
Acabo de ler um artigo de Léon Denis, publicado
na revista Le Spiritisme, de junho de 1889, no qual ele comenta a
proposta do Sr. Marius George de criar em meio ao espiritismo um grupo
positivista, que se apoiasse exclusivamente nos fatos e abandonasse
tudo o que pudesse pertencer "ao domínio da hipótese".
Denis estava participando da organização
de um congresso organizado pela União Espírita Francesa,
e confirma ao seu correspondente que "sua forma de ver será
acolhida não só pelo congresso, mas de forma permanente
por todos os seus irmãos, com o respeito que é devido
às convicções sinceras e esclarecidas" (p.
81)
A seguir, Marius afirma que a obra de Allan Kardec
"está manchada com dogmatismo e misticismo" e que
por isso guardaria pouca relação com "os gostos
e aspirações" da época em que eles viviam.
Denis argumenta que Kardec agrupou e coordenou o ensino
dos espíritos, de forma a lhe dar um "corpo" de doutrina.
Ele afirma que isso levou o espiritismo à "idade adulta".
Ele afirma que todos os que fugiram desse método, com teorias
pessoais, edificaram obras efêmeras. Ele se refere a Roustaing,
como exemplo, dizendo que ele merece o epíteto de místico
com mais justiça.
Analisando Kardec ele cita o combate, com rigor, dos
dogmas católicos em O evangelho segundo o espiritismo,
O céu e o inferno e A gênese. Mostra a
diferença do conceito de Deus entre os católicos, e
penso que também entre os deístas como Voltaire, porque
fala do Deus-relojoeiro, e faz uma imagem muito interessante, que
já havia percebido na leitura de O céu e o inferno,
a substituição de um Deus visto como imperador do universo
(cercado por seus anjos-cavaleiros), por uma "imensa república
de mundos governada por leis imutáveis, acima dos quais paira
a Razão, Razão consciente, que conhece a si mesma e
que é dona de si, que é Deus." (p. 82)
Surpreendendo seu interlocutor, Denis
afirma que a noção de Deus nos escapa (ele está
discutindo com Marius George o misticismo da concepção
de Deus) assim como as noções positivistas de infinito
e eternidade. Em outras palavras, ele aponta uma contradição
interna do positivismo: conceitos que não surgem da observação
de fatos, mas da razão.
O autor espírita francês
continua dizendo que Kardec entende "o sentimento religioso como
uma força" que pode ser utilizada para o bem da humanidade.
Ele afirma que a humanidade não tem menos necessidade do ideal
que do real.
Para ele, "o ideal é essa
intuição do melhor que nos eleva acima do visível,
do conhecido, do realizado, em direção de concepções
e de formas mais perfeitas." (p. 82) Nessa frase, Denis mostra
a seu interlocutor que uma visão exclusivamente positivista
seria reducionista, defendendo certo idealismo (escola filosófica).
Outra colocação genial
de Denis foi reconhecer que o sentimento religioso foi explorado por
uma casta sacerdotal que produziu abusos em seu nome, mas que "fortificado
pela ciência e pela Razão ele se tornará motivo
de aperfeiçoamento individual e de transformação
social". (p. 82)
O espírita de Tours faz um
análise das religiões e mostra que sua parte exclusivamente
humana e material é a "das definições, dos
dogmas e de todo o aparato dos cultos e dos mistérios",
da mesma forma que Kardec havia discutido em seu artigo de 1868.
Ele afirma que as experiências
espíritas dão uma base sólida à crença
na vida futura, retirando-a do domínio das hipóteses
e situando-a no domínio dos fatos (ele estaria se referindo
a uma teoria baseada em evidências, como se diz hoje?). Também
afirma que "seria uma grande falta, deixar às igrejas
o monopólio da ideia de Deus".
Com uma frase contundente, Denis reafirma
a insuficiência do positivismo e o valor do sentimento religioso,
quando escreve: "A missão do espiritismo não é
excluir o sentimento religioso do coração humano e a
noção de Deus, mas sim secularizá-los, para para
purificar, para elevá-los, para apoiá-los na razão,
a fim de torná-lo o motivo de melhoria." (p. 83)
O mais interessante do artigo é
ver que mesmo se opondo claramente à tese da redução
do espiritismo aos limites traçados pelo positivismo, Denis
respeita seu interlocutor. Ele conclui seu artigo dizendo:
"Mas qualquer que seja sua opinião
sobre este assunto, creia, meu amigo e irmão, que estamos de
acordo em pontos suficientes para que certas diferenças de
opinião não nos possam separar e que você vai
me encontrar sempre disposto a caminhar de mãos dadas na conquista
de destinos melhores para nós e para a humanidade." (p.
83)
Um texto muito importante para refletirmos
no meio espírita, nos dias de hoje.