naturais que todos nós teríamos se tivéssemos
oportunidade de estar ao lado de Jesus e podermos também fazer
indagações como essas, mas suas respostas levavam seus
interlocutores a admiração pela simplicidade inusitada:
"os céus está dentro de vós"!
Não é difícil entendermos que Jesus
não se refere a um morador em um lugar distante lá nas
alturas, Ele a todo instante quer nos mostrar que este "Pai"
está tão próximo que podemos tocá-lo. Neste
sentido é podemos entender estas palavras "As obras que
faço, não sou eu que as faço, mas sim meu Pai que
em mim está". Longe de estar se afirmando ser Ele mesmo
um Deus com querem, aquela esdrúxula figura embolada parecida
a aparelhos de som "3 em 1", Ele está tentando nos
passar a verdadeira imagem que devemos ter de Deus e que se manifesta
através do "elemento divino que há em nós".
Rohden identifica este elemento divino como o "Cristo", e
todo homem possui este elemento divino.
A continuidade das palavras de Jesus é a gota
da discórdia quando diz: "Também
eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha
igreja". Façamos uma pequena pausa apenas para
uma explicação; Pedro e Pedra para nós, que sofremos
com a língua portuguesa, diferem apenas nas ultimas vogais, o
"o" e o "a", realmente não tem nada a ver
uma com a outra, "Pedro é Pedro" e "pedra é
pedra", não é! Conheço até um Cartório
cujo nome do Tabelião é "Pedro Pedra", entretanto,
para aquela época, para designar aquilo que entendemos como "pedra"
aplicava-se a palavra "kepha" e "kepha" só
poderia ser mesmo o nome de Pedro; portanto, teríamos que
admitir que Pedro não é Pedro, mas "Kepha",
ou seja, "Pedra" mesmo.
Vejamos agora a frase sob este ângulo: "Também
eu te digo que tu és "Pedra", e sobre
esta "pedra" edificarei minha igreja".
Outro problema temos aqui, pois uma pedra não
é um homem! É um objeto inanimado e inerte, mas, observa-se
que o sentido é dar a idéia de que não é
o nome do individuo que interessa ao alicerce da igreja de Jesus, mas
ao simbolizado dele, a pedra, "o elemento divino"
que habita em Pedro; Rohden ensina que o que vem do
"elemento divino" é firme, mas o que vem do elemento
puramente humano "é inseguro", lembrando da convergência
com a parábola das construções da casa na "rocha"
(kepha) e na "areia" que é o simbolismo
para "carne e sangue", o elemento puramente humano. A partir
desta explicação, torna-se evidente que o edifício
religioso de Jesus não se fará de tijolos e nem de carne
e sangue (areia), mas sobre "uma rocha viva da intuição
espiritual" ou "revelação de Deus".
Ainda está complicado para você?
Vamos aclarar mais as coisas trilhando a linha de raciocínio
já engendrada por Rohden. Já se vê que Jesus não
parece afirmar que está depositando todas suas fichas na pessoa
de Pedro, e sim no seu "elemento divino",
o seu "Cristo interno" como reconheceu o apóstolo Paulo
certa feita: "Já não sou eu que vivo, o Cristo
é que vive em mim"; esta força que impulsiona
homens como estes e outros tantos notáveis exemplificadores de
seu evangelho através dos séculos, é nesta kepha
onde Jesus depositou os pilares de sua igreja, "no mundo interior
do homem", como é e deve ser vivido seu Evangelho, em nosso
intimo, esta intuição que desabrocha em nosso ser pois
ela já existe, apenas não propiciamos meios para que se
manifeste em toda a sua força como foi manifestada em Jesus,
fazendo com que afirmasse "Eu e o Pai somos um"
assim como "O Pai está em vós, e vós
estais no Pai".
O elemento divino que há em Pedro, o Eu, o seu
Cristo (Lógos), identifica o Cristo que age em Jesus,
e Jesus ao identificar em Pedro este mesmo elemento
que age plenamente nele comunica a discípulo que é com
este elemento, que identifica como pilar de sustentação,
que é a "kepha" onde se assentará
sua igreja, Rohden cita Paulo onde este parece confirmar
esta verdade quando diz: "A pedra porém, é o
Cristo, é ele o fundamento da igreja, e ninguém pode lançar
outro fundamento", claro que não estava se referindo
a pessoa do Pedro humano neste momento, mas do "elemento oculto
na pessoa humana de Simão Pedro", onde Jesus disse que fundaria
sua igreja e sobre este "as portas do inferno não prevalecerão
contra ela". Entretanto, parece que as portas do inferno prevaleceram,
sim, contra Pedro!
Veremos isto quando Jesus ao referir-se aos acontecimentos
que deveriam ocorrer em breve e culminaria com sua morte, quando Pedro
diz a Jesus que recuasse diante desta perspectiva, vemos a rápida
e ríspida repreensão vinda de Jesus dizendo a Pedro, que
minutos antes o tinha designado o pilar fundamental de sua igreja, "vade
retro, satan!" E agora, como entender isso?
