Os escritos e o trabalho realizados
pelo Padre Oscar González Quevedo são muito conhecidos
e divulgados tanto na Espanha quanto na América Latina.
Além de ser autor de várias obras parapsicólogicas,
é diretor do CLAP – Centro Latino Americano de Parapsicologia,
em São Paulo.
Seus escritos, à primeira
vista, impressionam por sua volumosa documentação
e por oferecerem a seus leitores uma série de argumentos
e observações que parecem esclarecer muito
da confusão que impera nos fenômenos paranormais.
Dissemos "à primeira vista" porque, ainda sem
negar que em suas obras se recompila uma abundante quantidade
de trabalhos clássicos, se lhe fazemos uma revisão
crítica e detida em seus argumentos e documentação,
nos defrontaremos com algo que nos causa estranheza. O que pareciam
ser citações fidedignas de documentos, em ocasiões
não infreqüentes, são distorções
dos originais; seus raciocínios
se debilitam consideralvelmente ao nos depararmos com a sutileza
com que usa diversas falácias; o que parecia ser uma conclusão
irrefutável, ao tratar-se de verificá-las nos documentos
citados, mostrou-se insustentável, devido ao manejo de
documentos.
O fato de que nos livros de um autor que se tem em tão
alta estima se encontrem freqüentes contradições,
omissões, distorções, erros e falácias,
não é fácil de se pensar. E mais, teria o
leitor toda razão em exigir, sem ambigüidade nenhuma,
a quem faz tal asserção, que apresente evidência
clara e consistente de que isso é assim. É meu propósito,
pois, apresentar ao leitor parte das inconsistências que
tenho encontrado nos escritos de Quevedo.
Digo "parte",
já que em meu fichário tenho listados, apenas do
livro "AsForças Físicas da Mente", mais
de 70 erros ou manejos indevidos de evidência. Os erros
encontrados em "O que é Parpsicologia?" e "
A Face Oculta da Mente", ainda que consideráveis,
não alcançaram o número alarmante que encontramos
em "As forças …".
Esclareço que meu interesse em revisar a documentação
apresentada pelo Pe.Quevedo vem se realizando desde o ano de 1972.
Em 1973, publiquei privadamente o ensaio que entitulei "Katie
King", onde faço constar que González-Quevedo,
em mais de duas dezenas de ocasiões, manipula a evidência
a seu gosto, além de cometer erros crassos. Entre os anos
1973-1976, publiquei privadamente mais três ensaios sobre
as obras do Pe. Quevedo, de onde continuava o trabalho de investigação
de suas fontes. Finalmente, em 1977 publiquei meu ensaio "Uma
revisão crítica dos escritos de Oscar González
Quevedo, S.J.", onde enumero 50 erros ou distorções
do material do Sr. Quevedo.
Sobre o material que me permitiu expor uma continuação,
decidi dividi-lo em cinco partes. Estas são: contradições,
omissões, distorções, erros e dogmatismo.
Às vezes, sua classificação é díficil
porque em um só parágrafo pode haver dois dos ditos
fatores. Desejo, em último lugar, enfatizar e advertir
que a dita lista não pretende ser exaustiva. Só
nos adverte sobre a necessidade de nos acercarmos de cautela e
desconfiança, quando se trata do material que nos apresenta
o Pe.Quevedo. ( nota : Enquanto não se indique o contrário,
todas as referências são ao livro "As Forças
Físicas da Mente" ).
Contradições :
1. Sobre o Médium Guzik,
na página 159, tomo I, nos diz: "Otro gran médium
que se presenta muchas veces como fraudulento, pero que tal vez
deba entrar tambiém entre los que ‘al menos probablemente’
van en pro de la telecinesia real, es el polaco Jean Guzic."
(página 162, tomo I, na edição em português
: "Outro grande médium, que é muitas vezes
apresentado como fraudulento, mas que se bem analisados os argumentos,
‘provavelmente’, ao menos, está de acordo com
a telecinesia real ( Deslocamento ou movimentação
de objetos à distância, sem interferência física
- Destaque nosso ) , é o polaco Jean Guzik."). Na
página 18, tomo II, esse "talvez" se converte
em "creemos que sus qualidades parapsicológicas están
fuera de duda". (página 325, tomo II, na edição
em português: "cremos que suas qualidades parapsicológicas
foram incontestáveis".) Evidência-se a divergência.
