Há algumas décadas
o Espiritismo atrai a atenção de antropólogos
no Brasil.
Maria Laura V. Cavalcanti
(O mundo invisível: cosmologia, sistema ritual
e noção de pessoa no Espiritismo) observou uma
desigualdade entre cooperadores e frequentadores. Não sou
capaz de identificar de memória a fonte, mas há uma
desigualdade também entre assistidos e estas duas outras
categorias.
Penso que estas desigualdades são
um desafio para as sociedades espíritas do século
XXI. Não sei se é possível fazer desaparecer
estas diferenças com um ato administrativo, mas é
necessário diminuir as barreiras que nós mesmos construímos
sem perceber e que dificultam o trânsito entre estes diferentes
lugares da comunidade espírita.
Uma doutrina de intelectuais?
Uma análise apressada pode
concluir que o Espiritismo é uma doutrina repleta de adeptos
na classe média brasileira porque demanda estudo e leitura.
Não é bem o que nossa história nos mostra.
Muitos dos intelectuais de nosso país não freqüentaram
bancos de universidades, e alguns espíritas de destaque regional
ou nacional eram (ou são) pessoas com pouca escolaridade,
que desenvolveram o hábito de ler e de estudar no contexto
da casa espírita ou em sua história de vida.

Assistidos e Trabalhadores em uma distribuição
de sopa e pão da AMA em Ponta Grossa - PR
Quando há sensibilidade da comunidade espírita, os
assistidos podem ser incentivados a dar sua opinião, lhes
são passadas responsabilidades, e com algum tempo eles são
motivados a estudar, expor, trabalhar e cooperar com o grupo, tornando-se
membros ativos e com uma experiência de vida ímpar.
Não é uma proposta fácil, porque nos grandes
centros urbanos tenho visto pessoas que são fruto da violência
e do abandono de pais vivos, que não viveram no contexto
de uma família e a quem falta todo um repertório social
que desenvolvemos em casa e na escola. A convivência e o pacto
de regras de relacionamento se torna um desafio.

Grupos de Trabalho: Jovens
Frequentadores eternos?
O problema dos frequentadores pode
ser uma falta de oportunidade. Nas cidades de médio e grande
porte, e nas sociedades espíritas maiores, é possível
chegar e sair praticamente incógnito em uma reunião
pública. Se a pessoa é tímida e não
é acolhida pela comunidade espírita, pode ficar assistindo
reuniões durante anos, às vezes desejosa de participar
mais, às vezes sem se ater que a associação
espírita é um espaço cooperativo.
Reunião Pública
As grandes sociedades criaram grupos
de estudo, cursos, ciclos, estudo sistemático e outras denominações
para um conhecimento mais circunstanciado do Espiritismo, mas para
superar a condição de frequentador é necessário
conviver, participar de um grupo ou equipe de trabalho, conversar
sobre assuntos que vão além da doutrina e do trabalho
espírita e que possibilitam a formação de uma
relação com alguma intimidade e confiança.
Os laços de comunidade devem ser cultivados pelos dirigentes
e trabalhadores das sociedades espíritas. Sua ausência
pode significar um abismo entre estes três espaços
sociais que os antropólogos observaram em nosso meio.