Paulo
da Silva Neto Sobrinho
> Mediunidade de Incorporação
"Os fatos, eis o verdadeiro critério
dos nossos juízos, o argumento sem réplica.
Na ausência dos fatos, a dúvida se justifica no homem ponderado."
KARDEC
Em nossas leituras, às
vezes, encontrávamos referências à mediunidade
de incorporação, causando-nos curiosidade para
saber de onde essa designação surgiu, já
que, em momento algum, a vimos mencionada nas obras da Codificação
Espírita, publicadas por Kardec.
Mas, afinal, do que se trata? Vejamos essa explicação
dada pelos companheiros da SEF – Sociedade Espírita
Fraternidade (Niterói, RJ):
Incorporação
Mediúnica:
É a forma de mediunidade que se caracteriza
pela transmissão falada das mensagens dos Espíritos.
É, em nossos dias, a faculdade mais encontrada na prática
mediúnica. Pode-se dizer que é uma das mais
úteis, pois, além de oferecer a oportunidade
de diálogo com os Espíritos comunicantes, ainda
permite a doutrinação e consolação
dos Espíritos pouco esclarecidos sobre as verdades
espirituais.
[…].
A incorporação é também
denominada psicofonia, sendo esta denominação
preferida por alguns porque acham que incorporação
poderia dar a ideia do Espírito comunicante penetrando
o corpo do médium, fato que sabemos não ocorrer.
(Fonte: http://www.mkow.com.br/, grifo
nosso).
Percebemos que se coloca a incorporação
como sinônimo de psicofonia, quando não se considera
a possibilidade de haver uma utilização do corpo
do médium pelo espírito comunicante, ou seja,
uma posse física temporária.
Infelizmente temos visto muitos estudiosos espíritas
defenderem, e alguns até arduamente, para não
dizer asperamente, que não há mesmo posse física.
É certo que, em O Livro dos Espíritos
(questões 473 e 474) e em O Livro dos Médiuns
(Capítulo XXIII – Da Obsessão) Kardec negou
peremptoriamente essa possibilidade, isso todos nós o
sabemos; entretanto, o que pouquíssimos têm conhecimento
é que o Codificador mudou de posição, conforme
se vê na Revista Espírita
1863, mês dezembro, ao relatar "Um caso de Possessão
- Senhorita Julie", sobre o qual disse:
Dissemos que não havia
possessos no sentido vulgar da palavra, mas subjugados; retornamos
sobre esta afirmação muito absoluta, porque
nos está demonstrado agora que pode ali haver possessão
verdadeira, quer dizer, substituição, parcial
no entanto, de um Espírito errante ao Espírito
encarnado. Eis um primeiro fato que é
a prova disto, e que apresenta o fenômeno em
toda a sua simplicidade.
(KARDEC, 2000b, p. 373, grifo nosso).
Só que, em vez de retomar a essas duas obras e corrigi-las,
conforme essa sua nova visão, de forma que nas edições
seguintes delas o tema estaria de acordo com sua última
posição, seguiu adiante e a registrou em A
Gênese, quando, no Capítulo XIV –
Os fluídos, volta a falar das obsessões. Como
a grande maioria dos espíritas não lê as
Revistas Espíritas e, muito
menos, A Gênese, não
se dá conta dessa mudança que ocorreu.
É importante registrar que os seguintes estudiosos concordam
com a incorporação, que nada mais é que
uma possessão física, bem no sentido literal do
termo e de acordo com a nova interpretação de
Kardec: Léon Denis (1846-1927), Frederic Myers (1843-1901),
Gabriel Delanne (1857-1926), Gustave Geley (1868-1914), Cairbar
Schutel (1868-1938) e Dr. Hernani Guimarães Andrade (1913-2003).
Tudo isso está demonstrado em nosso texto "Possessão
e incorporação – espíritos possuindo
fisicamente os encarnados", disponível em nosso
site: www.paulosnetos.net,
na Categoria "Ebook", ao qual recomendamos a leitura,
algumas coisas, lá mencionadas, citaremos aqui neste
estudo.