2. Nas páginas 80-87,
do tomo I, ( páginas 88 a 92 na edição em
português ), Quevedo diz que as irmãs Fox eram totalmente
fraudulentas. Em outro capítulo ( pag.71 – Ed. Espanhol
e pag. 75 – Ed. Português ) Ele referencia o Cientista
Crooks, o qual é categórico ao dizer que os fenômenos
relacionados às irmãs Fox são genuínos,
e o Sr. Quevedo, concorda com Crooks ! O mesmo ocorre na página
240 e na 96 ( 242 e 84 na edição em português
) onde novamente cita Crooks, dizendo que suas experiências
de tiptologia ( comunicação dos espíritos
por meio de pancadas - Destaque nosso ) são genuínas.
E tal citação é precisamente de Crooks referindo-se
às irmãs FOX !
Omissões :
1. González Quevedo, ao
esboçar sua teoria da ectoplasmia, alega que essa misteriosa
e controversa substância chamada ectoplasma, o máximo
que ela pode conseguir é formar membros ou figuras "rudimentares"
e "imperfeitas".
Sobre o médium D. D. Home,
diz o Pe. Quevedo que "jamais poderia imputar um truque".
E é sintomático que as ectoplasmias do bem-dotado
Home sempre tenham sido rudimentares". Quevedo passa a fudamentar
sua asserção citando extensamente a Sir William
Crooks ( p.281 ), onde parece demonstrar que as "mãos"
que costumavam apresentar-se em suas sessões eram vagas
e pouco precisas.
No entanto, é inquietante
pensar por que o Pe.Quevedo não transcreveu o parágrafo
seguinte do testemunho de Crooks, que é de sumo interesse
e importância para fudamentar ou rejeitar sua teoria. Diz
Crooks : " Ao toque, a mão às vezes parece
fria como o gelo e como morta; em outras ocasiões, sensível
e animada, e aperta minha mão com uma pressão firme,
da mesma forma como faria um velho amigo."
Não cremos que o Pe. Quevedo
tenha sido muito afortunado em omitir este parágrafo. Justamente
onde o próprio Crooks desmente as características
que González Quevedo arbritariamente atribui ao ectoplasma
! Mais estranho ainda é notar que nas biografias de Home,
tais como a de Burton ("Heyday of a Wizard") e a da
senhora Home ("D. D. Home: his life and His Mission"),
detalham-se observações parecidas com as de Crooks,
onde o suposto ectoplasma tomou formas precisas e definidas, inclusive
sensíveis ao toque. É difícil pensar porque
o Pe. Quevedo omite toda essa documentação, ainda
mais quando o faz seletivamente, como no caso de Crooks.
2. Em "A Face Oculta da Mente",
páginas 356-357, o Pe.Quevedo trata de desacreditar a hipótese
espírita ao atribuir a senhora Piper, uma das mais renomadas
médiuns mentais, a seguinte "confissão"
: "Não creio que os espíritos dos mortos falem
por intermédio de mim quando estou em estado de transe…
A telepatia me parece mais plausível e a mais justa solução
para o problema."
Essa citação é
importante para a tese de Quevedo, e assim ele diz: "Ela
mesma, como temos visto, auto-analisando-se, afirma que tudo quanto
percebe está na memória inconsciente de alguém."
A "confissão"
citada pelo Pe.Quevedo, para informação do leitor,
apareceu originalmente no periódico "New York Herald"
em 20 de outubro de 1901. É interessante notar que a própria
senhora Piper desmentiu parcialmente a entrevista para o dito
periódico. Isto o sabemos porque a senhora Piper declarou
cinco dias depois ao "The Boston Adviser" : "Eu
não fiz nenhuma declaração como a publicada
pelo New York Herald ao fato de que os mortos não me controlam...
Minha opinião é hoje a que tem sido nos últimos
dezoito anos. Pode ser que os espíritos tivessem me controlado,
ou pode ser que não tenham feito. Confesso que não
sei." Mas isso, o Padre Quevedo não quis colocar em
seu livro... Por que será ?
