
Na parábola do Bom Samaritano
(Lucas 10:29-36) o doutor da lei pergunta a Jesus: “Quem é
o meu próximo?”, esta pergunta havia sido feita após
se ter conversado sobre a lei moisaica, mais especificamente sobre
uma passagem do Levítico, na qual se fala para “amar
ao próximo como a si mesmo” (Levítico 19:18)
Lendo mais detidamente a citação,
no texto de Moisés, Yahweh está tratando da justiça
no julgamento. Inicialmente ele fala para não tratar de forma
diferente o pobre e o rico (19:15), depois fala do compatriota (irmão)
e recomenda repreender, para que não se cometam crimes de
vingança entre os israelitas. Então se escreve:
“Não te vingarás e não
guardarás rancor contra os filhos do teu povo.
(grifos meus) Amarás o teu próximo como a ti mesmo”
(Lev. 19:18)
Vê-se aqui que a lei mosaica tenta fazer que
os israelitas se tratassem como irmãos, ou seja, que se aceitassem
sem distinção de riqueza ou pobreza e que renunciassem
à vingança de sangue entre si, para tratar suas diferenças
dentro da lei. Neste contexto, o próximo a que se refere
Yahweh são os compatriotas.
Se aceita esta acepção, faz sentido a questão
proposta pelo doutor da lei a Jesus. Quando ele pergunta quem é
o próximo dele, ele esta perguntando se o alcance da exigência
da lei são os seus compatriotas, apenas, mas Jesus vai estabelecer
que se deve amar as pessoas sem a distinção de nacionalidade.
Ao contar a parábola, Jesus elege como herói um samaritano.
Ele toca em uma rixa antiga dos descendentes de Abraão. Após
o reinado de Salomão, os hebreus se dividiram em dois reinos:
Israel e Judá. O reino de Israel tem a Samaria como capital,
mas foi conquistado pelo assírio Sargão II em torno
do século VIII a.C., o que gerou uma espécie de influência
religiosa oriental nos costumes da região. Os samaritanos,
contudo, continuavam aceitando os cinco livros da lei moisaica,
mas os judeus, na época de Jesus, condenavam estas diferenças
e alimentavam a separação. A rixa com os samaritanos
ia ao ponto destes terem seu próprio templo, o que os isolava
do templo de Jerusalém.
Habitantes do reino de Judá e habitantes do reino de Israel
se viam como diferentes. Eles, por consequência, não
se viam como "próximos", embora ambos vivessem
sob as regras da lei moisaica.
Os Romanos dividiram o antigo reino de Salomão, na época
de Jesus, em regiões administrativas, entre as quais se encontram
a Judeia, a Samaria e a Galileia. Eles geralmente observavam as
semelhanças culturais para que seu domínio fosse principalmente
na esfera de governo, evitando controle militar ostensivo. Era uma
ideia política herdada dos gregos: "Dividir para conquistar".
Estas três regiões continuam sob a influência
da lei de Moisés, mas a divisão deve ter evidenciado
a percepção das diferenças.
Na história que Jesus conta, um suposto judeu, assaltado
e deixado ferido para morrer, é socorrido por um samaritano,
ao mesmo tempo em que um sacerdote e um levita judeus o deixaram
no caminho. Então Jesus pergunta ao doutor da lei quem era
o próximo da vítima de assalto, e seu interlocutor
admite que é o samaritano, com as palavras “aquele
que usou de misericórdia para com ele”.
Jesus propunha uma ampliação da noção
de “próximo”. Ela incluiria até mesmo
os estrangeiros, e mesmo os que fossem inimigos dos Judeus, como
os romanos, por exemplo. É por esta razão que Jesus
afirma no sermão da montanha:
“Ouvistes o que foi dito: “Amarás o teu próximo”
e “odiarás o teu inimigo”. Eu, porém,
vos digo: Amai vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem,
para que vos torneis filhos do vosso Pai [que está] nos
céus, já que seu sol desponta sobre maus e bons,
e cai chuva sobre justos e injustos” (Mateus 5:43-45)
Jesus propunha que culturas diferentes pudessem conviver sob uma
lei maior, a do Pai. Que não houvesse xenofobia e preconceito
no trato entre diferentes. Como alguém que morou a vida quase
toda na Galileia, ele percebia que os galileus eram vistos pelos
habitantes da Judeia como inferiores, não importa o quanto
vivesse de acordo com a lei.
A universalidade da noção de próximo possibilitou
aos cristãos uma ampliação além dos
limites da cultura e costumes hebraicos. Como estas questões
regionais ficaram distantes no tempo, e passamos a estudar apenas
superficialmente a época, a noção de próximo
passou para o nível individual, e é geralmente interpretada,
hoje, como “qualquer pessoa”, o que gerou um problema
para o entendimento dos inimigos, que deixaram de ser inimigos do
estado ou da cultura hebraica, e passaram a ser entendidos como
inimigos pessoais. Allan Kardec percebeu a estranheza da frase “amai
os vossos inimigos” no capítulo XII de O Evangelho
Segundo o Espiritismo.
Nos dias de hoje, em que o mundo, e especialmente a Europa, se vê
diante da questão da xenofobia, decorrente das migrações
oriundas de regiões de guerra e fome, o ensinamento de Jesus
nunca foi tão atual.