Na obra O Livro dos Médiuns,
no Capítulo XIV – Os Médiuns, item
166, Kardec designa os médiuns que transmitem verbalmente
as mensagens dos espíritos de médiuns falantes:
Os médiuns audientes,
que apenas transmitem o que ouvem, não são propriamente
médiuns falantes. Estes, na maioria das vezes, não
ouvem nada. Ao servir-se deles, os Espíritos
agem sobre os órgãos vocais, como agem
sobre as mãos nos médiuns escreventes. O Espírito
se serve para a comunicação dos órgãos
mais flexíveis que encontra no médium. De um
empresta as mãos, de outro, as cordas vocais e de um
terceiro os ouvidos. O médium falante em geral
se exprime sem ter consciência do que diz e
quase sempre tratando de assuntos estranhos às suas
preocupações habituais, fora de seus conhecimentos
e mesmo do alcance de sua inteligência (9).
Embora esteja perfeitamente desperto e em condições
normais raramente se lembra do que disse. Numa palavra, a
voz do médium é apenas um instrumento de que
o Espírito se serve e com o qual outra pessoa pode
conversar com este, como o faz no caso de médium audiente.
Mas nem sempre a passividade do médium falante é
assim completa. Há os que têm intuição
do que estão dizendo, no momento em que pronunciam
as palavras. Voltaremos a tratar desta variedade quando nos
referirmos aos médiuns intuitivos (10).
______
(9) Além dessas provas
da independência do Espírito comunicante, assinaladas
por Kardec, devemos lembrar que numerosos casos da bibliografia
mediúnica e das experiências contidas com a mediunidade
nos mostram que o Espírito pode tratar, através
do médium, de assuntos a que este se furta e muitas
vezes acusando-o e chamando-lhe a atenção. (N.
Do T.)
(10) Os médiuns falantes, chamados entre nós
médiuns de incorporação,
dividem-se assim duas classes bem conhecidas: médiuns
conscientes e médiuns inconscientes. Aos conscientes
é que Kardec dava, acertadamente, a designação
de intuitivos. Aliás, essa divisão
existe em todas as modalidades mediúnicas. (N. do T.)
(KARDEC, 2006, p. 144, grifo nosso).
Somente no Capítulo XXXII –
Vocabulário Espírita é que Kardec menciona
o termo psicofonia, definindo-o: "Comunicação
dos Espíritos pela voz de um médium falante."
(KARDEC, 2006, p. 351).
Segundo o que conseguimos levantar, a primeira pessoa a mencionar
"médium de incorporação" foi
Miguel Vives y Vives (1842-1906), na obra O Tesouro
dos Espíritas, publicada em Barcelona,
Espanha, no ano de 1872. Léon Denis (1846-1927) em No
invisível (publicada em 1901) e Gabriel
Delanne (1857-1926) em A Reencarnação
(publicada em 1924), são dois estudiosos dos fenômenos
espíritas que também mencionam.
As expressões "mediunidade de incorporação",
"médium de incorporação" e isoladamente
o termo "incorporação" são inúmeras
vezes citados nas obras de André Luiz, via psicografia
de Francisco Cândido Xavier (1910-2002): Os mensageiros,
Missionários da luz, Libertação, Nos domínios
da mediunidade, Mecanismos da mediunidade, Sexo e destino e
Desobsessão. São também as utilizadas
na Umbanda para designar a especificação mediúnica
e todos os médiuns pelos quais se manifestam os espíritos.
Transcreveremos de algumas dessas obras citadas trechos visando
dar uma ideia de como é explicado o fenômeno.
1) Missionários
da Luz, capítulo 16, Incorporação:
Enquanto Alexandre ouvia
em silêncio, o simpático colaborador prosseguiu,
depois de ligeira pausa:
– Estimaríamos receber a devida autorização
para trazê-lo… Poderia incorporar-se
na organização mediúnica de
nossa irmã Otávia e fazer-se ouvir,
de algum modo, diante dos amigos e familiares…
[…].
– Ouça, porém, meu amigo! – tornou
Alexandre, sereno e enérgico – é indispensável
que você medite sobre o acontecimento. Lembre-se
de que você vai utilizar um aparelho neuro-muscular
que lhe não pertence. Nossa amiga Otávia
servirá de intermediária. No entanto, você
não deve desconhecer as dificuldades de um médium
para satisfazer a particularidades técnicas de identificação
dos comunicantes, diante das exigências de nossos
irmãos encarnados. Compreende bem?
