Pelos Bispos Jack Spong (ECUSA) e Peter J.
Lee (África do Sul)
Catequese – “Um diálogo entre os crentes”
(Dicionário de Teologia Westminster)
Escrita por sugestão do Arcebispo de Cantuária, Sua
Graça Reverendíssima George Carey.
Há cem anos não havia debate sobre a homossexualidade
na vida da Igreja Cristã. Hoje essa discussão enraivece
em toda a parte da cristandade, às vezes, abertamente, às
vezes, ocultamente. Em algumas partes de nossa Comunhão esse
debate ameaça separar os cristãos em campos de batalha.
Em nossa Comunhão já ouvimos ameaça de excomunhão,
de um la-do, e, de outro, convite para deixar. Temos observado evidência
de que esse debate pode deflagrar palavras danosas e insolentes e
até condutas fisicamente violentas.
Debaixo dessa discussão colocada
em termos bíblicos, morais e teológicos, acreditamos
que há uma divergência na definição da
homossexualidade. Se esta for considerada atividade maléfica
optada pela gente moralmente depravada ou mentalmente doentia e condenada
por Deus, pela Escritura e tradição como sendo pecaminosa,
então, a Igreja dificilmente poderá acomodar-se com
esse estilo de vida. Acomodação seria, nesse caso, a
violação de tudo que essa posição mantém
como sendo sagrado. Dada a essa definição, os adeptos
dessa posição consideraria qualquer tentativa de acomodação
de gays e lésbicas por parte de quem quer que seja na Igreja
como sendo a violação da vontade de Deus, como abandono
dos princípios cristãos. Aqueles que adotam essa perspectiva
assumem, então, que os que se lhe opõem não podem
ser fiéis a Cristo, à Bíblia e aos valores cristãos.
Portanto, parece natural que eles considerem que seus oponentes “abandonaram
a essência da fé cristã para a abraçar
a agenda gay.”
No outro lado deste debate estão
os cristãos que se convenceram de que, pelas percepções
da ciência moderna, a orientação homossexual é
aspecto natural e normal, embora minoritária, da experiência
sexual humana. Não se trata de alguma coisa que se opta ou
condicionada, mas alguma coisa que é. A homossexualidade é,
para quem mantém esta posição, como ser canhoto,
que é estatisticamente um desvio da norma de vida humana que
foi, outrora, causa de discriminação e perseguição.
Estes membros de nossa Igreja sustentam que a sexualidade é
moralmente neutra e que tanto heterossexualidade quanto homossexualidade
podem ser vividas ou de modo destrutivo ou de modo que afiem a vida.
A posição da Igreja, argumentam eles, deve ser a de
se opor a todos os usos destrutivos do dom da sexualidade humana e
de apoiar aquelas expressões que redundem em vida e plenitude
das pessoas envolvidas. Isso seria sua em relação com
os heterossexuais e homossexuais.
Os que advogam este ponto de vista
acreditam que o conhecimento disponível às pessoas hoje
que surge dos estudos do cérebro e como este funciona tem efetivamente
desafiado as definições anteriores. Por exemplo, observa-se
que a ciência hoje pode documentar a pre-sença de homossexualidade
entre animais que se supõem não ter a liberdade de pensar
e capacidade de escolha. Simplesmente, despertam para a homossexualidade.
Portanto, argumentam eles, as pessoas despertam para a homossexualidade.
Para o argumento de que a homossexualidade viola a Escritura esses
membros de nossa Comunhão apresentam um contra-argumento lembrando
a Igreja de outras atitudes antigas encontradas nas Escrituras que
abandonamos por causa das novas descobertas e atitudes culturais em
mudança. A sugestão de que a terra é o centro
do universo, em torno do qual o sol gravita é uma delas. Do
mesmo modo, a legitimidade da escravidão como uma instituição
social, a posição de segunda classe da mulher e idéia
de que a epilepsia é causada pela possessão demoníaca.
Todavia, cada uma dessas questões foi apoiada pelas citações
bíblicas e considerada vontade de Deus.
Assim temos essa grande linha divisória.
