Confira a entrevista
IHU On-Line – De que forma os muçulmanos
procuram o perdão?
Daniel Yussuf Abu Tariq – Como no Islã
não existe hierarquia, tal como há no cristianismo e
no judaísmo, procuramos o perdão nos dirigindo diretamente
a Allah (twt). Nosso vínculo direto é com Allah (twt).
Em qualquer momento de profundo arrependimento, nos prostramos (sujud)
no momento da oração ou fora dela, pedimos diretamente
a Allah (twt) que perdoe os nossos atos errados, manifestos ou não
(aqueles que não temos consciência de tê-los feitos).
Allah (twt) fica contente quando nos dirigimos a Ele tanto para pedir
perdão como para pedir ajuda e orientação. O
importante é não repetir o erro.
IHU On-Line – Como se dá a relação
entre culpa e perdão no Islã?
Daniel Yussuf Abu Tariq – A culpa é
quando temos ciência que cometemos algo errado, como negligenciar
o Criador, ofender aos pais, usar palavreados e cometer atos incompatíveis
com a religião. Sabendo que estes atos desagradam a Allah (twt),
fazemos o que foi respondido na questão anterior, ou seja,
pedir perdão a Allah (twt).
IHU On-Line – Qual a importância do perdão
para os muçulmanos?
Daniel Yussuf Abu Tariq – É de crucial
importância, pois sabemos que tudo o que fazemos aqui na dunya
(terra) está sendo observado por Allah (twt). Um átomo
de coisa boa que fizermos será contado a nosso favor, e um
átomo de coisa ilícita deporá contra nós
no dia do Qiamat (Juizo Final) e somente Allah (twt) será o
Juiz para ver se merecemos o janat (paraíso) ou a geena (inferno).
Por isso diariamente pedimos perdão a Allah (twt), pois podemos
estar cometendo um pecado não manifesto (aquele que a gente
comete sem saber). O objetivo de todo muslim é alcançar
o janat (paraíso), pois estamos de passagem aqui na terra.
Aqui é uma vida transitória, pois a vida verdadeira
é aquela após a morte, a vida eterna. Mas para buscar
o paraíso, temos que ser merecedores aos olhos de Allah (twt).
IHU On-Line – O que podemos entender pela Teologia
do Pecado no Islã?
Daniel Yussuf Abu Tariq – Esse é mais
um conceito cristão, pois “Por isso vos declaro: Todo
o pecado e blasfêmia serão perdoados aos homens, mas
a blasfêmia contra o Espírito não lhes será
perdoada. Ao que disser alguma palavra contra o Filho do Homem, isso
lhe será perdoado; porém ao que falar contra o Espírito
Santo, não lhe será perdoado, nem neste mundo, nem no
vindouro” (Mateus 12:31-32).
Para o Islã, um pecado capital aos olhos de Allah (twt) é
compartilhar outros parceiros a Ele. Isso iria contra o princípio
fundamental do Islã, o Tawhid (monoteísmo puro), ou
seja, a crença num Deus Único e Absoluto, que não
tem parceiros e nada se assemelha a Ele. Na surata (capítulo
114) do Quran fala-se: “Disse: Deus é Unico, Absoluto,
não gerou nem foi gerado e ninguém é comparável
a Ele”.
O Profeta Muhammad (saws) disse que este pequeno capítulo representa
no sentido teológico, 1/3 do Quran. Sua linguagem é
direta e sem margens para interpretações. Mas no Islã,
nunca falamos que não seremos perdoados por tudo que fizermos
nesta vida transitória, pois Allah (twt) é Clemente
e Misericordioso, e nossa salvação está nas mãos
Dele. Ele decide ao seu critério e nada podemos fazer.
IHU On-Line – A ideia do “olho por olho,
dente por dente” (Pena de Talião) não fomenta
a espiral da violência?
Daniel Yussuf Abu Tariq – Esse é o
segundo tipo de punição na Lei Islâmica. É
aquela em que o perpetrador do crime é punido com a mesma injúria
que causou à vítima. Se o criminoso matou a vítima,
então é morto. Se cortou ou injuriou um membro da vítima,
então seu próprio membro será cortado ou injuriado
se isso for possível sem matar o criminoso. São usados
especialistas para fazerem essa determinação.
