
Hermínio Miranda
Hermínio Corrêa de Miranda (1920-2013)
é um escritor espírita brasileiro, articulista da
coluna “Lendo e comentando”, autor e tradutor de livros
publicados por diversas editoras espíritas. Uma lista com
seus livros e traduções se acha publicada na Wikipédia,
assim como uma pequena biografia, bastando digitar Hermínio
C. Miranda na régua de busca da Wiki.
Tira maior proveito dos livros do Hermínio quem já
tem uma visão geral do espiritismo, que se obtém nos
grupos de Estudo Sistematizado da Doutrina Espírita ou equivalentes,
mas isso não é um pré-requisito. O autor tem
linguagem simples, mas erudita, escrevendo para o público
em geral.
Para as pessoas que vieram do catolicismo ou do meio evangélico
e que conhecem a Bíblia, ou para os que são espíritas
e se interessam pela parte evangélica, recomendo que leiam
inicialmente o livro Os procuradores de Deus (Correio Fraterno).
Nesse livro Hermínio explicita todas as suas questões
pessoais com a chamada ortodoxia cristã e as soluções
que encontrou no espiritismo. Na segunda parte, as pesquisas associadas
às teses espiritualistas e parapsicológicas são
apresentadas por ele em doses homeopáticas e referindo-se
a autores que não tiveram tradução para a língua
portuguesa, ou a tiveram há muitos anos, não estando
mais nos catálogos das editoras. A terceira parte é
uma leitura sintética dos princípios espíritas.
Esse é um bom livro para se ler um ou dois itens por dia,
que não deve levar mais do que dez minutos.
Quem já conhece bem O evangelho segundo o espiritismo,
O céu e o inferno e A Gênese, de
Allan Kardec, bem como os principais comentaristas espíritas
dos evangelhos[1], tem uma boa base
para estudar os livros de Hermínio que tratam do cristianismo.
Entre eles dá para começar com Candeias da noite
escura (FEB) que ele escreveu com o pseudônimo de João
Marcos, que intercala textos doutrinários com análises
do evangelho e das vidas de seus personagens. Um livreto introdutório
que trata de uma questão bastante polêmica entre os
demais cristãos é intitulado A reencarnação
na Bíblia (Pensamento), que ele escreveu com seu estilo
tradicional, como quem está conversando consigo mesmo.
Os que gostam da história do cristianismo podem ler As
Marcas do Cristo (FEB), uma análise comparativa das
vidas de Paulo e Lutero, bem como Cristianismo, a mensagem esquecida
(O Clarim) que traz grandes questões levantadas por historiadores
do pensamento e da comunidade cristã. Ainda nessa linha,
temos as recuperações, pelo escriba, do pensamento
de cristãos considerados heréticos: O evangelho
de Tomé (Lachâtre), um texto gnóstico do
cristianismo primitivo e Os cátaros e a heresia católica
(Lachâtre), uma recomposição de uma heresia
sufocada com sangue ante o pedido da Igreja Romana medieval.
Aos que já conhecem O livro dos espíritos
e O livro dos médiuns, de Allan Kardec e se prepararam
ou estão se preparando para as atividades mediúnicas,
Hermínio Miranda escreveu diversos trabalhos na fronteira
entre a prática e o entendimento da mediunidade.
O primeiro que recomendo ler é O que é fenômeno
mediúnico (Correio Fraterno). Um livrinho introdutório,
inserido na série Começar, que vai tratar desde a
mediunidade nos tempos antigos até a pesquisas dos anos 70:
uma espécie de apanhado histórico da mediunidade.
A seguir leia, ou melhor, estude em grupo, o livro Diálogo
com as sombras (FEB), que trata do atendimento aos espíritos
desencarnados nas reuniões mediúnicas e que trata
da organização das reuniões e dos múltiplos
recursos que um atendente ou dialogador pode utilizar em sua tarefa.