A nossa Igreja tem estimado os bispos fiéis que se colocam
em ambos os lados do debate. Nenhum lado, operacionando com suas definições,
pode com integridade comprometer suas posições. Ambas
as partes sustentam suas posições como não só
verdadeiras, mas também único meio de ser fiéis
a Deus, a quem se sentem chamados a servir. Os sentimentos esquentam
bastante. As soluções não são fáceis.
Há ainda outros membros desta Comunhão que se colocam
com incerteza entre essas duas definições. Sentem-se
incertos e receosos com o presente debate. Não têm chegado
às conclusões firmes e consideram-se desconfortáveis
diante dos que têm suas conclusões. Os membros desse
grupo estão lutando conscienciosamente para discernir a mente
de Deus nessas matérias e não estão neste momento
preparados para tomar decisões. Ao tentar evitar a divisão,
mas não em detrimento da verdade ou da busca da verdade –
o que não se quer é a supressão da verdade e
limitação da busca da mesma – nós, representantes
dos componentes vastamente diferentes, oferecemos à Conferência
de Lambeth a se-guinte proposta. Não sugerimos concessões
(solução conciliatória), porque não acreditamos
que a concessão seja possível ou que seja um caminho
adequado para alcançar as conclusões morais. Antes oferecemos
o caminho pelo qual os membros desta Igreja possam andar juntos para
o futuro, sem exigir daqueles que sustentam as convicções
diametralmente opostas a sensação de que estão
sendo solicitados ou levados a sacrificar suas convicções
ou sua compreensão do Evangelho. Esta proposta envolve dois
passos:
Primeiro, nós como bispos de
Lambeth, devemos fazer o esforço consciencioso para descobrir
em nosso presente conflito aquelas áreas em que ambas as partes
possam encontrar acordo substancial. Segundo, naquelas áreas
onde o acordo não é possível, o nosso compromisso
para a com a verdade exige de nós – assim acreditamos
– a exposição de dois pontos de vista competitivos
lado a lado tanto quanto possível, sem juízo de valor,
permitindo que se coloquem com sua integridade, em relevo claro. A
descrição exata das questões de nossa divisão
pode provar ser um serviço mais valioso que a Conferência
de lambeth possa oferecer à Igreja neste tempo.
Ao procurar atingir este segundo alvo,
sugerimos que a Lambeth 1998 não deve colocar em votação
a matéria cujo resultado implicaria em que um lado do debate
sai vencendo e outro, derrotado. Em nossa opinião, a Igreja
está bem dividida e a divisão é bem profunda
que a vitória de um lado é apertada e os que se sentem
derrotados não vão aceitar a derrota passivamente. Nenhum
desses resultados faria justiça para os indecisos no sentido
ter tempo suficiente e espaço para chegar a uma visão
mais clara. Isso redundaria em que o Corpo de Cristo ficasse ferido
e o nosso ministério de testemunho enfraquecido.
Por outro lado, a Conferência
de Lambeth não pode ignorar que esta questão em debate
ou divisão resultante na Igreja e na sociedade seja assim mesmo
relevante ao mundo em que vivemos. Assim, a nossa proposta consiste
em que passemos resoluções onde houver con-senso forte
e onde não houver entreguemos as áreas de divergência
a um painel a ser organizado pelo Arcebispo de Cantuária, composto
de líderes articulados de ambas as partes e espectro entre
os membros. Esse painel deve incluir pessoas que a comunidade de gays
e lésbicas e a comunidade evangélica possam reconhecer
como seus porta-vozes autênticos. Então, esse painel
poderia continuar com seu trabalho nessas questões num ambiente
mais adequado para a busca das soluções a longo prazo.
Reconhecemos que nem a Conferência de Lambeth, nem tal painel
internacional que a Conferência possa criar têm autoridade
sobre as Províncias de nossa Comunhão. Por´m acreditamos
que tal painel pode ajudar as Províncias os organismos interinos
na sua tentativa de tratar apropriadamente essa questão. É
nossa esperança que esse painel terá sucesso em criar
um lugar propício onde as vozes divergentes de nossa Comunhão
possam ser ouvidas bem como um lugar onde a Igreja possa ouvir as
fontes profissionais de peritos que possam iluminar o nosso debate.
