A passagem é bastante conhecida.
Faz parte do chamado Sermão da Montanha e é
a primeira instrução após as bem-aventuranças.
Ao reler para escrever este comentário, veio-me à
mente a seguinte questão: para quem Jesus dirigiu esta
afirmação?
Imaginava que Jesus estava pregando à multidão referida
no primeiro versículo mas, após uma leitura cuidadosa,
apesar da menção à turba, entende-se que
Jesus estava instruindo os seus discípulos mais próximos.
Veja a passagem abaixo:
“Vendo as turbas, subiu
ao monte. Após assentar-se, aproximavam-se dele os seus
discípulos e, abrindo sua boca, os ensinava, dizendo:”
Mt 5:1-2
Haroldo Dutra explica através
do rodapé de sua tradução que assentar-se
era a postura do sábio hebreu quando desejava ensinar algo
aos discípulos. Ele também anota que “abrir
sua boca” é uma expressão usada para significar
um discurso formal, comunicação solene ou confidencial.
Fica então compreensível que Jesus ensinava aos
discípulos, por isso ele teria dito que eles são
o “sal da terra” e a “luz do mundo”. Nos
dias de hoje, pode-se entender que este convite se estende a quem
quer que assuma o lugar de discípulo, de aprendiz.
Por que “sal da terra”?
O sal tinha diversas utilidades nas sociedades da época
de Jesus. Era utilizado para o pagamento dos soldados romanos,
de onde vem a palavra salário, tão utilizada em
nosso idioma pátrio. Em uma época sem geladeiras
e em lugares sem gelo, as carnes eram conservadas para consumo
posterior com o sal, que absorvia o líquido capaz de fazer
proliferar vida microscópica, tornando a carne seca e salgada.
O sal também é tempero conhecido. Dá sabor
aos alimentos sob seu toque com poucas pitadas. Uma quantidade
ínfima do sal tempera porções generosas de
alimento.
Pedro de Camargos, vulgo Vinícius, publicou dois artigos
sobre este versículo do Sermão da Montanha (1).
Em ambos, ele destaca o caráter incorruptível do
sal, ou seja, sua preservação das propriedades em
diferentes meios. Assim compara o sal ao cristão:
“bom no meio dos maus;
justo no meio da iniquidade; probo no meio dos desonestos; prudente
no meio dos insensatos; humilde no meio dos orgulhosos; altruísta
no meio dos egoístas; sincero no meio dos hipócritas;
fiel no meio dos infiéis; resignado no meio dos revoltados;
pacífico no meio dos belicosos; virtuoso, numa palavra,
no meio de todos os vícios e de todas as paixões.”
Vinícius, 1979b, p.190
O último comentário
diz respeito ao sal que se torna insosso, ou seja, insípido,
sem sabor. Haroldo Dutra comenta que a palavra grega deve ter
sido
traduzida do aramaico, TFL. No aramaico, a palavra tem um duplo
sentido, que Jesus particularmente gostava de empregar. Ela significa
ao mesmo tempo estar sem sal ou falar insensatamente, tornar-se
tolo.
Jesus, portanto, instruía os discípulos sobre o
seu papel no mundo e possivelmente chamava a atenção
para o que diziam e faziam, uma vez que sua vida se tornaria uma
referência dos ensinos do rabi. Dá o que pensar entre
nós, espíritas, nos dias de hoje.