Outra contribuição interessante é a coleção
Histórias que os espíritos contaram (Correio
Fraterno), que traz transcrições dos diálogos
que ele fez com inúmeros espíritos que, em bom número,
recordam de suas vidas passadas. Seus títulos são:
As mãos de minha irmã, A dama da noite,
A irmã do vizir e O exilado. Outro livro
importante aos trabalhadores das reuniões mediúnicas,
que recomendo ler após ter um bom conhecimento da teoria
e prática da comunicação com os Espíritos,
chama-se Diversidade dos carismas (Lachâtre). Nele,
Hermínio analisa as faculdades da médium Regina, conta
sua história e vai comentando as muitas questões da
mediunidade que vão surgindo, à luz de um conhecimento
amplo da literatura espírita e espiritualista de língua
inglesa e francesa. Diversidade é um bom livro para um grupo
de estudos com pessoas experientes, que dominam a literatura sobre
mediunidade. Um livro específico, que merece uma palestra
para os membros das reuniões mediúnicas das sociedades
espíritas é Memória cósmica
(Lachâtre). O livro trata de um tipo raro de mediunidade,
a chamada psicometria, na qual o médium percebe imagens e
cenas passadas, induzido pelo contato com um objeto material.
O livro mais vendido de Hermínio Miranda deve ter sido Nossos
filhos são espíritos (Lachâtre). Crônicas
curtas nas quais comenta as pesquisas da psicóloga Helen
Wambach, mediunidade na infância, crianças com deficiência,
educação e convivência, todas muito apropriadas
para uma reunião de pais, aos moldes da que temos em nossa
Associação Espírita, ao mesmo tempo em que
se evangeliza ou faz educação espírita das
crianças. Dois dos expositores das comemorações
do centenário de Hermínio Miranda escolheram esse
livro para apresentar. A semana foi suspensa em função
da pandemia, mas eles começaram a receber diversos convites
para fazer lives para casas espíritas que receberam a divulgação
do evento.
Hermínio publicou muita coisa sobre as pesquisas e estudos
internacionais de temas como a sobrevivência da alma e a reencarnação.
Sua obra sobre o assunto é uma oportunidade de se enriquecer
os estudos sobre esses temas nas casas espíritas. Muitos
expositores, sem o querer, acabam apresentando a reencarnação
como uma espécie de dogma, através de um tipo de “catecismo”,
no sentido de expor como se fossem “verdades para crer”.
Os mais cuidadosos fazem uma leitura de Allan Kardec, retiram os
pontos principais e os apresentam com sua argumentação
filosófica. Outros escolhem a abordagem dos relatos espirituais
para falar de reencarnação e sobrevivência da
alma. Os livros ditados a Chico Xavier e Yvonne Pereira são
muito usados, mas o expositor pode optar por uma “escolha
cirúrgica”, excluindo as análises e deixando
apenas a narrativa da história, o que deixa seu público
capaz apenas de recontar as histórias. A contribuição
de Hermínio foi ler estudiosos que chegaram à conclusão
da sobrevivência e da reencarnação sem terem
conhecido o espiritismo, muitos deles observando e analisando fenômenos
e fatos. Ele apresenta uma nova perspectiva de exposição
desses dois importantes princípios doutrinários. Nessa
linha, temos o livro Reencarnação e imortalidade
(FEB), Sobrevivência e comunicabilidade dos espíritos
(FEB), De Kennedy ao homem artificial, escrito em parceria
com Luciano dos Anjos (FEB), As duas faces da vida (Lachâtre)
e o denso Eu sou Camille Desmoulins. Esse último
merece uma espécie de simpósio para ser estudado a
contento, onde se analisasse o método de Regressão,
as biografias de Desmoulins e Luciano dos Anjos e as informações
obtidas nas sessões. Infelizmente, parece estar esgotado.
Um livro de ensaios gerais que pode ser lembrado com esse grupo
de escritos chama-se As mil faces da realidade espiritual
(Edicel), no qual recomendo o capítulo “Quem é
o Espírito de Verdade, guia de Kardec”.
