Uma expressão muito usada
por aqui, nas terras mineiras, é o vamos, sempre seguido
de interrogação. Na linguagem oral, se usa também
o “vamo” e o “vão”. É uma
expressão muito poderosa por aqui.
As casas espíritas anunciam
suas tarefas em público, coletivamente, mas via de regra,
a maioria das pessoas ouve como se fosse algo estranho a elas, ou
algo chato, como a hora do intervalo comercial da televisão
aberta. Talvez uma ou duas pessoas, em um grupão de cem,
preste atenção no recado e pense, no recesso de sua
alma: será que eu vou?
Lembro-me quando era muito jovem,
lá pelos 13 anos, e assistia as reuniões de mocidade
no Célia Xavier. Muitos de nossos colegas e eu chegamos ao
Célia Xavier a partir de um convite de amigo ou familiar.
Vamos? Disseram um dia.
Estava no meio do grupo, quando
convidaram para o que se chamava de encontro fraterno. Por aqui,
é uma leitura de texto espírita com comentários,
seguida de um momento de descontração, com música,
"comes e bebes", etc. Eu ouvi o recado como se não
fosse direcionado a mim. Depois de terminada a reunião, a
coordenadora (Thelma Rodrigues) veio conversar diretamente comigo,
e me deu um “vamos”:
- "Quero vê-lo lá
amanhã!" Só depois dele, eu me enchi de coragem
para pedir ao meu pai para ir. Tempos curiosos estes...
Quando fazia o trabalho de tese,
onde estudei os voluntários de uma das unidades de nossa
casa espírita, uma das perguntas que direcionava parcialmente
a entrevista era que contassem como se tornaram voluntários.
Sete dos oito voluntários foram mobilizados pelo canto sonoro
do “vamos”. Apenas um deles ouviu um recado dado a toda
gente (e a ninguém em especial) e foi procurar alguém
para oferecer-se.
Em visita à Mansão
do Caminho, vi voluntários fazendo as tarefas mais diferentes
possíveis, e alguns deles me explicaram que ouviram o “vamos”
(não sei como é esta expressão na Bahia) diretamente
de Divaldo Franco. Alguns estavam aposentados e mudaram de cidade
e domicílio para atender ao convite.
Lembro-me de um episódio envolvendo Eduardo Carvalho Monteiro,
que sabendo de uma pessoa que passou a frequentar o grupo, disse
ao amigo.
– Está na hora de lhe
fazer um convite! Ou então:
- Esta pessoa merece receber um
convite para o trabalho.
Quando vejo dirigentes de reunião,
que fazem bem o papel de “figurão [1]”,
mas nunca usam a profunda força do “vamos”, penso
que corremos o risco de igrejificar as casas espíritas, de
ter multidões achando muito lindas as reuniões e muito
tranquilizantes os passes, mas que lá estão presentes
da mesma forma que estariam em um programa, um cinema, uma festividade
ou uma obrigação social. Não pretendem se imiscuir,
fazer parte, tornar-se membro, apenas estar presente e usufruir.
O “vamos” demanda de
quem usa, a capacidade íntima de ouvir a negativa, o “não
posso”, o “não agora”, o bem mineiro “de
jeito nenhum”, e outras formas equivalentes.
O “vamos”, se
pensarmos bem, dividiu o calendário ocidental. Foi empregado
por Jesus diversas vezes, como no momento após a pesca no
Tiberíades, quando ele convidou Pedro a ser “pescador
de homens”. Era um “vamos” radical, que exigiu
uma mudança profunda, afetando a profissão, a família,
o futuro... Ele também foi usado pelo Mestre com o “jovem
rico” [2],
que, infelizmente, tinha muitas propriedades...
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[1] Figurão, é um termo empregado
por teóricos do comportamento organizacional, que tem por
sentido principal representar a organização. Um dirigente
pode desempenhar bem esta função, vestindo-se adequadamente,
falando bem, agindo segundo as normas de conduta do grupo, mas não
se torna um líder apenas com o desempenho deste tipo de função.
[2] Disse-lhe Jesus: Se queres ser perfeito, vai,
vende tudo o que tens e dá-o aos pobres, e terás um
tesouro no céu; e vem, e segue-me. (Mateus, 19:21)