Ainda que haja indícios
de que a senhora Piper não simpatizasse muito com a hipótese
espírita, é um procedimento duvidoso ao máximo
apresentar ao leitor a "confissão" de Piper do
"New York Herald" sem advertir ao leitor da correção
desta "confissão" em "The Boston Adviser".
E ainda mais quando o Pe. Quevedo dá tanto peso a isto.
Distorções
:
1. O Pe.Quevedo trata de desacreditar
o caso da senhora Piper, médium mental, não só
omitindo-nos dados relevantes à sua avaliação,
como também desacreditando seus investigadores. Assim por
exemplo, nos diz de Lodge: "Lodge, que também fez
experimentos com Piper, reconheceu ( antes que o rude golpe não
superado da morte de seu filho lhe debilitasse o sentido crítico
e lhe fizesse inclinar-se ao espiritismo )..." (Veja "A
Face Oculta da Mente", pp.355-356.)
Vejamos quão certo é isso. Sir Oliver Lodge manteve
sessões com Piper desde 1889, e chegou a participar inclusive
das sessões mais bem controladas. O filho de Lodge, de
nome Raymond, morreu em 14 de setembro de 1915. No entanto, já
em um Proceedings da Society for Phychical Reserch ( parte 58,
p.284 ) de 1909, ou seja, seis anos antes da morte de
seu filho, Lodge declarou : "A antiga série
de sessões com Piper me convenceram da sobrevivência
após morte, por razões que me seriam difíceis
de formular, mas este foi seu efeito em mim." E, mais adiante,
diz: "A hipótese da sobrevivência da personalidade...
é a mais simples e a mais certa, e a única que se
encaixa com tudo o que ocorreu."
A distorção a que se dá ao luxo o Pe.Quevedo,
de querer fazer ver a Lodge como limitado criticamente pela morte
de seu filho é outra das muitas que se evidenciam, ao conhecer
as fontes originais.
2. Outro exemplo claro onde pegamos o Pe.Quevedo em flagrante
é em sua menção a uma sessão de Aksakoff
com Florence Cook ( tomo 2, pp70-71 ), onde Luxmoore e Aksakoff
amarram a médium de forma pouco usual. De fato, tão
extenso é o relato das amarras, que ocupam 110 palavras
do testemunho de Aksakoff. O Pe.Quevedo, no relato que cita, não
só omite todo o concernente às complicadas amarras
como também, além disso, em uma parte do relato
em que se faz indispensável conhecer sobre estas, corta
a oração sem nem sequer colocar as reticências.
Comparemos os relatos :
QUEVEDO: "Encontrei-me na
presença da médium sentada na poltrona, submersa
em um profundo transe."
AKSAKOFF: "Encontrei-me então
só e em presença da médium, que se encontrava
sentada em uma poltrona em um profundo transe, com as
mãos amarradas atrás de suas costas."
Omitindo parte desta oração,
e todo o relato anterior das amarras, Quevedo distorce o propósito
da sessão e fica fácil explicá-la a seu gosto.
Erros :
Erros de dados, datas, nomes,
etc., são numerosos. Ilustraremos com três exemplos.
1. Na página 11, tomo 2,
González Quevedo afirma que os componentes do Círculo
Minerva, (Clube Minerva, em Genebra ) onde vários homens
nobres da Ciência se reuniam e faziam experimentos com a
médium italiana Eusapia Palladino, eram todos "espirítas
declarados". Aqui há um grave erro, pois nem o cientista
Morselli nem o Professor Porro eram "espíritas".
De fato, Sir Lombroso em seu livro "After Death – What
?" ataca fortemente a Morselli por seu anti-espiritismo.
O Professor Porro, da Universidade de Gênova, em sua famosa
declaração, especificou claramente que não
aceitava a hipótese espírita. Outros dos que formaram
o Círculo Minerva, como Vassallo, se converteram ao espiritismo
após as sessões, não antes.
2. Na página 90, tomo 2,
Quevedo resume dizendo que Crooks abandonou a hipótese
espírita rapidamente em seus estudos. Aqui há um
erro, pois sabemos bem que Crooks morreu acreditando no Espiritismo
e acreditando que havia se comunicado com sua esposa. Veja o estudo
de Medhurst e Goldney, em que se demonstra isto através
de cartas.
