Estamos no nosso 11º. Encontro Nacional,
confesso que jamais esperei tanto, mas a rede de intercâmbio
criada pelo Eduardo Carvalho Monteiro ainda causa
estranheza no movimento espírita.
Esta publicação tem por objetivo retomar algumas questões
que surgiram e continuam assombrando, principalmente os espíritas.
O objetivo maior de nossa rede é aproximar estudiosos do
espiritismo, de dentro ou de fora do movimento espírita (pesquisadores
de universidade, por exemplo) com duas finalidades: intercâmbio
de informações (que não se confunde com publicação
de spams) e preservação da memória
do movimento espírita (este objetivo era quase uma obsessão
do nosso Eduardo, ele se dedicava quase integralmente
a este propósito).
O movimento espírita tem muitos espaços de realização
de palestras, de publicação de textos jornalísticos
ou de divulgação e de encontros de espíritas.
Desde o quarto encontro da LIHPE, que aconteceu
em São Paulo, temos incentivado a divulgação
de trabalhos acadêmicos em nossos encontros nacionais. Observamos
que nos últimos vinte anos, com o crescimento da pesquisa
e da pós-graduação nas universidades brasileiras,
muitos trabalhos (artigos, monografias, dissertações
e teses) com temática espírita foram realizados. A
maioria deles estava em um “limbo”, ou seja,
são publicados em revistas científicas, mas ficam
isolados, porque a comunidade de estudiosos do espiritismo nas universidades
ainda é dispersa, ou ficam impressos em papel nas bibliotecas
“tomando poeira”, ou ainda nos bancos de teses
digitais, à espera de serem descobertos por alguém
que se interessa. Meses de trabalho ocultos, porque o movimento
espírita, com seus órgãos de divulgação,
também tem limitações para localizá-los
e divulgá-los.
Então resolvemos incentivar este público a se aproximar
da LIHPE e a “mostrar a cara”,
escrever um artigo para que as pessoas conheçam seus trabalhos,
mesmo em construção, que comuniquem sua pesquisa,
que se conheçam.
Formatamos os textos aos moldes das revistas científicas
e dos congressos, e organizamos uma rede de pareceristas, que trabalham
gratuita e gentilmente, para ler os trabalhos submetidos ao encontro
e dar-lhe sugestões, e com a tarefa espinhosa de selecionar
os melhores para apresentação, porque ainda não
temos público, nem espaço para encontrar em um local
grande, com muitas salas, e, mesmo, para preservar autores que apresentam
trabalhos ainda muito embrionários ou contraditórios,
para que o aperfeiçoem antes de comunicar.
Como toda iniciativa nova leva tempo para ser compreendida, nem
sempre nossas ações foram interpretadas da forma que
desejamos. Ao citarmos, por exemplo, a titulação dos
autores (bacharel, mestre, doutor), tínhamos em vistas a
aceitação das nossas coletâneas em bibliotecas
universitárias e a explicitação da competência
do autor em área especializada. Para escrever sobre física,
o mínimo que se espera é que se seja físico.
Contudo, sabemos que há pessoas notáveis, como uma
dona de casa norte americana que teve artigos seus sobre economia
aprovados em uma revista especializada, essencialmente pela sua
qualidade. Então, os títulos não são,
nem nunca foram critério de seleção dos trabalhos
de nosso encontro, mas, assim como a nossa dona de casa, é
necessário que as pessoas que não foram treinadas
em universidades a escrever artigos, se esforcem para adaptar seus
textos a uma das formas aceitas pela academia e sejam capazes de
sustentar os conteúdos que pretendem publicar.
Algumas pessoas acham que ao publicarmos nesta forma, tínhamos
por intenção que nossos trabalhos fossem aceitos como
verdades. Nada mais equivocado. Quem conhece as diferentes formas
de pensamento científico, sabe que a única coisa que
o pesquisador sério pode ambicionar é o rigor, a fundamentação
teórica e empírica e a clareza. Como as pesquisas
avançam, aquilo que um cientista defende hoje, pode ser completamente
abandonado amanhã, por terem surgido novas evidências,
novas formas de explicação, novas contribuições.
Logo, os trabalhos publicados são tentativas de discutir
problemas, ou de questionar ideias aceitas em segmentos do movimento
espírita, ou esforços de sistematização
de informações. Podem estar incompletos, podem ter
lacunas, podem até conter erros, mas nos esforçamos
para diminuir estas limitações antes de publicá-los
com as estratégias já descritas, nada mais.
O termo pesquisador, escolhido pelo Eduardo Carvalho
Monteiro e pelos participantes da Liga
no início dos anos 2000, para o nome da LIHPE
nunca teve por objetivo designar uma elite, indicar alguém
que se pretende maior que outros. No meio acadêmico, pesquisa
é uma das muitas atribuições que fazem as instituições
de conhecimento funcionarem, assim como ensino, da mesma forma que
as atividades administrativas e de apoio. Pesquisador é alguém
que depende de bibliotecário, de faxineiro, de professores,
de instrutores, de técnicos de informática, de cantineiros,
de técnicos em administração e de muitas outras
ocupações para fazer o seu trabalho. É uma
função como outras, talvez um pouco mais reconhecida,
por demandar muitos anos para concluir sua formação.
Não há instituição de pesquisa sem todas
estas outras funções, então precisamos de todos.
Eduardo não via pesquisador como alguém
que tem, no mínimo, doutorado completo, como se costuma agir
nas agências de fomento à pesquisa. Ele via pesquisador
como uma pessoa interessada no aumento do conhecimento que se tem
do espiritismo. Ele próprio não era doutor, mas escreveu
dezenas de livros, montou bases de dados, colecionou documentos
importantes e, no final da vida, conseguiu que seu trabalho de construção
de biblioteca e documentação se tornasse público,
através do Centro de Cultura, Documentação
e Pesquisa do Espiritismo, em São Paulo.
Há também quem ache que nossas publicações
poderiam ser exclusivamente acadêmicas, para ser divulgadas
apenas em revistas avaliadas por pares e reconhecidas pelos bancos
de dados das mais diferentes bases de conhecimento. Bem, este é
um caminho, mas não foi nossa opção até
o momento. Preferimos ficar na fronteira entre o movimento espírita
e as universidades. Escolhemos uma proposta de trabalho diferente,
que, de um lado, não desmerece quem está fazendo pesquisa
exclusivamente acadêmica, de temas ligados ao espiritismo,
e, de outro, divulga e informa o movimento espírita, a respeito
desses estudos. Acho, mesmo, que podemos trabalhar juntos, se nos
respeitarmos uns aos outros.
Da parte das pessoas que organizam os eventos e publicações
da LIHPE, posso dizer de coração
que não desejamos ser vistos como elites, apenas como estudiosos,
falíveis, assim como a própria Ciência. Não
desejamos desmerecer com nossos trabalhos outras atividades que
já são realizadas nos centros espíritas, como
o estudo sistematizado da doutrina, a promoção social,
os passes, as reuniões mediúnicas, o atendimento fraterno,
a divulgação pela imprensa… O nosso é
apenas mais um trabalho coerente com a proposta de Allan
Kardec para o Movimento Espírita
e que almeja o diálogo com os pesquisadores das ciências
especializadas, fundamental para o desenvolvimento do pensamento
espírita.