Se há um elemento divino no homem, o Eu que é
o Cristo interno em cada um de nós pelo qual Pedro foi intuído
e afirmou o Cristo que há igualmente em Jesus, como pode haver
dualidade e habitar também em Pedro satan?
Ora, Rohden nos esclarece: Satan
é o simbolismo do Ego. Este representa a nossa frágil
natureza humana, o Ego tem muita força, energia, nos impulsiona
nas realizações das coisas, das conquistas, é o
motor de nossos avanços materiais, pois, é onde também
reside nosso orgulho, nosso egoísmo, estes dois sentimentos que
são base de tantos outros como a avareza, a inveja, a ira, etc.
Não é a ambição que move o progresso dos
povos? Não é a avareza que desbrava lugares, constrói
e refaz pajeada pelo orgulho? Não é a luxuria que move
os comércios das noites frenéticas? E não é
a paixão que alimenta o comércio de flores, do mundo erótico,
das butiques? Ainda acha que não são forças?
Veja a reprimenda de Jesus a Pedro:
"Porque o teu modo de pensar é de homem, e não
de Deus".
Aquilo que chamamos de Ego humano é o que Jesus
denomina de Satan, que traz este caudal de violência e realizações
no mundo material, entretanto, Jesus não expulsou Satan. "Vade
retro", foram estas as palavras que disse ao Ego de Simão
Pedro, ao elemento humano de Pedro, onde estão guardados os sentimentos
temperados de egoísmo e orgulho, o Satan. Quando damos evasão
a sentimentos com pitadas de egoísmo e orgulho, nos afastamos
da influencia das esferas divinas e nos aproximamos e nos prendemos
as coisas mundanas e passageiras, vindo daí nosso sofrimento
e desespero, é quando Satan nos domina, quando somos vitimas
de nossos próprios sentimentos inferiores. Por que Jesus não
expulsou Satan que havia em Simão?
Por que não podemos tirar fora algo que nos é
inerente a alma, nossos sentimentos, antes sim, "vade retro",
isto é, "siga atrás" de mim, venha após
mim, eis a grande verdade de Jesus. Satan simbolizando todos os nossos
sentimentos inferiores deve ser domesticado, deve aprender a seguir
seu dono, ao Cristo, seguir após o Cristo, mas o que é
o Cristo mesmo?
A palavra Cristo vem do grego e quer dizer Ungido.
A pessoa que dá mais ênfase ao seu Eu, o seu Cristo, é
um Ungido de Deus, é a manifestação da mesma essência
de Deus, e Deus é Amor, conforme nos ensinou João. Se
deve entender que os nossos sentimentos inferiores possuem uma força
incontrolável quando nos deixamos subjugar por elas, daí
a causa de tanta violência e tragédias no mundo de hoje.
Entretanto, buscarmos o seu domínio que se faz através
de exercícios de "Reforma Intima", faremos com que
estas forças promovam realizações muito mais significativas,
porque segue a sua frente o Amor Universal, o Cristo, o Eu (Lógos).
O programa social "pastoral da criança", como exemplo,
é a materialização desta força que segue
a Cristo, como vemos nas obras sociais diversas no mundo inteiro.
Retornando a questão de Pedro ser o vigário
de Deus, o alicerce da igreja de Jesus na Terra a esta altura do entendimento,
pela ótica de Rohden, já parece não ter mais lógica,
haja vista como era insegura e frágil a pessoa do pescador Galileu.
O filosofo então indaga: Jesus então se
desdisse? Não, diz Rohden, a verdade é que apenas "cedeu
a areia, não cedeu a rocha!" Jesus não edificou a
sua igreja sobre "o Pedro da confissão" e lembrando
palavras de Santo Agostinho, "mas, sobre a "confissão
de Pedro", portanto, "edificou sua igreja
sobre si mesmo, sobre o Cristo confessado, que é a rocha dos
séculos e não sobre a pessoa humana deste discípulo".
Finalizando, o filosofo universalista nos diz que a
interpretação tradicional da igreja romana nos dias de
hoje tem razão de conveniência histórica, pela tendência,
a partir da Idade Média, de centralizar o poder espiritual numa
só pessoa, cuja igreja se tornou um império dando a confundir
o poder material com o poder espiritual que deveriam ser respeitados.
Pois fora transferido para essa todo o poder e gloria que Jesus teria
conferido a Pedro. Porém, esta rocha é todo homem unido
ao Cristo, e isto não se transfere por sucessão.
setembro 2004
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Bibliografia:
Filosofia Cósmica do Evangelho, Huberto Rohden,
2ª. Edição, 1976, Fundação Alvorada.
O Redentor, Edgard Armond, Editora Aliança.
Fonte:
http://www.apologiaespirita.org/index.htm
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