CONCLUSÃO
O que diria sobre tudo isso, um
Parapsicólogo sério e que estime a ciência
? Primeiro, tem que esclarecer que o Pe. Quevedo só
está expressando sua opinião particular
ao dizer que "a Parapsicologia teórica" tem rechaçado
o Espiritismo. Como bem assinala Scott Rogo: "Atualmente
não há opiniões, reconhecidas em geral na
Parapsicologia, sobre a sobrevivência após a morte.",
ou seja, os parapsicólogos em geral, não opinam
quanto à possibilidade de sobrevivência, depois que
uma pessoa morre. ( Destaque nosso )
Segundo, sua insistência de que "Deus", "a
Virgem" e a "Ordem Sobrenatural", têm se
manifestado abertamente, e que isto está "cientificamente"
demonstrado, é mais uma asserção teológica
e apressada, que científica. Em nenhum de seus livros encontramos
nem sequer as razões mínimas para dar apoio a estas
informações tão categóricas. No entanto,
Ele diz que elas estão "provadas", e nada menos
que pela ciência ! O Padre Quevedo só não
diz qual ciência, quando, como, quais cientistas, etc. Talvez
Ele ache isso um detalhe sem importância. ( Destaque
nosso )
Da mesma forma, outras muitas conjecturas, as quais costumam passar
como "princípios" e "leis" sobre como
deve atuar o ectoplasma, os limites da percepção
extra-sensorial, etc, não nos parecem estar fundadas na
razão e em firme documentação.
A obra de Quevedo não é fácil de ser julgada.
Por um lado, seus conhecimentos sobre a história da Parapsicologia
parecem ser vastos e impressionantes. No entanto, há razões
mais que suficientes para concluir que Quevedo utiliza tal conhecimento
para justificar seus fortes preconceitos ideológicos e
teóricos, os quais evidentemente guardam certo
compromisso com determinadas doutrinas da Igreja Católica.
Portanto há, justificativa suficiente para rotular o Pe.Quevedo
não como parapsicólogo, mas sim como um autor proselitista
que deseja impulsionar de maneira desmedida sua ideologia católica.
Tratadistas como Gillispie (1958), Russel (1930) e White (1896)
enfatizaram que a história da ciência conta com inúmeros
exemplos de como uma ideologia religiosa implacável e apaixonada
( como a do Sr. Quevedo ) costuma ser incompatível com
o espírito cientifíco. Na ciência, as conclusões
costumam expôr-se como tentativa e sempre tendo em conta
a falibilidade que tanto Popper (1962) enfatizou. Para o Pe.Quevedo,
no entanto, a ordem do dia são as declarações
categóricas, a formulação de "leis"
arbitrárias e a impaciência e o desdém ante
autores e investigadores que defendem posturas diferentes. É
óbvio que seu proceder o separa do campo da Parapsicologia
científica.
Na verdade, o Padre Quevedo deveria ser intitulado como
um "Parapsicólogo Católico", pois estranhamente,
muitas das suas teorias parapsicológicas coincindem com
os Dogmas da sua Igreja. ( Destaque nosso )
Isto que assinalamos também tem sido notado por outros
autores. Por exemplo, Hess (1987) indicou recentemente que "
Oscar Gonzalez Quevedo reinterpretou a Parapsicologia dos Estados
Unidos e da Europa à luz da doutrina da Igreja Católica
... para obstaculizar as bases científicas do Espiritismo.
Além disso, Rueda (1991) em um artigo recente no Journal
of Parapsychology, faz o importante assinalamento de que Quevedo
"tem usado a Parapsicologia como uma arma ideológica
em uma briga para marcar sua perspectiva conceitual particular...
De fato, para atingir suas metas, o Pe.Quevedo tem distorcido
a Parapsicologia em seus livros, querendo, a maior parte do tempo,
acomodar dogmas católicos à sua conveniência"
(p.183).
Demonstramos, precisamente, as conseqüências nefastas
que os compromissos ideológicos têm sobre o intelecto
humano. O Pe.Quevedo, em seu entusiasmo por defender suas idéias
particulares, demonstra pouco cuidado no momento de citar os textos,
acomoda as citações à sua conveniência
e, sobretudo, seu estilo e a maneira de apresentar casos e evidências
o distanciam consideralvelmente de qualquer pessoa que de algum
modo estime a Parapsicologia como uma disciplina científica.