
Judeus trabalhando na vinha
Jesus falava às massas e utilizava
um recurso curioso para que seus ensinos e histórias permanecessem
nas mentes dos que o assistiam. Ele escolhia narrativas de conclusão
insólita, aparentemente injusta, o que faz com que todos se
questionem: o que ele quer dizer com isso?
As parábolas instigantes sobreviveram
ao tempo.
A parábola dos trabalhadores
da vinha é conhecida no meio espírita como a parábola
dos trabalhadores das diversas horas do dia. Kardec dedicou um capítulo
inteiro ao seu comentário em "O Evangelho Segundo o Espiritismo".
Contexto
A história é contada apenas no capítulo
20 do evangelho de Mateus, o que não deixa muitas pistas sobre
o contexto. No capítulo 19, Jesus parece estar instruindo seus
discípulos e apóstolos. Ele fala dos eunucos pelo amor
do reino de Deus e do perigo das riquezas (a história do moço
rico).
As Relações de Trabalho
No Deuteronômio, um dos livros do pentateuco
moisaico, encontram-se regras para a contratação de
trabalho (24:14-15). Os pagamentos eram diários, e era proibida
a exploração do trabalhador pobre. Iahweh afirma aos
empregadores que não se esquecessem que a vida do trabalhador
pobre e de sua família depende do pagamento da jornada de trabalho.
Um bom conselho para os dias de hoje, mas interessa-nos
saber que era comum e usual a contratação de trabalhadores
no período apontado por Jesus.

Denário Romano de Prata
No império romano à época, era usual o pagamento
do dia de trabalho com o valor de um denário, que valia "dez
asses" (daí a origem do nome), e segundo a wiki era suficiente
para comprar 8 quilos de pão, ou seja, permitia com sobra a
alimentação de uma família.
A história
Vinha
Como a maioria das parábolas, Jesus conta a
história para referir-se ao Reino dos Céus. Um dono
de vinha sai em busca de trabalhadores e os encontra no mercado no
início do dia. Acerta com eles o pagamento de um denário
e os envia para a vinha. Como o número de trabalhadores fosse
insuficiente, o dono da vinha volta na terceira hora, na sexta, na
nona e na undécima hora. Em todos os casos pergunta aos tabalhadores
por que estavam na praça e todos alegam que não conseguiram
trabalho. Ele oferece-lhes trabalho sem negociar valores. No momento
do pagamento, ele dá um denário a todos, a começar
dos trabalhadores da última hora, que trabalharam apenas uma
hora ou menos, o que gera murmúrios e reclamações
entre os que trabalharam doze horas. O dono da vinha (que também
é pai de família) reafirma o cumprimento do acordo feito
no início do dia e pergunta-lhes: "é mau o teu
olho porque eu sou bom?"
Jesus conclui a história com a famosa frase:
"os últimos serão primeiros e os primeiros serão
últimos."
Interpretação
Em "O evangelho segundo o espiritismo",
Kardec publica quatro comunicações de espíritos
que se referem à parábola. Constantino (Bordeaux, 1863)
interpreta os trabalhadores da última hora aos espíritas
e recomenda que empreguem bem sua existência, que não
é mais que "um instante fugidio na imensidade dos tempos".
Outra comunicação é
de Henri Heine (Paris, 1863), que considera Moisés, os apóstolos
cristãos, os mártires cristãos, os pais da igreja,
sábios e filósofos como os trabalhadores das diversas
horas do dia, e reafirma entender os espíritas como trabalhadores
da última hora.

Heinrich Heine
Erasto (Paris, 1863) recomenda aos
espíritas que divulguem a reencarnação e a elevação
dos espíritos, e antecipa que os grandes desprezariam seu discurso,
os sábios exigiriam provas e os humildes a aceitariam.
Por fim, o Espírito Verdade,
considera ditosos os que trabalharem nos campos do Senhor (a Terra)
sem interesses e motivados pela caridade.
Reflexões de Espíritas:
Schutel e Vinícius
Cairbar Schutel escreveu em seu "Parábolas
e ensinos de Jesus" algumas páginas explicando a parábola
e comentando-a. Ele encontra justiça na atitude do dono da
vinha, argumentando ser possível que os trabalhadores da undécima
hora tivessem se esforçado mais que os demais.

Cairbar Schutel
Schutel foi muito perseguido pela
igreja católica de sua época e parece fazer um desabafo
em seu texto, criticando espíritas que não se afirmavam
publicamente como tal, escolhendo o trabalho do atendimento aos espíritos,
por exemplo. Entendo sua situação, mas não consigo
ver a questão da mesma forma, passadas muitas décadas.
Vinícius dedicou dois capítulos
de livros a comentar o tema.
Ele também traz a parábola
para os dias de hoje, e compara o ato dos trabalhadores da undécima
hora ao da viúva do gazofilácio, que Jesus destaca não
pelo volume dos resultados, mas pelo sentido subjetivo do ato. Ao
contrário da tradição beneditina e taylorista,
Vinícius valoriza o trabalho em si, e não o tempo de
trabalho.

Ele desenvolve seu pensamento de tal
forma que parece estar escrevendo para os dias de hoje. Fala de pessoas
que se "exaurem em uma labuta febril e penosa", querendo
ser mais meritória aos olhos de Deus.
Pedro de Camargo fala de espíritas
que negligenciam seus deveres familiares, profissionais e sociais
em função de uma agenda cheia de compromissos espíritas
visando, calculistas, serem mais merecedores aos olhos de Deus. Vinicius
destaca outra frase do Cristo: "Misericórdia quero e não
sacrifício".