Quando estudei
motivação em voluntários espíritas,
empreguei metodologias qualitativas em regime de triangulação,
ou seja, técnicas diferentes para analisar aspectos semelhantes
a fim de diminuir a influência das concepções
do pesquisador nas análises e conclusões.
Foram quatro técnicas utilizadas:
observação participante, descrição de
atividades, análise de documentos e uma adaptação
da técnica de história de vida.
Os interesses da pesquisa eram voltados
à motivação de voluntários e à
cultura de uma creche do terceiro setor, entretanto, durante a análise
das entrevistas de história de vida voluntária, dois
temas não previstos apareceram no discurso dos sujeitos:
o sofrimento e os mecanismos de defesa (ou coping, como desejarem)
empregados pelos trabalhadores voluntários.
Estas descobertas foram apresentadas
rapidamente na tese e no livro (Voluntários:
um estudo sobre motivação de pessoas e a cultura em
uma organização do terceiro setor. São Paulo:
EME, CCDPE, UNIFRAN, 2010), mas pude desenvolver melhor à
luz do pensamento dejouriano em capítulo do livro "A
Temática Espírita na Pesquisa Contemporânea"
(São Paulo: CCDPE, 2010).
O encanto com o voluntariado cresceu
na administração e ganhou um incentivo com as parcerias
público-privado e as publicizações propostas
por Bresser Pereira no governo FHC. No meio administrativo, vi muitas
virtudes serem gratuitamente atribuídas ao trabalho voluntário,
que com as práticas empresariais de responsabilidade social
passaram a ser vistos como obrigatórios ou pelo menos valiosos,
para os currículos dos que pretendiam entrar no mercado de
trabalho.
Estas possíveis contribuições
e desenvolvimentos das habilidades dos trabalhadores ainda estão
por ser melhor pesquisadas, mas pude constatar que no meio dos voluntários
concretos que estudei, a melhor expressão seria a de um livro
famoso nos anos 60/70: " Eu nunca lhe prometi um mar de rosas."
SOFRIMENTO
Os tipos de sofrimento (e não
doença mental) identificados no discurso dos entrevistados
e claramente associados (por eles) ao trabalho voluntário
foram: frustrações devido a imposições
de superiores hierárquicos ou voluntários mais antigos
e influentes, sentimentos de culpa desproporcional a erros de conduta
relatados, sintomas psicossomáticos (sem causa principal
orgânica, segundo médicos), ansiedade relacionada ao
trabalho, frustração com resultados obtidos, sensação
de impotência ante a miséria, reações
à hostilidade inesperada de assistidos. Como o estudo não
se voltava à análise destes fenômenos, embora
a narrativa dos sujeitos atribua origem ou início do sofrimento
aos episódios vividos na experiência voluntária
e tenham sido apresentados sem intervenção do entrevistador,
não se pode dizer que haja uma relação de causalidade
e que a estrutura dos sujeitos não possa ter um papel na
construção do significado e na vivência do sofrimento.
Outro ponto de depõe favoravelmente
à associação entre sofrimento e trabalho são
os mecanismos de defesa (estou usando Dejours, mas eles poderiam
ser chamados de estratégias de coping se estivesse utilizando
a tradição cognitivista em POT).
MECANISMOS DE DEFESA
Encontram-se nos relatos os seguintes
mecanismos de defesa contra o sofrimento do trabalho voluntário:
afastamento (temporário ou permanente) do trabalho voluntário,
troca de atividade, uso de contrapartidas (falar de eventos gratificantes
para diminuir a sensação de sofrimento da narrativa
de um evento desagradável), evitar falar de eventos desagradáveis,
uso do humor e idealização do líder carismático.
Alguns desses mecanismos são
coletivos (observação participante), outros individuais.
Coerentemente com este conceito, alguns são muito mal sucedidos
com relação à sua finalidade, que é
evitar o sofrimento.
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