Cito algumas regras importantes referentes à retribuição:
1. A retribuição só é lícita se
a morte ou injúria foi causada de forma deliberada. Não
existe retribuição por matar ou injuriar alguém
acidentalmente. Deus diz: “Ó vós que credes, está-vos
preceituado o talião para o homicídio” (Alcorão
2:178). E Ele diz: “vida por vida, olho por olho, nariz por
nariz, orelha por orelha, dente por dente e as retaliações
tais e quais” (Alcorão 5:45).
2. Nos crimes em que o criminoso diretamente transgride contra outro,
o Islã deu ao desejo da vítima ou da sua família
um papel importante na decisão se a punição deve
ou não ser executada. O Islã permite que a vítima
perdoe o perpetrador porque a punição nesses crimes
é considerada o direito da vítima. O Islã até
encoraja o perdão, prometendo uma recompensa na outra vida
para aquele que o faz. Deus diz: “mas quem indultar um culpado,
isto lhe servirá de expiação” (Alcorão
5:45).
O perdão pode ser o pagamento de indenização,
uma compensação monetária fixa, ou pode ser total,
sem exigência de compensação mundana. Deus diz:
“Sabei que o perdão está mais próximo da
virtude” (Alcorão 2:237).
3. A punição deve ser executada pelo governo. A família
da vítima não pode executá-la.
A sabedoria por trás da retribuição
Com relação às punições islâmicas
em geral, e retribuição em particular, encontramos que
têm duas características complementares. A primeira é
a severidade da punição. Isso é para desencorajar
o crime e limitar sua ocorrência.
A segunda característica é a dificuldade de estabelecer
a culpa, reduzindo as oportunidades para execução da
punição e protegendo o acusado. Vemos o princípio
no qual as punições não são executadas
na presença de dúvida, e que o benefício da dúvida
sempre é dado ao acusado. Algumas punições prescritas
são até canceladas com base em arrependimento, como
podemos ver no caso de assalto em estrada. Isso também pode
ser visto na permissibilidade de perdão, no caso de retribuição,
e no fato de que o perdão é encorajado e preferido.
Esses dois elementos se complementam no sentido de que o crime é
efetivamente desencorajado, protegendo a sociedade, e os direitos
do acusado são salvaguardados pelo fato de que especulação
e acusações não podem servir de base para punição.
O acusado desfruta a maior garantia de justiça e será
poupado da punição sempre que possível. A maioria
das pessoas se absterá de cometer crime porque a severidade
da punição e as punições para esses crimes
raramente serão executadas. Dessa forma, a segurança
geral da sociedade e os direitos do indivíduo são igualmente
atendidos.
IHU On-Line – Como a questão do ressentimento
e do perdão perpassa o Islã?
Daniel Yussuf Abu Tariq – Estou entendendo
ressentimento de uma pessoa para outra, correto? Conforme o Quran
e a Sunnah do Profeta (saws), se houver uma desavença entre
dois muçulmanos, eles têm três dias para se reconciliarem,
e isso tem um motivo social grande, que é evitar que futuras
sequelas sejam estabelecidas e dar um ponto final. Sendo assim, o
ofensor precisa chegar junto do ofendido e se desculpar, ou seja,
fazer as pazes. Para isso é necessário que ambos tenham
muita humildade tanto para se desculpar como para aceitar as desculpas.
Se não fizerem isso, todos os dois estarão cometendo
pecado porque não estariam cumprindo as leis de Allah (twt)
e Ele cobrará deles no Juízo Final. Por isso a humildade
é um fator fundamental no Islã.
IHU On-Line – Qual a principal diferença
entre a concepção de perdão cristã e islâmica?
Como o conceito de pecado e salvação influencia nesta
questão?
Daniel Yussuf Abu Tariq – A diferença
básica é que, no cristianismo, existe um intercessor,
seja padre, pastor, e o fiel comunga e relata seus pecados e ele,
o intercessor, libera-o dos pecados, normalmente mandando rezar conforme
o rito cristão. No Islã, nós não temos
essa intercessão, conforme já foi dito acima. Nossa
relação é direta com Deus. No cristianismo, existe
a frase clássica de “que Jesus salva”. Para os
muçulmanos a questão se remete a Allah (twt), onde Ele,
e somente Ele, no Dia do juízo final, vai determinar nossa
morada eterna. Acreditamos sempre na Clemência e Misericórdia
Dele.
Fonte: http://www.ihuonline.unisinos.br