Léon Denis publicou em 1900
um livro intitulado “Cristianismo e espiritismo”, que
li nos anos 1980, mas confesso que à época saltei
a introdução e o prefácio. Depois o consultei
muitas vezes e preparei estudos com ele, mas não voltei a
estes dois escritos.
Com o passar dos anos, fiquei fã dos prefácios
do autor francês, porque ele costuma explicar e contextualizar
seus livros.
Na introdução do livro, Denis se preocupou
muito em explicar que seu trabalho não é um ataque
ao catolicismo, religião que ele abandonou ainda jovem pela
“filosofia espírita”. Ele se detém na
exterioridade do catolicismo (que confessa ainda causar algum encanto
nele) para elogiar a interioridade do protestantismo, que parece
ter conhecido a partir de algumas das fontes que ele consultou para
escrever sobre o cristianismo.
Minha primeira surpresa foi identificar algumas
ideias de origem deísta ou da religião natural que
encontrei em sua argumentação inicial. Elas influenciaram
a constituição do espiritismo, embora este não
possa ser reduzido a elas.
“Consagramo-nos à tarefa de destacar
da sombra das idades, da confusão dos textos e dos fatos,
o pensamento básico, pensamento de vida, que é a
fonte pura, o foco intenso e radioso do Cristianismo, ao mesmo
tempo que a explicação dos estranhos fenômenos
que caracterizam as suas origens, fenômenos renováveis
sempre, que efetivamente se renovam todos os dias sob os nossos
olhos e podem ser explicados mediante leis naturais.” (p.
8 e 9)
No prefácio, escrito dez anos depois, Denis não poupou
críticas ao catolicismo. Este havia sido separado definitivamente
do estado francês, pelo que pude entender, a partir de uma
lei conhecida como concordata, que proibiu o ensino religioso para
a infância e a juventude, tornando-o leigo.
O autor analisou o declínio da influência do catolicismo
na sociedade francesa, tendo ficado restrito a “um punhado
de adeptos”. Ele afirma que a igreja vivia uma crise com o
direito novo francês.
Denis entende que há uma doutrina cristã, pura (p.
10), que não se confunde com o catolicismo, construído
após Constantino (p. 18), que acabou por influenciá-lo
na direção da hierarquização, da politização
em favor dos “grandes e poderosos”, da teologização
que a afastou do “sermão da montanha”. (p.
19)
“Jesus não havia fundado a religião
do Calvário para dominar os povos e os reis, mas para libertar
as almas do jugo da matéria e pregar, pela palavra e pelo
exemplo, o único dogma de redenção: o amor.”
(p. 21)
Não posso deixar de comentar que o filósofo
espírita deteve-se no espírito de sua época,
preocupado com o hedonismo e o materialismo, posicionando-se, como
Kardec, na oposição das “filosofias negativas”
(p.13). Ele mergulhou na essência
do Cristianismo para fazer oposição a ideologias que
defendiam uma vida sem sentido, o fim da existência com a
morte do corpo, “sofrimentos inúteis”, “trabalho
sem proveito” e “provas sem compensação”.
Estaria Denis fazendo uma menção a Nietzsche, ou a
Darwin, quando escreveu o parágrafo abaixo?
“Em lugar desse campo cerrado da vida em
que os fracos sucumbem fatalmente, em lugar dessa gigantesca e
cega máquina do mundo que tritura as existências
e de que nos falam as filosofias negativas, o Novo Espiritualismo
fará surgir, aos olhos dos que pesquisam e dos que sofrem,
a portentosa visão de um mundo de equidade, de amor e de
justiça, onde tudo é regulado com ordem, sabedoria,
harmonicamente.” (p. 13)
Assim Denis iniciou uma obra que aborda o cristianismo
em uma perspectiva histórica e filosófica, e que encerra-se
com a contribuição das descobertas experimentais da
vida após a morte, da reencarnação e da mediunidade
que o espiritismo trouxe com suas pesquisas. Ele articula cristianismo
e espiritismo nas luzes do novo século, dando sua própria
contribuição em forma de pesquisa e reflexão
ao trabalho iniciado por Allan Kardec em 1864, com a publicação
de “O evangelho segundo o espiritismo”.