Passo a comentar as incursões que Hermínio fez na
fronteira entre a psicologia e o espiritismo. Basicamente, ele entende
que como as ideias espíritas não são apenas
fantasias, mas fazem parte da experiência humana, passa a
promover releituras e diálogos com teóricos da psicologia,
psiquiatria e magnetismo animal-sonambulismo, mostrando que algumas
categorias analíticas espíritas explicam melhor alguns
fenômenos. Miranda não fica apenas na especulação,
mas faz relatos de casos, obtidos geralmente fora do contexto espírita,
com seus detalhes e peculiaridades, concluindo com um diálogo
com os autores que os explicaram anteriormente. Condomínio
Espiritual (Lachâtre), é uma releitura dos transtornos
dissociativos de identidade. Autismo: uma leitura espiritual
(Lachâtre) é uma incursão nos hoje chamados
transtornos de espectro autista, que foi bem acolhido pelos pais
de crianças com TEA. A memória e o tempo (Lachâtre)
é um pouco diferente. Hermínio sintetiza os autores
que lidaram com as intrincadas questões da memória,
como Charcot e Bernheim na França do século 19, Albert
de Rochas, Freud e os psiquiatras do século 20 que trataram
de recordações de vidas passadas. Miranda tempera
com casos da sua experiência pessoal e conclui assumindo-se
leigo. Esse livro merece um seminário, preparado por expositores
com formação em psicanálise e psiquiatria,
de pelo menos um final de semana, para ser bem absorvido, ou um
ciclo de estudos com pelo menos oito exposições dialogadas,
voltadas ao público interessado (profissionais espíritas
de saúde, trabalhadores de atendimento fraterno, membros
de reuniões mediúnicas e expositores ou estudiosos
do espiritismo).
Dos livros de personalidades históricas, geralmente ligados
a memórias do passado, mas escritos com um grau enorme de
detalhamento, temos As sete vidas de Fénelon (Lachâtre),
Os senhores do mundo, concluído por Lygia Barbiére
(Lachâtre), Arquivos Psíquicos do Egito (Lachâtre),
A noviça e o faraó (Lachâtre) e Swedenborg:
uma análise crítica (CELD). A maioria desses
livros são para leitura em casa ou em “clubes de livro”,
reuniões em que os membros leem um livro simultaneamente
e comentam entre si. Adiciono, então, o belíssimo
O pequeno laboratório de Deus, que não é
um livro espírita, mas trata de uma vida a ser conhecida
por todas as pessoas.
O maior desafio para nós, hoje, é o estudo da série
História Triste. Só dá para explicar
se o leitor tiver um pouco mais de paciência e ouvir a história
da produção dos livros. A dona de casa Pearl S. Curran,
em 1913 (Chico Xavier tinha 3 anos!) resolveu fazer uma experiência
com duas amigas em seu apartamento na cidade de Saint Louis –
Estados Unidos. A tábua moveu-se, letra por letra, construindo
a frase:
“Muitas luas atrás eu vivi. Novamente venho –
Patience Worth é meu nome.”
A Sra Curran tornou-se uma das maiores médiuns da história
com faculdades literárias. Patience, aos poucos, explicou
que como viveu no século 17, na Inglaterra que Curran nunca
houvera ido. Em função disso, o espírito só
poderia provar sua experiência através da linguagem,
em função da ausência de registros de sua existência.
E começa a fazer literatura através da dona de casa-médium
norte-americana. Os livros de Patience Worth e a mediunidade de
Pearl Curran despertaram a atenção de especialistas.
Bozzano escreveu um trabalho sobre a médium, no qual relata
que uma das características empregadas pelo espírito
foi usar palavras de época (de um inglês anterior a
1.600) que chegam a estar presentes em 90% do texto.
Hermínio Miranda traduziu da dupla Pearl-Patience, o livro
A história triste. Um texto belíssimo, e
ao mesmo tempo profundo, faz uma ficção com dois personagens:
Ódio, filho de Tibério com uma escrava grega, e Jesus,
filho de Maria. O livro impressiona pelas descrições
de época, mas não é de leitura fácil.
O discurso é intimista, psicológico, com uma riqueza
imensa de informações da história e da geografia
do lugar e imagino que a tradução tenha feito perder
muito do inglês que foi utilizado para escrever o livro, mas
ainda assim, é uma grande realização intelectual.
A editora Lachâtre publicou o livro em três volumes:
“Panda”, “Hatte” e “Jesus”,
e publicou também um livrinho para explicar ao leitor quem
é a médium e como foi feito o trabalho, contendo também
o ensaio de Ernesto Bozzano. Esse livro ficou com o título
O mistério de Patience Wortth. É um desafio
pensar em uma forma de estudá-lo nos centros espíritas.
Creio que ele merece um seminário, com expositores diversos,
abordando a época, a geografia, uma análise do significado
dos personagens e uma palestra apenas para o episódio da
crucificação, que Patience psicografou em uma sessão
de mais de 5.000 palavras.
Não consegui falar de tudo o que Hermínio publicou,
mas espero incentivar os dirigentes espíritas que conseguiram
chegar ao final da leitura desse texto a valorizar esse estudioso
dedicado para o dia-a-dia dos estudos de nossas casas espíritas
no Brasil.