
Cristiana Grumbach e a capa do DVD
Freud dizia que o inconsciente
é atemporal. Ele certamente esbarrou na capacidade que todos
temos de reviver o que nos é marcante emocionalmente. Há
situações que ficam intactas na mente, não
importam os anos.
Este foi um dos primeiros impactos
que tive ao assistir o documentários "As Cartas de Chico
Xavier", que já pode ser comprado (talvez há
muito tempo...) nas lojas que comercializam DVDs. Não foi
caro (bem mais barato que um almoço em família num
restaurante), e comprei junto com "E a vida continua".
O projeto de Cristiana é
muito audacioso. Em vez de fazer algo para o grande público,
ela focaliza mães e pais que tiveram seu sofrimento minorado
ao receber notícias dos filhos que se foram, através
do lápis de Chico Xavier.
O que pude ver são pessoas
simples, doídas, algumas delas parecem ter elegido o cuidado
dos filhos como seu trabalho mais importante, sua razão de
ser, e foram colhidas com a dor da perda. Ao sofrerem mais uma vez,
diante das câmaras, elas revivem a perda, sem conseguir ocultar
emoções, e algumas confessam o atordoamento da perda
de sentido de viver. Como Cristiana optou pelo silêncio ao
fundo, em vez de música, as palavras das mulheres e homens,
os cortes, as letras de letreiros que espelham o conteúdo
das mensagens do Chico soam amplificadas. Ela fez uma peça
de arte que ressoa no fundo da alma.
Chamou-me a atenção
as explicações, os sentidos criados para a perda,
alguns deles, ante meus ouvidos de psicólogos, soaram como
schematas, frases feitas no meio social que são raptadas
pelos sujeitos para explicar, mas que não brotam do seu interior.
Do interior brota a dor, a falta, a tristeza, que insistem em não
passar nos momentos da entrevista, mas que se tornaram plataforma
para uma nova construção, que infelizmente Cristiana
não explorou.
Os depoimentos e as cartas em si
são um material riquíssimo para a compreensão
da mediunidade, e da precariedade do médium ante os destinatários.
Quantas vezes o Chico fala de pessoas que são desconhecidas
aos seus interlocutores, que recebem com desconfiança as
informações, para apenas depois encontrarem a verdade
da fala. Fico pensando quantas pessoas não teriam buscado
o Chico e jogado fora informações valiosas, que ele
próprio não tem como detalhar ou fundamentar. A intuição
mediúnica parece ser uma faculdade desamparadora para o médium,
a exigir confiança e risco de falibilidade.
Fiquei um pouco cansado após
algumas entrevistas, mas eu não conto. Creio que este é
um material riquíssimo para ser apresentado publicamente
nos centros espíritas, antes das reuniões públicas.
Penso que deveria ser passado um depoimento por reunião.
Eles despertarão o interesse por um conhecimento mais substancial
do espiritismo, apesar do risco de algumas pessoas quererem buscar
médiuns-carteiros do mundo dos espíritos.
Agradeço ao Ademir
Xavier a dica silenciosa do filme. Ele não sabe, mas no trabalho
de revisão da bibliografia do mais novo trabalho dele, que
será publicado no 9o. ENLIHPE, encontrei esta pedra preciosa.