Também, esse painel pode combinar aquele dom do mais tempo
para examinar essas questões em profundidade com muitas orações,
ao mesmo tempo em que se procura a orientação do Espírito
Santo. É, também, a nossa recomendação
que esse painel seja solicitado a relatar oficia-mente á próxima
Conferência de Lambeth, compartilhando não só
suas conclusões, se algumas forem alcançadas, mas também
o processo de seu pensamento de modo que os bis-pos de nossa Comunhão
possam ser informados e nossas consciências chamadas a qualquer
ação que pareça apropriada.
Em nossas conversações
identificamos seis questões principais que articulam o nosso
debate. Acreditamos que é possível alcançar um
consenso nas três questões. Acreditamos que tudo que
podemos fazer com outras três é descrever as diferenças
entre nós de modo razoável. Assim colocamos diante da
Conferência de Lambeth, primeiro, as áreas onde pen-samos
que o nosso acordo é possível e expressamos a esperança
de que os bispos de Lambeth falem com a voz da unidade nessas questões.
Então, temos a intenção de descrever as áreas
de nossa divergência, procurando somente descobrir a clareza
naquelas coisas que nos dividem profundamente e expor aquelas questões
com integridade que cada lado exige. Então, solicitaremos à
Conferência de Lambeth entregar essas questões ao painel
designado para maior estudo.
I. ÁREAS EM QUE PENSAMOS PODER TER POSSÍVEL ACORDO
A. Acreditamos, primeiramente
que as pessoas homossexuais são filhos e filhas de Deus que,
com toda a família humana, participam do amor de Deus e que
devem, portanto, ser tratados com imparcialidade, justiça e
igualdade diante da lei. Repugnamos a hostilidade com que os gays
e lésbicas têm sido têm sido tratados pelos cristãos
e não cristãos no decorrer de nossa história.
Homossexuais têm sido mortos, espancados, despedidos de seu
trabalho, expulso de suas famílias simplesmente por serem o
que são.
Também, deploramos aqueles tempos quando a retórica
dos cristãos sugeria que a conduta destrutiva e degenerada
que todos nós condenaríamos seria a conduta padrão
de todos os homossexuais. Reconhecemos que ofensa para com as crianças
é um mal do qual os heterossexuais e homossexuais têm
sido culpados. A ofensa à criança é um mal do
qual os heterossexuais e homossexuais têm sido culpados. A ofensa
à criança não e a inclinação de
todos, nem da maioria dos homossexuais e nem mais do que os heterossexuais.
Todas as vezes que a nossa retórica sugere o contrário
somos culpados de espalhar a ignorância e preconceito. Chamamos
a Igreja ao arrependimento onde essas re-presentações
errôneas tenham ocorrido e à sensibilidade e exatidão
em todas as futuras conversações. Acreditamos que o
povo cristão em ambas as partes de nosso presente debate pode
encontrar acordo significativo em torno destes primeiros princípios.
B. Segundo, permanecemos
juntos em sustentar a sacralidade do casamento e a importância
da unidade familiar em cada sociedade. Reconhecemos que a sexualidade
é um aspecto de nossa humanidade que pode propiciar tanto a
vida quanto a morte aos indivíduos. Tradicionalmente, a posição
da Igreja tem sido de que a sexualidade é apropriada somente
numa relação compromisso total público entre
um homem e uma mulher. O Ofício do Santo Matrimônio foi
designado para ser o momento em que o compromisso público foi
reconhecido pelo Estado e abençoado pela Igreja. Não
há desejo por parte de ninguém que conhecemos de enfraquecer
ou minar o nosso respeito pelo Santo Matrimônio. Mesmos aqueles
que argumentam que os benefícios do casamento devam ser abertos
para os casais do mesmo sexo não questionam a beleza, a santidade
e poder encontrados nesta unidade básica da sociedade humana.