[…].
Terminada a oração e levado a efeito o equilíbrio
vibratório do ambiente, com a cooperação
de numerosos servidores de nosso plano, Otávia
foi cuidadosamente afastada do veículo físico,
em sentido parcial, aproximando-se Dionísio, que
também parcialmente começou a utilizar-se
das possibilidades dela. Otávia mantinha-se a reduzida
distância, mas com poderes para retomar o
corpo a qualquer momento num impulso próprio, guardando
relativa consciência do que estava ocorrendo, enquanto
que Dionísio conseguia falar, de si mesmo, mobilizando,
no entanto, potências que lhe não pertenciam
e que deveria usar, cuidadosamente, sob o controle direto
da proprietária legítima e com a
vigilância afetuosa de amigos e benfeitores, que lhe
fiscalizavam a expressão com o olhar, de modo a mantê-lo
em boa posição de equilíbrio emotivo.
Reconheci que o processo de incorporação
comum era mais ou menos idêntico ao da enxertia da
árvore frutífera. A planta estranha
revela suas características e oferece seus frutos
particulares, mas a árvore enxertada não perde
sua personalidade e prossegue operando em sua vitalidade
própria. Ali também, Dionísio
era um elemento que aderia às faculdades de Otávia,
utilizando-as na produção de valores espirituais
que lhe eram característicos, mas naturalmente
subordinado à médium, sem cujo crescimento
mental, fortaleza e receptividade, não poderia o
comunicante revelar os caracteres de si mesmo, perante os
assistentes. Por isso mesmo, logicamente, não era
possível isolar, por completo, a influenciação
de Otávia, vigilante. A casa física era seu
templo, que urgia defender contra qualquer expressão
desequilibrante, e nenhum de nós, os desencarnados
presentes, tinha o direito de exigir-lhe maior afastamento,
porquanto lhe competia guardar as suas potências fisiológicas
e preservá-las contra o mal, perto de nós
outros, ou à distância de nossa assistência
afetiva.
(XAVIER, 1986, p. 260-277 –
passim, grifo nosso).
Daí a minutos, providenciava-se a incorporação
de Marinho, que tomou a intermediária sob forte excitação.
Otávia, provisoriamente desligada dos veículos
físicos, mantinha-se agora algo confusa,
em vista de encontrar-se envolvida em fluidos desequilibrados,
não mostrando a mesma lucidez que lhe observáramos
anteriormente; todavia, a assistência que recebia
dos amigos de nosso plano era muito maior.
(XAVIER, 1986, p. 291, grifo nosso).
2) Nos domínios da mediunidade,
vários capítulos:
Quando empresta
o veículo a entidades dementes ou sofredoras,
reclama-nos cautela, porquanto quase sempre deixa
o corpo à mercê dos comunicantes,
quando lhe compete o dever de ajudar-nos na contenção
deles, a fim de que o nosso tentame de fraternidade não
lhe traga prejuízo à organização
física. (falando do médium Antônio Carlos).
"… Entretanto, adaptando-se ao organismo
da mulher amada que passou a obsidiar, nela
encontrou novo instrumento de sensação, vendo
por seus olhos, ouvindo por seus ouvidos, muitas vezes falando
por sua boca e vitalizando-se com os alimentos comuns por
ela utilizados. Nessa simbiose vivem ambos, há
quase cinco anos sucessivos, contudo, agora, a moça
subnutrida e perturbada acusa desequilíbrios orgânicos
de vulto".
"Notamos que Eugênia-alma afastou-se
do corpo, mantendo-se junto dele, à distância
de alguns centímetros, enquanto que, amparado pelos
amigos que o assistiam, o visitante sentava-se
rente, inclinado-se sobre o equipamento mediúnico
ao qual se justapunha, à maneira de alguém
a debruçar-se numa janela".
Observei que leves fios brilhantes ligavam a fronte de Eugênia,
desligada do veículo físico, ao cérebro
da entidade comunicante.
