Goiânia - Antes dos memes
e virais que fazem a festa na internet, o cinema já produzia
as suas frases de efeito que se tornaram bordões icônicos.
No filme “O Sexto Sentido”, de 1999, dirigido
pelo indiano M. Night Shyamalan, o ator Haley Joel Osment interpreta
um garoto que contracena com o personagem vivido pelo ator Bruce
Willis, o psicólogo infantil Malcolm Crowe. O drama vivido
pelo garoto é sintetizado por ele na frase que se tornaria
célebre e apareceria intertextualizada em outros momentos
e espaços cinematográficos: “Eu vejo gente morta,
o tempo todo!” Era a sua dolorosa confissão ao terapeuta
que também era uma “pessoa morta”, o que só
é revelado no final do filme mediante as sutilezas narrativas
adotadas por Shyamalan para manter o suspense ao longo da trama.
Guardadas todas as proporções possíveis entre
a arte e a vida, o enredo de “O Sexto Sentido”
encontra uma interessante correspondência com emblemática
personagem da vida brasileira no século 20, que nesse dia
02 de abril completaria 106 anos. Nascido em 1910, na cidade mineira
de Pedro Lepoldo, Francisco de Paula Cândido mais tarde se
tornaria célebre sob o nome de Francisco Cândido Xavier.
Ou, simplesmente, Chico Xavier. À semelhança do personagem
de Joel Osment, o médium mineiro afirmava ver gente morta,
os espíritos, o tempo todo. Isto, desde a mais tenra infância,
conforme consta de suas diversas biografias. Chico Xavier encontrou
o seu terapeuta na doutrina sistematizada pelo francês Allan
Kardec, direcionando os seus dons segundo as orientações
contidas na bibliografia kardequiana, composta de cinco volumes,
além de outros onze livros em que se encontram enfeixados
os números mensais da Revista Espírita, publicada
por ele de 1858 a 1869, ano de sua morte.
Chico Xavier não somente via os espíritos, mas também
escrevia ao influxo deles, no fenômeno mediúnico denominado
por Allan Kardec de psicografia. Desse peculiar esforço intelectual
resultaram, segundo algumas fontes, mais de 400 livros e milhares
de mensagens. Como resultado desse vasto conjunto escrito, cujos
direitos autorais foram cedidos pelo médium para um número
significativo de instituições Brasil afora, criou-se
toda uma rede de assistência social em várias frentes
ao longo das décadas em que o médium viveu e atuou
no Espiritismo brasileiro. Segundo Marcel Souto Maior, o seu biógrafo
mais respeitado pelos não espíritas, só com
os recursos financeiros de uma obra cedida por ele a uma instituição
beneficente de um Estado nordestino foi possível a realização
de mais de mil partos anuais para gestantes carentes.
“Várias frentes”
A polimorfa produção
psicográfica chavieriana, independente das controvérsias
em torno de sua origem, ou mesmo em função dela, tem
despertado diversos estudos em nível acadêmico. Sua
produção de estreia, intitulada “Parnaso
de Além-Túmulo”, causou espécie
à época. Hoje, em internetês, diria-se apenas
que “causou”. Publicada em 1932, a obra trazia como
conteúdo dezenas de poemas atribuídos às “pessoas
mortas” de cerca de 20 poetas luso-brasileiros. Posteriormente,
o médium lançaria também obras atribuídas
ao espírito do escitor maranhense Humberto de Campos. Nesse
último caso, o setor jurídico da vida brasileira se
viu com um imbróglio sem precedentes, tendo de julgar ação
da esposa do falecido escritor, que reclamou na justiça os
direitos autorais dos escritos do marido morto.
Sobre os dois eventos diretamente ligados à intrincada relação
vida literária e mediunidade, Alexandre Caroli Rocha defendeu
dissertação de mestrado intitulada “A poesia
transcendente de Parnaso de Além-Túmulo”
no ano de 2001, que pode ser acessada no link.
No ano de 2008, Rocha defenderia sua tese de doutoramento, intitulada
“O caso Humberto de Campos: autoria literária e
mediunidade”, que pode ser acessada no link.
Ambos os trabalhos foram produzidos na pós-graduação
da Unicamp de São Paulo.
A produção mediúnico-literária de Chico
Xavier alcançou outras instâncias, como a cinematografia,
na adaptação de obras por ele psicografadas. Desse
número é o filme “Nosso Lar”, homônimo
da obra atribuída a um espírito que adotou o pseudônimo
de André Luiz. Nesse trabalho, o autor espiritual descreve
aspectos de como seria a vida na outra dimensão, bem como
a sua relação com o plano dos vivos no corpo físico.
De forma simultânea à extraordinária produção
bibliográfica, Xavier participou de um sem número
de atividades assistenciais com as comunidades carentes da periferia
das cidades de Pedro Leopoldo e, posteriormente, Uberaba, onde viveu
até à morte, que ocorreu no dia 30 de junho de 2002,
data em que o Brasil se sagrou campeão na Copa do Mundo de
futebol daquele ano. A propósito disso, consta que Chico
Xavier teria dito que gostaria de partir para a outra vida num dia
em que o Brasil estivesse em festa. Mais profético, ou mediúnico,
impossível.
Num momento grave da vida política brasileira, insta lembrar
que o médium mineiro sempre teve profunda confiança
no destino do Brasil, muito em função da grande bondade
do povo brasileiro, segundo suas declarações em diversos
momentos. Assim, independente de qualquer matiz ideológico,
a vida de Chico Xavier se configura como um exemplo marcante dessa
mesma bondade que ele via em seus concidadãos.