Embora ainda incapazes de che-gar a um acordo sobre qualquer expansão
desta instituição do Santo Matrimônio para incluir
os que ainda não estão incluídos, estamos de
acordo que há uma necessidade de chamar a Igreja em toda parte
para apoiar, defender, embasar e fortalecer os laços que mantêm
o casamento. Deploramos a taxa elevada de divórcio em nossas
várias sociedades. Observamos as desigualdades, às quais
estão submetidas as mulheres em redor do mundo, em educação,
em oportunidades profissionais e outras que pertencem ao bem estar
social e cultural. Estamos conscientes de que a Conferência
tem dado sua bênção para aceitar na Igreja unidades
de famílias polígamas sob certas condições
em partes de nossa Comunhão. Mas encontramos concordância
na crença de que a relação ideal para homens
e mulheres heterossexuais encontra-se ainda no Santo Matrimônio
monôgamo e vitalício. Além disso, acreditamos
que a busca da plenitude humana para os heterosexuais pode bem ser
servida pelo compromisso renovado por parte desta Igreja com o padrão
de vida casada monôgamo, fiel, amoroso e vitalício entre
um homem e uma mulher e que os casamentos saudáveis constituem
fator importante na criação de filhos saudá-veis.
A despeito desse ideal, também reconhecemos que, onde as exigências
da vida as-sim o requerem, pais e mães solteiros, padrastos,
madrastas e irmãos e irmãs e pais e mães substitutos
têm exercido as tarefas dadas por Deus para a criação
de filhos com beleza e santidade e descobrimos que é causa
para a ação de graças.
C. Terceiro, nós
acreditamos que uma vasta maioria dos bispos desta Comunhão
está disposta a declarar que qualquer atividade sexual que
seja predatória e indesejada, qualquer padrão de conduta
sexual que procura impor sobre uma pessoa fraca a vontade da pessoa
forte são errôneos e devem ser condenados por esta Comunhão.
Compartilhamos essa convicção seja em relação
à conduta de heterossexuais ou de homossexuais.
Além disso, acreditamos que há um consenso de que, nesta
Comunhão já existente a ser declarado, a conduta sexual
promíscua praticada por qualquer um é desumanizante
para os ambos parceiros, portanto, errôneo. Afirmamos que o
sexo é um dom de Deus intencionado para ser partilhado numa
relação de compromisso último. Quando esse nível
de compromisso na relação estiver ausente o sexo é
banalizado, é negada a santidade humana e a pessoa torna-se
objeto a ser usado, ao invés de ser amada. Acreditamos que
a ordem da Criação estabelecida por Deus é que
devemos amar as pessoas de modo apropriado e usar coisas apropriadamente.
Quando essa ordem é violada e coisas amadas e pessoas usada
inapropriadamente, acreditamos que o propósito da Criação
é violado. É nossa esperança que a Conferência
de Lambeth possa afirmar esse princípio, condenando qualquer
conduta que seja predatória e promíscua.
II. ÁREAS EM QUE O ACORDO NO MOMENTO NÃO É POSSÍVEL
A. BÊNÇÃO
DOS CASAIS DO MESMO SEXO
É o celibato única opção para os gays
e lésbicas se desejarem ser cristãos? Aqui as vozes
dos bispos são claramente sim e não. Podemos identificar
alguns padrões de conduta sexual para gays e lésbicas
que pudessem ser considerados santos? Mais uma vez, as vozes são
contraditórias em suas respostas. Nesta questão não
há uma concordância á vista. Portanto, procuramos
só descrever os pontos de vista conflitantes.
Há claramente membros dedicados
de nossa Igreja, inclusive os que têm sido escolhidos para ser
nossos bispos, que consideram a homossexualidade, quando expressa
em conduta humana, não só pecaminosa e errônea,
mas também não-natural. Eles apontam para a interdependência
dos órgãos sexuais masculinos e femininos, para o pa-pel
necessário de ambos os sexos para a reprodução
e concluem que uma orientação sexual direcionada para
o seu próprio gênero viola a ordem criada. E sugerem
que, visto que a homossexualidade, na visão deles, distorção,
deve ser receptiva à cura e recomen-dam tais curas devem ser
buscadas. Se for determinado, em alguma incidência específica,
que não há condição para a cura, então,
eles acreditam e argumentam que a sexualidade deve ser reprimida e
considerada como uma cruz que deve ser carregada como uma das fraquezas
e deformidade humanas consideradas “trágicas”.
Qualquer “estilo de vida”, eles argumentam, que envolva
alguma expressão de sexualidade pelos homossexuais deve ser,
portanto, evitada pelos cristãos. Os cristãos que sustentam
este ponto de vista são cuidadosos em afirmar que não
condenam as pessoas, mas somente a conduta. O nosso propósito
neste momento não é o debate sobre essas conclusões,
mas simplesmente expor essa visão aberta e honestamente e com
integridade. É necessário que todos os membros desta
Comunhão saibam que essas conclusões representam as
convicções de uma parte significativa e até numericamente
majoritária do povo de nossa Comunhão.