[…] mas Eugênia comanda, firme, as rédeas
da própria vontade, agindo qual se fosse enfermeira
concordando com os caprichos de um doente, no objetivo de
auxiliá-lo. Esse capricho, porém, deve ser
limitado, porque, consciente de todas as intenções
do companheiro infortunado a quem empresta o seu
carro físico, nossa amiga reserva-se o direito
de corrigi-lo em qualquer inconveniência.
"[…] nesses trabalhos, o médium
nunca se mantém a longa distância do corpo…"
Se preciso, a nossa amiga poderá retomar
o próprio corpo num átimo. Acham-se
ambos num consórcio momentâneo, em que o
comunicante é a ação, mas
no qual a médium personifica a vontade…
A médium desvencilhou-se do corpo físico,
como alguém que se entrega a sono profundo, e conduziu
a aura brilhante de que coroava.
A nobre senhora fitou o desesperado visitante com manifesta
simpatia e abriu-lhe os braços, auxiliando-o
a senhorear o veículo físico, então
em sombra.
Qual se fora atraído por vigoroso ímã,
o sofredor arrojou-se sobre a organização
física da médium, colando-se a ela, instintivamente.
A mediunidade falante em Celina era diversa?
– Celina – explicou, bondoso – é
sonâmbula perfeita. A psicofonia, em seu caso,
se processa sem necessidade de ligação da
corrente nervosa do cérebro mediúnico à
mente do hóspede que o ocupa. A espontaneidade
dela é tamanha na cessão de seus recursos
às entidades necessitadas de socorro e carinho, que
não tem qualquer dificuldade para desligar-se
de maneira automática do campo sensório, perdendo
provisoriamente o contacto com os centros motores da vida
cerebral. Sua posição medianímica
é de extrema passividade. Por isso mesmo, revela-se
o comunicante mais seguro de si, na exteriorização
da própria personalidade. Isso, porém, não
indica que a nossa irmã deva estar ausente ou irresponsável.
Junto do corpo que lhe pertence, age na condição
de mãe generosa, auxiliando o sofredor que por ela
se exprime qual se fora frágil protegido de sua bondade…
É por essa razão que o hóspede experimenta
com rigor o domínio afetuoso da missionária
que lhe dispensa amparo assistencial.
[…] A psicofonia inconsciente, naqueles que
não possuem méritos morais suficientes à
própria defesa, pode levar à possessão,
sempre nociva, e que, por isso, apenas se evidencia integral
nos obsessos que se renderam às forças vampirizantes.
Fitando o companheiro encarnado mais detidamente, concluí
que o ataque epiléptico, com toda
a sua sintomatologia clássica, surgia claramente
reconhecível.
Reconhecíamos no moço incapacidade
de qualquer domínio sobre si mesmo.
Acariciando-lhe a fronte suarenta, Áulus, informou,
compadecido:
– É a possessão completa ou
a epilepsia essencial.
– Nosso amigo está inconsciente? – aventurou
Hilário, entre a curiosidade e o respeito.
– Sim, considerado como enfermo terrestre,
está no momento sem recursos de ligação
com o cérebro carnal. Todas as suas células
do córtex sofrem o bombardeio de emissões
magnéticas de natureza tóxica. Os centros
motores estão desorganizados. Todo o cerebelo está
empastado de fluidos deletérios. As vias do equilíbrio
aparecem completamente perturbadas. Pedro temporariamente
não dispõe de controle para governar-se, nem
de memória comum para marcar a inquietante ocorrência
de que é protagonista. Isso, porém,
acontece no setor da forma de matéria densa, porque,
em espírito, está arquivando todas
as particularidades da situação em que se
encontra, de modo a enriquecer o patrimônio
das próprias experiências.
(XAVIER, 1987, p 29-80 – passim,
grifo nosso).
Pelo que
entendemos, de todas essas transcrições, para
André Luiz a incorporação é fato
concreto, relacionando-a diretamente à psicofonia. Essa
generalização parece-nos um pouco além
do que estamos acostumados a ver na prática.
A incorporação é um fenômeno que
acontece com alguns tipos de médiuns, tais como os psicofônicos,
psicográficos, desenhistas (pictografia), cantores, instrumentistas,
etc; porém, nem a todos os seus possuidores, visto haver
especificidade no grau de sintonia ou na forma de manifestação,
gerando os médiuns conscientes, semiconsciente e inconscientes,
dentro da classificação que nos informou, mais
acima na nota 10, José Herculano Pires (1914-1979).
