Jáder
Sampaio
> O que são questões filosóficas?
A Vida
O desconhecimento da filosofia pela
grande maioria da população brasileira faz com que
se misturem questões filosóficas com científicas
e as pessoas considerem determinadas posições de cientistas
como se fossem verdades.
Uma dessas confusões, por
exemplo, é a resposta da questão "o que é
a vida?", que implica na resposta de "quando a vida começa"
e de "quando a vida termina".
A vida é um conceito filosófico,
não científico, com implicações seríssimas
para o dia-a-dia de todos nós. Vi, por exemplo, um argumento
muito falacioso, ser tomado como "verdade científica",
muito recentemente.
Um médico me disse que o
critério utilizado para o "fim da vida" pela medicina
é a morte encefálica. Então, argumentou, falaciosamente,
que o funcionamento cerebral é a demarcação
do fim da vida. Logo, conclui, a formação do cérebro
deve ser usada como o critério do "início da
vida", e ela se dá a partir de três meses (afirmou
ele, eu não sei).
Uma jovem me disse que "cabe
à ciência" e não à religião
estabelecer o início da vida.
Pois bem, em uma ótica filosófica,
há muitos erros de argumentação em todas as
afirmações.
O estabelecimento da morte pela
medicina, é um conceito operacional. A "morte"
para os intensivistas é estabelecida a partir dos recursos
técnicos disponíveis. Se não houver possibilidade
de recuperação, considera-se a pessoa morta. Isso
se tornou muito importante com o avanço da medicina e o desenvolvimento
da tecnologia de medicina intensiva. Antes os médicos consideravam
a parada cardiorrespiratória como o "critério"
de morte. Eles assim o faziam, não porque o coração
e os pulmões fossem considerados como órgãos
da vida, mas porque sua parada denotava o fim dos recursos da medicina.
Com o tempo, a medicina aprendeu a ressuscitar e manter as funções
cardíacas e pulmonares, através de aparelhos. E constatou
algo ainda pior: ela poderia manter um corpo funcionando mecanicamente
por muito tempo, e se os aparelhos fossem desligados, toda a vida
orgânica cessaria. Surgiu então um novo desafio: até
quando o corpo pode ser considerado "vivo"? E mudou-se
o critério graças às novas tecnologias, da
seguinte forma: quando o encéfalo "parar de funcionar",
estabelece-se a "morte encefálica", porque esse
organismo não sobrevive sem o auxílio de equipamentos,
e não há recursos para que volte a funcionar de forma
autônoma e consciente. Se houver um avanço na medicina
e surgirem recursos para a recuperação de algumas
funções encefálicas que hoje não são
recuperáveis, esse conceito irá mudar novamente.
Então, a medicina ou as ciências
não definem o que é vida, nem o que é morte.
Esse é um trabalho filosófico. Significa dizer que
na filosofia de orientação materialista, definir-se-á
vida com base no organismo, porque o filósofo materialista
"definiu" vida a partir do funcionamento da matéria.
Um filósofo espiritualista tem uma visão muito diferente,
porque, por exemplo, aceita o conceito de alma. Um filósofo
cético radical vai considerar impossível a definição
de vida, porque o conhecimento não é possível.
Não importa o quanto as ciências avancem, a concepção
de vida e morte é uma questão filosófica, e
não científica. Não é possível
esperar de um cientista a solução de questões
como "o que é a vida", de forma imparcial. Se ele
tentar responder, o fará com base em uma posição
filosófica, que não necessariamente é a única,
nem a verdadeira.
Isso nos mostra como é importante
saber discutir a questão ciência-religião, que
o prof. Humberto apresenta muito rapidamente na apresentação
acima. Além dessas duas formas de conhecimento, há
o conhecimento filosófico. Isso é muito importante
no momento de pandemia em que passamos, no qual perguntas legitimamente
científicas, como "há um tratamento eficaz para
o vírus da COVID", sai da esfera das ciências,
e se torna dogma político. As pessoas escolhem um determinado
medicamento, não com base nas evidências, mas na confiança
que têm em um determinado líder, que se baseia em vozes
não consensuais (mas minoritárias) no campo das ciências.
Outra conclusão que podemos
tirar da questão acima, tratada de forma superficial, de
"o que é a vida", é que se aplicarmos o
mesmo critério da medicina intensiva para estabelecer um
critério para o aborto, o início da vida é
a fecundação. Parece paradoxal, mas não é.
Se o critério para o estabelecimento da morte, é a
"ausência de recursos para o restabelecimento do funcionamento
do organismo humano", o mesmo critério aplicado à
vida seria o ponto a partir do qual o organismo se desenvolve naturalmente,
torna-se viável, desde que não haja algum impedimento
técnico. Esse ponto, é o da fecundação
do óvulo pelo espermatozóide.
Em uma abordagem filosófica,
o argumento da formação inicial do encéfalo,
como critério do surgimento da vida é falacioso. E
isso traz muitas implicações éticas com as
quais até mesmo os médicos não querem tratar,
como, por exemplo, os óvulos que foram fertilizados "in
vitro". Seriam eles seres de direito? Pode-se fertilizar e
descartar os que não forem inseminados artificialmente? A
concepção da vida a partir da fertilização
dos óvulos incomoda a muitos interesses, não é
mesmo?
Vejam abaixo os vídeos
em que o Professor Humberto fala do "lugar da filosofia"
Qual o lugar da filosofia nos grandes
temas pesquisados atualmente?
Quais os exemplos de temas próprios da filosofia?
É um erro a filosofia estar nas ciências humanas?
Humberto Shubert
Coelho é professor Adjunto do Departamento
de Filosofia da UFJF. Professor do Programa de Pós-graduação
em Filosofia da UFJF. Pesquisador visitante da Universidade de
Oxford (2019-2020) Coordenador da área de História
e Filosofia do Núcleo de Pesquisa em Espiritualidade e
Saúde (NUPES). Possui graduação em Filosofia
pela Universidade Federal de Juiz de Fora (2005). Obteve o grau
de mestre nesta mesma universidade em 2007. Doutorado sanduíche
em Ciência da Religião nas Universidade Federal de
Juiz de Fora e na Martin-Luther Universität Halle (Alemanha).
Realizou estágio pós-doutoral na Escola Superior
de Teologia (EST). Tem experiência na área de Filosofia,
com ênfase em Filosofia da Cultura, Metafísica, Ética
e Filosofia da Religião, dialogando também com aspectos
sistemáticos e filosóficos da Teologia e da Ciência
da Religião. Trabalha com autores variados em perspectiva
historicista da evolução das ideias, com ênfase
em metafísica e propostas de filosofia primeira e fundamental.
Em aportes para outras disciplinas, quais a ética, a filosofia
da cultura, e no debate ciência-religião, mantém
o interesse no desdobramento dos aspectos essenciais da metafísica
sobre as questões de filosofia aplicada. Foi coordenador
dos cursos de licenciatura e bacharelado em Filosofia da UFJF
entre 2017 e 2019.