Este ponto de vista encontra a oposição
por parte de outros membros desta Igreja que argumentam que essas
conclusões levaram, no passado, à perseguição
dos canhotos e à justificação da escravatura
por parte dos cristãos. Eles consideram-nas errôneas
e profundamente preconceituosas. Esses argumentos, eles sustentam,
criaram aquelas atitudes e convicções que, no passado,
levaram o mundo negar às mulheres o direito de voto e à
busca de formação universitária e carreira profissional.
Estes cristãos sugerem que que essa atitude não está
baseada num conhecimento adequado. Em apoio dessa conviccão,
eles apontam para a consistência da presença dos homossexuais,
na população humana no mundo, em toda a história
registrada. Eles consideram essa consistência de números
como um fato, embora reconheçam que a homossexualidade tenha
sido reprimida em algumas sociedades, fazendo com que números
pareçam menores do que a realidade, e, em algumas sociedades,
aceita e celebrada, fazendo com que os números maiores do que
o fato. Eles consideram os estudos que demonstram ser conclusiva que
a homossexualidade é um dado da vida e não uma opção.
A maioria dos que sustentam esta perspectiva considera como competentes
aqueles estudos que demonstrem conclusivamente que a homossexualidade
não está sujeita à mudança e eles consideram
culpados de conduta fraudulenta e violência pastoral os que
procuram forçar os homossexuais à conduta heterossexual.
Eles reconhecem e honram o celibato como opção para
todos, mas consideram que o mesmo como uma vocação e
não como um modo de vida, a que os de orientação
homossexual sejam obrigados quando não são vocacionados.
E argumentam ainda que a energia sexual não deve ser reprimida
entre os heterossexuais bem como entre os homossexuais, a não
ser que as pessoas assim desejar livremente. Portan-to, eles argumentam
que é imperativo que a sociedade venha reconhecer essas relações
e a Igreja abençoar as mesmas formadas entre gays e lésbicas
como casais cristãos do mesmo sexo, que desejam viver em relação
de fidelidade e compromisso e que anelam por ter Deus como seu parceiro
de uma vida conjunta. Aqueles que sustentam esta visão acreditam
que o fracasso da sociedade em reconhecer as uniões do mesmo
sexo e da Igreja abençoá-las só serve para desestabilizar
o compromisso e para encorajar conduta promíscua, que todos
concordam que não é ideal de modo algum. Eles propõem
que a Igreja elabore liturgias para a bênção das
uniões do mesmo sexo e forme seu clero para ajudar os gays
e lésbicas no seu preparo para a vida de compromisso conjunto
e do sustento desse compromisso assim como se faz no conselho pré-matrimonial
dos heterosexuais. Eles consideram danosa, hostil e contraproducente
para a estabilidade social a tentativa de negar essa opção
de compromisso público aos homossexuais.
Considerando que essas duas posições
são tão distintas, acreditamos que o debate sobre essa
matéria não será produtivo, mas criaria mais
calor do que a luz. Considerando que os pressupostos subjacentes em
cada posição não serão aceitáveis
a outra parte, recomendamos que a Conferência de Lambeth deixe
de resolver essa questão de maneira claramente prematura e
destrutiva, mas ao invés disso, refira a matéria, sem
juízo de valor, ao painel proposto, a ser formado a partir
desta casa, para o estudo durante a próxima década.
B. ORDENAÇÃO
AO PRESBITERADO DOS GAYS E LÉSBICAS QUE VIVEM AS RELAÇÕES
FIÉIS E MONOGÂMICAS
Devem ser ordenados os homossexuais não celibatários?
Por não celibatário ninguém quer dizer “promíscuos”.
Antes queremos dizer alguém que vive a relação
de fidelidade e monogamia, dedicado um ao outro, presumivelmente,
vitaliciamente, pode servir à Igreja como pessoa ordenada?
