Roberto Lúcio Vieira de Souza

>    A Casa Mental e o Transe Mediúnico

Artigos, teses e publicações

Roberto Lúcio Vieira de Souza
>    A Casa Mental e o Transe Mediúnico

 

Médico-Psiquiatra – Vice-Presidente da Ame-Brasil

 

Uma das questões mais fascinantes do Espiritismo é a mediunidade e, nesse campo, em especial, temos o fenômeno em sua expressão mais intrínseca.

Vez por outra, somos abordados sobre uma aparente incongruência quanto ao tema, quando encontramos, no Livro dos Médiuns, que a mediunidade seria uma faculdade orgânica e, no mesmo livro citado, temos a informação de que a mediunidade aconteceria através do perispírito.

Entendendo que o homem é a alma encarnada, temos que nos lembrar de que a divisão do ser em suas diversas formas de manifestações, ou seja, nos seus diversos corpos, é esquemática, pois, na realidade somos um ser indivisível em sua expressão.

Como nos alerta, em O Livro dos Espíritos, dentro da nossa pequenez evolutiva, só podemos conceber o espírito sem matéria pelo pensamento. Assim, o homem, ao se manifestar, o faz através do seu corpo físico, pela ação do seu perispírito e pela vontade e direcionamento do espírito.

A partir dessas colocações, temos que qualquer que seja a forma de Manifestação do espírito, ela se fará, enquanto esse não pertencer ao grupo dos Espíritos Puros, pelo seu perispírito e pelo seu correspondente físico (quando encarnado).

Assim, da mesma forma que os médiuns ostensivos teriam uma preparação especial do ponto de vista perispiritual, essa condição diferenciada do corpo espiritual implementaria no físico (anatômica ou eletro-quimicamente) uma estruturação especial, para que a mediunidade acontecesse.

A mediunidade é o fenômeno que possibilita o contato entre os espíritos, os quais se encontrariam em planos diversos de manifestação. Essa condição da diversidade de planos de ação determina limites e possibilidades desse contato mediúnico.

Assim, da mesma forma que um ser da terceira dimensão não pode agir na quarta e vice-versa, o fenômeno mediúnico não pode se constituir pela atuação do espírito desencarnado diretamente no corpo físico do encarnado, por estarem em planos diversos. Para que isso aconteça, a mediunidade tem que ocorrer em planos semelhantes.

Nesse aspecto, o ponto material (mesmo que transcendente e etéreo) de contato entre o desencarnado e o encarnado é o perispírito. Por isso, Kardec, sob a orientação do Espírito da Verdade, afirma-nos que o fenômeno é perispiritual.

No entanto, quando da transferência desta informação ou sensação perispiritual, ela se faria por um órgão ou um conjunto de estruturas físicas, ligadas àquelas regiões perispirituais. No caso da mediunidade ostensiva, que diretamente nos toca, o conjunto perispírito e corpo físico teria, então, características especiais dos não médiuns ostensivos, diferenciando estes dos primeiros. Essa condição, no entanto, não teria nenhuma ligação com a postura moral da criatura, do mesmo modo que a melhor condição dos sentidos do homem não está vinculada a sua superioridade moral ou espiritual.

Dentro do estudo sobre os mecanismos mediúnicos, encontramos várias teorias que determinariam as regiões onde ocorreriam as modificações, presentes nos médiuns ostensivos. Elas não são necessariamente incoerentes e/ou excludentes, podendo ser compreendidas como complementares. Os dados mais precisos falam da ação do tálamo, em especial, da glândula Pineal como sede da mediunidade no corpo físico. O Dr. Sérgio Felipe de Oliveira, presidente da Associação Médico-Espírita de São Paulo e professor da USP, busca pelo estudo dessa glândula provar a sua importância no fenômeno mediúnico e, conseqüentemente a comprovação dessa teoria.

Pastorino, em seu livro "Técnicas da Mediunidade", apresenta um excelente trabalho sobre a importância dos centros vitais, situados no Duplo Etérico, para o Fenômeno da mediunidade, correlacionando não só os diversos tipos de manifestações, mas, também, os pontos de ação das diferentes classes de espíritos.

O Dr. Nubor Facure, do Instituto do Cérebro, de Campinas, apresenta uma correlação dos fenômenos mediúnicos com as diversas áreas do encéfalo, a partir das observações da Neurofisiologia dessas regiões.

Podemos, com certa tranqüilidade, afirmar que o fenômeno da mediunidade ocorre sob a coordenação do centro coronário, foco da atuação do espírito sobre corpo físico, representado, neste último, pela região do Tálamo, sede da glândula pineal, que direciona, por sua vez, a sua manifestação física, orientando e se refletindo nas diversas regiões cerebrais, vinculada ao tipo de atividade mediúnica. Aquele centro vital direcionaria também as expressões da mediunidade nos outros centros de força do Duplo Etérico, conforme a atuação de cada um, fazendo-se sentir nos plexos nervosos correspondentes a cada centro de força ou chakra.

Outra evidência, quanto à mediunidade, é que ela ocorreria pelo pensamento, ou seja, seria basicamente um fenômeno mental. No entanto, a experiência e a observação da manifestação mediúnica mostram que todo o fenômeno é precedido, no médium, por uma experiência emocional. Isso poderia ser visto como uma outra ambivalência quanto ao fenômeno, o que na realidade não é.