Léon Denis (1846-1927) em seu livro
No invisível, Cap. XIX –
Transe e incorporações, faz uma análise
interessante, que demonstra tanto a possibilidade da comunicação
ser via mental ou por incorporação, conforme veremos,
depois; antes, vejamos como o capítulo inicia:
O estado de transe
é esse grau de sono magnético que permite ao
corpo fluídico exteriorizar-se, desprender-se do corpo
carnal, e à alma tornar a viver por um instante sua
vida livre e independente. A separação,
todavia, nunca é completa; a separação
absoluta seria a morte. Um laço invisível continua
a prender a alma ao seu invólucro terrestre. Semelhante
ao fio telefônico que assegura a transmissão
entre dois pontos, esse laço fluídico permite
à alma desprendida transmitir suas impressões
pelos órgãos do corpo adormecido. No
transe, o médium fala, move-se, escreve automaticamente;
desses atos, porém, nenhuma lembrança conserva
ao despertar.
(DENIS, 1987, p. 249, grifo nosso).
Esclarecendo que "no transe o médium fala, move-se
e escreve automaticamente" o médium age inconscientemente,
parece-nos que, diante disso, Léon Denis reconhece que
a incorporação é uma particularidade mediúnica
e não um tipo de mediunidade. E vemos, também
aqui, uma correspondência direta entre incorporação
e inconsciência do médium, em relação
aos fatos ocorridos durante o transe.
Um pouco mais à frente lemos:
Indagam certos experimentadores:
o Espírito do manifestante se incorpora efetivamente
no organismo do médium? ou opera ele antes, a distância,
pela sugestão mental e pela transmissão de pensamento,
como o pode fazer um espírito exteriorizado do sensitivo?
Um exame atento dos fatos nos leva a crer que essas
duas explicações são igualmente admissíveis,
conforme os casos. As citações que
acabamos de fazer provam que a incorporação
pode ser real e completa. É mesmo algumas
vezes inconsciente, quando, por exemplo, certos Espíritos
pouco adiantados são conduzidos por uma vontade superior
ao corpo de um médium e postos em comunicação
conosco, a fim de serem esclarecidos sobre sua verdadeira
situação. Esses Espíritos, perturbados
pela morte, acreditam ainda, muito tempo depois, pertencerem
à vida terrestre. […] É difícil
às vezes fazer-lhes compreender que abandonaram a vida
carnal e sua estupefação atinge o cômico,
quando, convidados a comparar o organismo que momentaneamente
animam com o que possuíam na Terra, são obrigados
a reconhecer o seu engano. Não se poderia duvidar,
em tal caso, na incorporação completa do Espírito.
Noutras circunstâncias, a teoria da transmissão
à distância parece melhor explicar os fatos.
As impressões oriundas de fora são
mais ou menos fielmente percebidas e transmitidas pelos órgãos.
Ao lado de provas de identidade, que nenhuma hesitação
permitem sobre a autenticidade do fenômeno e intervenção
dos Espíritos, verificam-se, na linguagem do sensitivo
em transe, expressões, construções de
frases, um modo de pronunciar que lhe são habituais.
O Espírito parece projetar o pensamento no
cérebro do médium, onde adquire, de
passagem, formas de linguagem familiares a este. A transmissão
se efetua, em tal caso, no limite dos conhecimentos e aptidões
do sensitivo, em termos vulgares ou escolhidos, conforme o
seu grau de instrução. Daí também
certas incoerências que se devem atribuir à imperfeição
do instrumento.
Ao despertar, o Espírito do médium perde toda
consciência das impressões recebidas no sentido
de liberdade, do mesmo modo que não guardará
o menor conhecimento do papel que seu corpo tenha desempenhado
durante o transe. Os sentidos psíquicos, de que por
um momento havia readquirido a posse, se extinguem de novo;
a matéria estende o seu manto; a noite se produz; toda
recordação se desvanece. O médium desperta
num estado de perturbação, que lentamente se
dissipa.
(DENIS, 1987, p. 252-254, grifo nosso).