Para quem acredita que a homossexualidade é desvio da norma
heterossexual, a resposta é claramente não. Ninguém
ordena um estilo de vida que é um desvio e não é
normal. Seria uma afronta à Igreja, se assim procedesse, afirmam
eles. Isso implicaria em estender o status e o papel de modelo presentes
no presbiterado a um modo de vida, o qual tem sido historicamente
condenado pela Igreja como sendo errôneo. Isso equivaleria considerar
santo o que se considera inerente mau. Aqueles que as-sim pensam afirmam,
também, que considerando ser o presbítero ser representante
de Deus no altar, a ordenação sugeriria ao povo da Igreja
que a homossexualidade pode efetivamente ser vista como parte do que
Deus é. Tal idéia seria impossível para esses
cristãos. Hoje eles não são capazes nem desejam
falar na ordenação dos gays e lésbicas e não
acreditam que essa convicção profundamente sustentada
por eles jamais mudará. Considerar que a Conferência
de Lambeth fale apenas na possibilidade seria para eles uma afronta
a tudo que eles consideram santo.
Outros cristãos, partindo de
uma outra definição, fazem a sua réplica de que
a Igreja já tem homossexuais nas suas três ordens. Eles
fazem a citação de historiado-res que reconhecem que
os homossexuais têm feito parte do sacerdócio desde a
aurora do Cristianismo. Portanto, eles afirmam que a questão
não está em se a Igreja deve ordenar os homossexuais,
mas se a Igreja deve ser, simplesmente, honesta acerca das coisas
que ela sempre fez.
Eles acreditam que a homossexualidade é parte natural da vida
humana. Portanto, a parceria gay ou lésbica que seja fiel,
monogâmica e intencionalmente vitalícia pode, efetivamente,
satisfazer uma das exigências da ordenação de
ser “exemplo salutar para o rebanho de Cristo”. Além
disso, eles afirmam que a Comunhão Anglicana expressa-se em
amplamente variadas diferenças culturais. Eles apontam para
o fato de que, em algumas partes do mundo cristão, a homossexualidade
é não só aceita, mas também abertamente
considerada parte da criação de Deus. Nessas partes
do mundo, há comunidades de fé que estão preparadas
para aceitar como seus sacerdotes e diretores espirituais os cristãos
gays e lésbicas, que têm sido chamados por Deus e reconhecidos
pelo processo decisório da Igreja. Eles ressaltam que, em alguns
contextos urbanos no mundo ocidental, a falha em prover acesso aberto
a todas as pessoas qualificadas para todos os aspectos da vida da
Igreja resulta num re-trocesso do Ministério de Cristo. Além
disso, eles mencionam a experiência de certos bispos urbanos
proclamam que o ministério de presbíteros abertamente
homossexuais, que, em algumas instâncias, vivem em relações
monogâmicas, foram marcados com integridade e efetividade e
que têm servido para enriquecer a Igreja.
Mais uma vez, nós reconhecemos
que estas duas visões são mutuamente exclusivas. Um
lado pensa que outro lado está “abençoando o que
Deus condena e está denominando o mal de bem”. Outro
lado acusa que o preconceito e a ignorância têm cegado
alguns cristãos de modo que não podem reconhecer a rejeição
e ofensa mal informada de sua própria retórica e conduta.
Esta questão não se presta para concessão e a
divisão é tão profunda que, claramente, exige
mais tempo e mais estudos. Por essas razões recomendamos que
essa questão e dois pontos de vista em conflito podem ser discutidos,
se essa for a mente da Conferência, mas, então, sejam
referidos, sem voto, ao painel continuador que esperamos seja designado
pelo Arcebispo de Cantuária.
C. AUTORIDADE
DA BÍBLIA
Implícita nestas divergências esta uma terceira questão,
sobre a qual não podemos encontrar um consenso. Isso tem a
ver com as visões sobre o uso e autoridade da Sagrada Escritura.