O que ocorre na realidade, é que a camada mais densa do perispírito seria o corpo espiritual ou astral, sede das emoções e dos sentimentos, a qual seria orientada e até estruturada por um corpo etéreo mais transcendente, o corpo mental, onde temos o pensamento concreto e a razão. Dessa forma, em sua expressão mais materializada o fenômeno seria observável pelas emoções e sentimentos, que para se fazerem compreendidos precisam ser exprimidos pelos pensamentos, em forma de palavras.

A mente se expressa através do corpo mental, que embora maior que aquele, é menor que o espírito, essência do ser. Assim, diríamos didaticamente que o fenômeno mediúnico tem sua sede no perispírito, se fazendo consciente através do corpo mental. A mente pode esquematicamente ser expressa na figura da casa mental.

A Casa Mental, na expressão de André Luiz, teria uma correspondência na estrutura do Sistema Nervoso Central. Teríamos, então:

"No sistema nervoso, temos o cérebro inicial, repositório dos movimentos instintivos e sede das atividades subconscientes; figuremo-lo como sendo o porão da individualidade, onde arquivamos todas as experiências e registramos os menores fatos da vida.

Na região do córtex motor, zona intermediária entre os lobos frontais e os nervos, temos o cérebro desenvolvido, consubstanciando as energias motoras de que se serve a nossa mente para as manifestações imprescindíveis no atual momento evolutivo do nosso modo de ser. Nos planos dos lobos frontais, silenciosos ainda para a investigação científica do mundo, jazem materiais de ordem sublime, que conquistaremos gradualmente, no esforço de ascensão, representando a parte mais nobre de nosso organismo divino em evolução."

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"Tomemo-lo como se fora um castelo de três andares: no primeiro situamos a "residência de nossos impulsos automáticos", simbolizando o sumário vivo dos serviços realizados; no segundo localizamos o "domicílio das conquistas atuais", onde se erguem e se consolidam as qualidades nobres que estamos edificando; no terceiro, temos a "casa das noções superiores", indicando as eminências que nos cumpre atingir. Num deles moram o hábito e o automatismo; no outro residem o esforço e a vontade; e no último demoram o ideal e a meta superior a ser alcançada.

Distribuímos, deste modo, nos três andares, o subconsciente, o consciente e o superconsciente.” - do livro "No Mundo Maior", ditado pelo espírito André Luiz ao médium Chico Xavier, cap. 3.

Para que o médium possa atuar e obter a comunicação espiritual, ele necessita ampliar o seu estado de consciência, atingindo o seu campo mental, correspondente a sua expressão perispiritual, para isso, é preciso que ele entre em transe.

O transe é um estado ampliado da consciência que, em diferentes graus de intensidade, a criatura se dissocia global ou parcialmente dos centros psicossomáticos, mantendo ou não a sensibilidade e a lucidez, estando em condições de baixa tensão psíquica. Esse transe pode ser provocado por substâncias químicas, estados patológicos da criatura, por condições de stress intenso, através da hipnose (auto e hetero-hipnose) ou pela mediunidade.

No fenômeno espírita, observamos dois tipos de transe: o endógeno, provocado pelas condições anímicas da criatura, induzido pelo próprio indivíduo ou por terceiros; e o exógeno, quando a criatura responde aos estímulos extra-físicos, oriundos das dimensões espirituais.

O transe pode ser superficial, demarcado pelo fato do sensitivo permanecer lúcido; passar pela fase hipnagógica, quando a criatura fica sonolenta, entre o estado de vigília e do sono; e o profundo, quando há uma inconsciência sonambúlica.

No estado de transe, o médium dissocia-se, em consciência, da sua dimensão física, ampliando as possibilidades sensitivas do seu campo perispiritual.

Neste estado, ele pode perceber aquela dimensão, ocorrendo os fenômenos anímicos (vidência e audiência); ou, ainda, entrar em contato com as expressões psíquicas de entidades que se encontram naquela faixa vibratória, que são percebidas pelo corpo astral, interpretadas pelo corpo mental, novamente enviadas ao corpo astral, que as direciona para o Duplo Etérico e que captadas pela glândula Pineal, são apresentadas, no fenômeno mediúnico, expressando-se de acordo com as características do próprio intermediário e do seu estado de transe.

A bagagem que o médium carrega no porão de sua Casa Mental (subconsciente) e/ou o contato anterior com a entidade manifestante, além do estado de transe profundo pode fazer do fenômeno mais exuberante e de expressão mais condizente com o espírito comunicante, facilitando a identificação do mesmo, por aqueles que o conheceram. O estado de lucidez, no transe, aumenta as interferências anímicas, dificultando a expressão do espírito (não necessariamente o conteúdo da mensagem) e a identificação deste.

Nos casos obsessivos, a carga de sentimentos negativos, em especial, de culpa, presente no subconsciente, pode agravar ou reduzir a ação das entidades sofredora.

As conquistas morais recentes e a busca constantes de metas superiores, as quais determinam recursos de saúde espiritual respectivamente no consciente e superconsciente, podem, inclusive, evitar a atuação de obsessores, além de proporcionar estados mediúnicos e anímicos superiores, como a intuição e o êxtase.



Fonte: Artigo originalmente apresentado na Revista Internacional do Espiritismo, edição de Abril de 2003



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