Léon Denis mesmo admitindo,
como se vê, a possibilidade da real posse física
em alguns casos e em outros a transmissão de pensamento,
trata, ao longo de suas obras, genericamente, todos os médiuns
como "de incorporação", apesar dele
ter demonstrado serem situações distintas uma
da outra. Possivelmente, tenha sido ele a base para, no meio
espírita, se espalhar o conceito de médium de
incorporação aos que são de psicofonia
ou falantes.
Por outro lado, essas duas possibilidades mencionadas por Denis,
vêm justamente corroborar a questão da classificação
dos médiuns em conscientes, semiconsciente e inconsciente.
Para nós, no inconsciente é justamente onde ocorre
a incorporação mediúnica.
O Livro dos Médiuns foi publicado
em janeiro de 1861; como bem sabemos, antecedeu-lhe a obra Instruções
Práticas Sobre a Manifestações Espíritas,
cuja data de publicação provável seja o
mês de julho de 1858; é, por conseguinte, a segunda
obra espírita publicada por Kardec. Dela transcrevemos
esse pequeno trecho do Capítulo VI – Papel
e Influência do Médium nas Manifestações:
[…]
Notamos aqui coisa importante de ser registrada, que o
Espírito estranho não se substitui à
alma, pois não pode desalojá-la: ele
a controla à revelia dela, imprime-lhe sua vontade.
Quando dizemos à revelia dela, queremos falar da alma
atuando exteriormente pelos órgãos do corpo.
Entretanto a alma, como Espírito, mesmo encarnado pode,
perfeitamente, ter consciência da ação
exercida sobre ela por um Espírito estranho. O papel
da alma, nessa circunstância, é, algumas vezes,
inteiramente passivo e então o médium,
se é de incorporação, não tem
nenhuma consciência do que escreve ou diz.
Ocasionalmente, entretanto, a passividade não é
absoluta; então ele tem uma consciência mais
ou menos vaga, embora a mão seja arrastada por um movimento
maquinal, ao qual a vontade permanece alheia.
(KARDEC, s/d, p. 138-138, grifo
nosso).
Kardec, nessa época, ainda não admitia a posse
física; é fato o que aqui informamos. O nosso
amigo Astolfo Olegário de O. Filho (1944- ) nos alertou,
por e-mail, que pelo, fato de Kardec nunca ter se utilizado
do termo incorporação, poderia haver algum problema
na tradução. Fomos conferir, e descobrimos que
o trecho "se é de incorporação"
reflete apenas a opinião pessoal do tradutor Cairbar
Schutel (1868-1928), o que se pode facilmente confirmar comparando-se
a versão francesa e também com a tradução
de Júlio Abreu Filho (1893-1971).
Então o fato dele, Cairbar Schutel, ter feito isso significa
que entende "médium de incorporação"
como uma aptidão peculiar aos médiuns que escrevem
(psicografia) e os que falam (psicofonia); não se trata,
portanto, de um tipo de mediunidade, mas, sim, de um atributo
pessoal do médium comunicante.
A impressão que temos, ao relacioná-los com o
fato de não terem nenhuma consciência, é
que Cairbar Schutel está justamente indo ao encontro
do que hoje pensamos, ou seja, que os médiuns tidos inconscientes
o são justamente pelo motivo de seu corpo ser utilizado
por um Espírito estranho; portanto, nada do que ele transmite
passa pelo cérebro físico do médium; daí
a razão deste agir inconscientemente.
Concluímos que, ao se utilizar o termo incorporação,
para designar o fenômeno da psicofonia, se comete um equívoco,
pois estar-se-ia enquadrando, como mais uma mediunidade específica,
algo que ocorre indistintamente, em diferentes tipos de mediunidade,
como as que mencionamos nesse estudo.
Como se vê, a incorporação é uma
peculiaridade comum a vários tipos de fenômenos
mediúnicos, provavelmente uma especificidade do próprio
médium; portanto, um fenômeno comum a vários
tipos de mediunidade, estaria sendo utilizado para designar
somente um deles. Nesse caso, como ficamos frente ao que Kardec
disse: "Os fatos, eis o verdadeiro critério
dos nossos juízos, o argumento sem réplica. Na
ausência dos fatos, a dúvida se justifica no homem
ponderado."? (KARDEC,
2007a, p. 35). Essa é a indagação
que fazemos...