A Bíblia poderá, certamente, ser lida para a condenação
da prática homossexual. Ambas as partes admitem isso. Para
alguns membros desta Comunhão isso é tudo que se exige
de seu juízo e opinião. Eles acreditam que a verdade
final d Deus encontra-se na Sagrada Escritura que eles acreditam ser
a auto-revelação de Deus. Outros cristãos argumentam
que a Bíblia chama-nos, também, para além das
barreiras e preconceitos que, outrora, excluíram da plenitude
da vida da Igreja os gentios, samaritanos, leprosos, gente ritualmente
impura, mulheres, canhotos, minorias raciais e os suicidas. A rejeição
dos homossexuais por parte da Igreja é apenas mais um preconceito
que cita a autoridade da Bíblia, afirmam eles. Estes membros
de nossa Comunhão se opõem a uma interpretação
literal da Bíblia. Porém é necessário
que se diga que ambas as partes valorizam altamente a Bíblia
e nenhum lado recomendaria nem adoração da bíblia
como um ídolo e nem que seja colocada de lado como irrelevante.
Todavia ambas as acusações
têm sido feitas neste debate. O uso apropriado da Bíblia
está, por conseguinte, em debate e isso se torna a terceira
questão, sobre a qual esta Comunhão não pode
chegar a um consenso. Todavia como decidimos esta questão influi,
claramente, no como outras duas questões são decididas.
Assim solicitamos esta questão seja, também, referida
ao painel a ser designado.
Se a Conferência de Lambeth debater essas questões conflitantes
e forçar o voto de um modo ou de outro, o resultado será
amargura e, certamente, o relatório da minoria será
divulgado por parte dos perdedores.
O nosso senso é que, com tempo, paciência e estudo, esta
Igreja é capaz de chegar a um consenso nessas questões,
de um modo ou de outro, embora não esteja no horizonte. Apenas
solicitamos que a Conferência de Lambeth propicie a esta opção
possibilidade, neste momento, proporcionando-lhe meios a serem criados
e feitos disponíveis a esta Comunhão.
Enquanto este debate sobre estas
três questões cruciais continua irresolúvel, cremos
que podemos ainda progredir conduzindo o debate de modo que se revela
o amor Deus para todo o povo de Deus. Apelamos aos Bispos da Comunhão
Anglicana abaixar os decibéis da retórica hostil, procurar
respeitar os outros, cujas opiniões honestas os colocam contra
outros cristãos e tentar evitar as ofensas a qualquer parte
do Corpo de Cristo. Apelamos aos bispos que acreditam que a homossexualidade
é um mal tenham o tempo para se encontrar com gays e lésbicas
cristãos que se sentem ser tratados, às vezes, como
quem bate a porta da Igreja que os rejeita e ainda se considera ser
o Corpo de Cristo e conhece-los melhor. Apelamos aos bispos que acreditam
que os gays e as lésbicas devem receber a plena acolhida para
plena vida da Igreja sem julgamento algum vão ao encontrar
dos cristãos que acreditam que a homossexualidade é
tão má que qualquer acomodação representaria
violação do seu compromisso com Cristo e os conheçam
melhor. É necessário que ambas as partes entrem no mundo
do outro para entender o temor do outrem e compartilhar seus sofrimentos
como agentes redentivos do Encarnado, que veio a nós muito
antes que mereçamos esse dom gracioso.
É nossa esperança e
oração que a Comunhão Anglicana através
de exemplo de seus bispos possa ser modelo de um método de
lidar com conflito, mesmo conflito dilacerador, isto é, tratar
dignamente as pessoas com as quais discordamos, reconhecer como legítimos
os pontos de vista competitivos e, aparentemente, irreconciliáveis
que nos dividem e mantê-los em tensão dinâmica
e nos comprometer a viver de modo orante para as soluções,
confiantes de que o Deus a quem servimos nos guiará, oportunamente,
à verdade de Deus.
Se a Conferência de Lambeth
pode passar resoluções sobre aquelas três coisas,
em torno das quais, acreditamos haver consenso substancial e referir
para estudo futuro aquelas três questões sobre as quais
não se encontra nenhum consenso, cremos que esta Igreja será
bem servida.
Também esperamos que a Conferência
de Lambeth vote simplesmente para receber este trabalho, sem julgamento,
e recomenda-lo a todo o povo de nossa Comunhão para o estudo
não como palavra final nem como palavra infalível, mas
simplesmente como uma declaração sobre onde acreditamos
que a Igreja se encontra atualmente. Oferecemo-lo na esperança
de que seja útil à medida que esta Comunhão procura
crescer em nossa vocação para sermos fiéis a
Deus que nos chama para o serviço.