Paulo
da Silva Neto Sobrinho
mar/2015
Referências bibliográficas:
DENIS, L. No invisível. Rio de Janeiro: FEB, 1987.
KARDEC, A. A Gênese. Rio de Janeiro: FEB, 2007e.
KARDEC, A. Instruction pratique sur les manifestations spirites. Paris,
FR: E. Dentu, Libraire e Ledoyen, Libraire, 1858, versão PDF
Books Google, disponível em http://books.google.com
KARDEC, A. Instruções Práticas Sobre as Manifestações
Espíritas. 6ª Edição, Matão, SP: O
Clarim, s/d.
KARDEC, A. Instruções Práticas Sobre as Manifestações
Espíritas. São Paulo: Pensamento, 1995.
KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. Rio de Janeiro: FEB, 2007a.
KARDEC, A. O Livro dos Médiuns. Rio de Janeiro: FEB, 2007b.
KARDEC, A. O Livro dos Médiuns. São Paulo: LAKE, 2006.
KARDEC, A. Revista Espírita 1863, Araras – SP: IDE, 2000b.
NETO SOBRINHO, P. S. Possessão e incorporação,
espíritos possuindo fisicamente encarnados. Disponível
em: http://www.paulosnetos.net/index.php/viewdownload/10-ebook/543-possessao-e-incorporacao-espiritos-possuindo-fisicamente-os-encarnados.
XAVIER, F. C. Missionários da Luz. Rio de Janeiro: FEB, 1986.
XAVIER, F. C. Nos Domínios da Mediunidade, Rio de Janeiro: FEB,
1987.
VIVES, M. V. O Tesouro dos Espíritas. Internet: Site Autores
Espíritas Classicos, 2009.
SEF – Sociedade Espírita Fraternidade, Mecanismos da mediunidade,
disponível em: http://www.mkow.com.br/apostilas/unid49.htm,
acesso em 05/03/2015, às 08:57hs.
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Júlia)
http://www.aeradoespirito.net/RevistaEspHTML/UM_CASO_POSSESSAO.html
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http://www.aeradoespirito.net/RevistaEspHTML/ESTRANHA_VIOL_DE_SEP.html
Possessão: há a posse física do encarnado?
http://www.aeradoespirito.net/ArtigosPN/POSSESSAO_HA_POSSE_FISICA_DO_PN.html
Incorporação por Espíritos
http://www.aeradoespirito.net/ArtigosPN/INCORPORACAO_POR_ESPIRITOS_PN.html
Fonte:
http://www.aeradoespirito.net/ArtigosPN/MEDIUNIDADE_DE_INCORPORACAO_PN.html
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Esquecimento do passado não é apertar a tecla delete
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Evocar os espíritos: Moisés ou Kardec?
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Os excluídos
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Evolucionismo e Criacionismo
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Os fatos provam a reencarnação
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Flávio Josefo cita Jesus?
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A flexibilidade mediúnica permite ao médium sintonizar-se
com todos os Espíritos?
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Fora da caridade não há salvação, a autoria
e o significado
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Freud no divã
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A Gravidez de Espíritos
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Há dogmas no Espiritismo?
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Homossexualidade na Visão Espírita
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Imortalidade da Alma e a Bíblia
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Imposição das mãos (o passe)
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Incorporação por Espíritos
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Inferno ou Purgatório?
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Influência dos Espíritos em nossas vidas
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Inspiração dos textos bíblicos
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Irresponsável discriminação contra os homossexuais
(A)
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Isso não tem base doutrinária
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Jan Huss renasceu como D. H. L. Rivail
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Jesus é o Espírito de Verdade
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Jesus ficava calado?
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Jesus na sessão espírita do Tabor
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Jesus não é o Espírito da Verdade
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Jesus pode ser considerado Deus?
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Jesus teve ou não Irmãos?
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Jesus veio cumprir a lei?
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João Batista é mesmo o Elias?
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Josefo, os fariseus e a reencarnação
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Kardec e a divergência na forma de escrever o seu nome civil
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Kardec não antecipou Darwin
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Kardec reencarnou-se como Chico?