+Peter John Lee
Diocese do Cristo Rei - África do Sul +John Shelby Spong
Diocese de Newark, USA
Tradução de +Sumio Takatsu
Observação do tradutor
O Relatório Oficial da Conferência
de Lambeth de 1998 incorporou o espírito das afirmações
do documento acima no que se refere ao consenso substancial e divergência
conflitante sem a possibilidade uma conciliação no momento.
O excerto abaixo nos mostra que a metodologia proposta para lidar
com os conflitos aparentemente irreconciliáveis com integridade
como um caminho anglicano está em ação.
Primeiramente, o relatório
reconhece o dom da sexualidade. Também afirma a importância
da compreensão do que é humana na relação
com Deus em Cristo e uns com os outros. Também reconhece a
importância do casamento e do celibato. Então, vem aqui
a parte traduzida.
“Reconhecemos que há
entre nós pessoas, cuja experiência de vida é
de orientação homossexual. Muitos são membros
da Igreja e procuram o cuidado pastoral, direção moral
da Igreja e o poder transformador de Deus para viver suas vidas e
ordenar seus relacionamentos. Desejamos assegurar-lhes que elas são
amadas por Deus e que todas as pessoas batizadas, crentes e fiéis,
independentemente de sua orientação sexual, são
membros plenos do Corpo de Cristo. Conclamamos a Igreja e todos os
seus membros a trabalhar para acabar com qualquer discriminação
sob a base de orientação sexual e se opor à homofobia.
“Claramente, algumas expressões
de sexualidade são inerentemente contrário à
vida cristã e pecaminosas. Tais expressões inaceitáveis
de sexualidade incluem promiscuidade, prostituição,
incesto, pornografia, pedofilia, conduta sexual predatória,
sadomasochismo (heterossexual e homossexual), adultério, violência
contra mulheres, e na família, estupro e circuncisão
feminina. Duma perspectiva cristã, essas formas de expressões
sexuais são pecaminosas em qualquer contexto. Estamos preocupados,
em particular com as pressões sobre gente jovem para se engajar
em atividade sexual em tenra idade. Apelamos às nossas Igrejas
a ensinar a virtude da abstinência.”
No que se refere à homossexualidade
em particular o Relatório diz ”confessamos que não
temos uma mente comum e descreve as posições conflitantes
como foram expostas no documento acima.
No que se refere à união
e bênção dos casais do mesmo sexo, o Relatório
diz apenas que a maioria dos bispos não está preparado
para tanto. E muitos acreditam que deve haver moratória sobre
essa prática, isto é, suspensão temporária.
E relata o espírito de Lambeth, um modo anglicano de lidar
com questões conflitantes até “dilaceradores”.
“Temos orado, estudado e discutido
essas questões e não somos capazes de alcançar
uma mente comum sobre questões bíblicas, teológicas,
históricas e científicas que são levantadas.
Há muito que ainda não entendemos. Solicitamos aos Primazes
e ao Conselho Consultivo Anglicano estabelecer meios de monitorar
o trabalho feito na Comunhão sobre essas questões e
compartilhar as afirmações e recursos entre nós.”
Houve resoluções que
não ouviram o apelo do documento acima e do relatório
que são praticamente se resumem.
“A Conferência não
pode aconselhar (advise, pode ser recomendar) a legitimação
e bênção das uniões entre o mesmo sexo
e a ordenação dos que estão envolvidos em casamento
entre o mesmo sexo”. Diga-se de passagem que a ordenação
dos homossexuais celibatários não é problema,
se o autor deste comentário não estiver enganado.
Há, também, condenação
do medo irracional dos homossexuais, isto é homofobia. É
importante observar que as resoluções de Lambeth nunca
tiveram a função de lei, desde o seu começo em
1867. Foi uma deliberação antes da convocação
da primeira conferência, deliberação essa baseada
em troca de muitas correspondências entre os bispos e sempre
houve quem quisesse transformar Lambeth em Sínodo legislativo.
O que pretendi mostrar como sempre afirmei que a teologia, eclesiologia
e sabedoria anglicanas encontram-se mais nos relatórios do
que nas resoluções. Uma vez que fiz a tradução
do documento, tomei a liberdade de emitir minhas observações.