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Léon Denis e Henri Sausse e as mensagens póstumas de Allan
Kardec
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O Livro dos Espíritos e as três mudanças de posicionamento
da 1ª para a 2ª edição
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Manifestação de Espírito no Congresso Nacional
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Manifestação de Espírito de pessoa viva: é
possível em estado de vigília?
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Mar Vermelho na “Arqueologia” de Ron Wyatt
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Mas os mortos não estão proibidos de evocar os vivos
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Materializações de Allan Kardec e de Chico Xavier
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O Mau-Olhado na Ótica Espírita
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Mediunidade de Incorporação
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Mediunidade no tempo de Jesus
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Mediunidade - percepção da Psique humana : proposição
de um novo conceito para a mediunidade
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A Memória Genética não explica a reencarnação
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Os milagres existem?
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Moisés – primeiro inquisidor
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Os mortos estariam dormindo?
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A mulher na Bíblia
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Nada é definitivo nas obras básicas
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Nascer, crescer, morrer, renascer ainda e progredir sempre, tal é
a lei > frase atribuída a Allan Kardec
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Neurocirurgião muda de opinião após vivenciar uma
EQM
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Os nomes dos títulos dos Evangelhos designam seus autores?
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Nos animais doentes poder-se-ia aplicar passe magnético?
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Obsessão, processo de cura de casos graves
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Para entender o Espiritismo - Resposta ao “parapsicatólico”
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O Papel dos Médiuns na Comunicação
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Pedro, tu és Papa?
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A pena de talião no Espiritismo
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Perdão, punição, redenção, crença
ou reencarnação?
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O perispírito e as polêmicas a seu respeito
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O perispírito não é fluido vital
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Pluralidade dos mundos habitados
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Possessão: há a posse física do encarnado?
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Preexistência do Espírito
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A profecia sobre a volta de Elias se realizou?
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As provas da sobrevivência do espírito
> Quais são as Obras Básicas?
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Qual a primeira obra espírita que deve ser lida?
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Os quatro Evangelhos de Roustaing
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Quem era o discípulo a quem Jesus amava?
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A Questão do Bom ladrão
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Racismo em Kardec?
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A reclamação de um defunto
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Reencarnação - Bibliografia
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Reencarnação, a prova definitiva
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Reencarnação e as pesquisas científicas
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Reencarnação e a evolução humana
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Reencarnação e o inconsciente coletivo
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A Reencarnação é um dogma dos espíritas?
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Reencarnação no Concílio de Constantinopla - (Orígenes
x Império Bizantino)
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Reencarnação no contexto histórico
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Reencarnação no Evangelho, A
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Reencarnação no Pentateuco
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Reencarnação x ressurreição física
e penas eternas
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Relendo a Bíblia, revendo a teologia
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Religião Espírita: é o que, de fato, é o Espiritismo
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Ressurreição da Carne?
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Ressurreição, o significado bíblico
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Ressurreição ou Reencarnação?
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Reunião de doutrinação (esclarecimento) de espíritos
foi recomendada na codificação?
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Reuniões mediúnicas de desobsessão (doutrinação
ou esclarecimento de Espíritos)
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Satanás – ser ou não ser, eis a questão
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Segredos da supermemória
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Será que os profetas previram a vinda de Jesus?
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Será que Saul conversou com Samuel-espírito?
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Os seres do invisível e as provas ainda recusadas pelos cientistas
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Sinal combinado para confirmar contato com os mortos
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Só a reencarnação para explicar
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Somente Espíritos Superiores trazem-nos novas instruções?
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Sudário: relíquia verdadeira ou falsificação
medieval
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Teodora e as 500 prostitutas
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Terrorismo Religioso
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Tiptologia, a prova de uma ação mental exterior ao médium
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Todos nós somos médiuns
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Torre de Babel: o carro na frente dos bois
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Tradutor, traidor
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Trindade - o “mistério” criado por um leigo, anuído
pelos teólogos
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Umbral, há base doutrinária para sustentá-lo
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A vida do espírito é só no corpo físico?
Leiam também de Paulo da Silva Neto Sobrinho,
em co-autoria
Silva Neto Sobrinho, Paulo da & Silva, Vladimir
Vitoriano da
> Deuteronômio
– lei divina ou mosaica?
Visitem o site de Paulo da Silva Neto Sobrinho
>>> http://www.paulosnetos.net
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