Tradução e nota inicial
pelo físico e escritor Ademir Xavier
Atendendo
a pedidos, segue a tradução para o português
de um dos textos de Andreas Sommer baseado em parte em sua palestra
"Exorcising the ghost from the machine. Affect, emotion,
and the enlightened naturalisation of the ‘poltergeist’"
(Exorcizando o fantasma da máquina: abalos, emoções
e a naturalização esclarecida do 'poltergeist'), proferida
a 10 de Outubro de 2012 na conferência da Sociedade para a
História Social da Medicina, a Universidade de Queen Mary,
Londres. Sommer é meu conhecido e historiador na Universidade
de Cambridge, profundo conhecedor da história do Espiritualismo,
com importantes trabalhos na área.
Apresentamos uma tradução do
texto de Andreas Sommer ("The Naturalization
of 'poltergeist') do seu blog "Forbidden
Histories" (1).
Texto original:
http://forbiddenhistories.wordpress.com/2013/09/23/the-naturalisation-of-the-poltergeist
Dr. Andreas Sommer, historian
of the human sciences at Cambridge University, UK.
Um exemplo de continuidade histórica do
interesse científico por questões não ortodoxas
diz respeito aos fenômenos de "poltergeist", o paradigma
do tipo de coisa que acontece "na calada da noite".
Provavelmente, foi Martinho Lutero
(uma vítima de poltergeist confessa) no Século XVI na
Alemanha quem cunhou o nome "Poltergeist" ou "espírito
batedor". Há um número incrivelmente grande de
relatos históricos de poltergeists dramáticos afetando
pessoas de todas as classes sociais, frequentemente envolvendo a intervenção
de autoridades que, por sua vez, produziram os relatos mais detalhados.
Entre as características mais bizarras, mas aparentemente robustas,
desses fenômenos alegados através dos tempos são:
- O centro dos eventos é uma pessoa específica,
frequentemente um adolescente;
- Sons recorrentes não explicados são
ouvidos, na forma que vai desde pancadas (raps) de dentro das paredes
ou de móveis até ruídos ensurdecedores;
- Os sons respondem algumas vezes;
- Objetos domésticos de todos os tamanhos
e pesos são vistos em movimento, algumas vezes de vagar e
parecendo que são carregados;
- Objetos em movimento parecem penetrar janelas
fechadas ou paredes sem causar prejuízo e, frequentemente,
são descritos como estando aquecidos;
- Pedras são atiradas sem que saiba a origem
e, algumas vezes, de distâncias consideráveis;
- Se um objeto jogado se aproxima de uma pessoa,
frequentemente ele parece ricochetear do ponto de impacto e cair
no chão;
- Quantidades grandes de água surgem e desaparecem
de repente e fogo se ascende espontaneamente;
- Pessoas podem ser mordidas, reviradas na cama
ou batidas, como se mãos invisíveis atuassem;
- Escritas e desenhos surgem em paredes ou em espaços
fechados;
- Aparições são vistas algumas
vezes simultaneamente por mais de uma testemunha;
- Animais domésticos entram em pânico
ou se comportam de maneira não usual;
- Na era pós-industrial, essas perturbações
produzem funcionamento anômalo ou não usual em equipamentos
eletrônicos.
Robert Boyle
Tradicionalmente, acredita-se que postergeists
são causados por demônios, elementais ou espíritos
desencarnados inclinados ao mal, e suas vítimas são
associadas a bruxaria e magia negra. Longe de serem condenados como
bobagens ou superstição, tais visões foram compartilhadas
por grandes personalidades da revolução científica
tal como Francis Bacon e, mais tarde, Robert Boyle. Enquanto Bacon
formulou leis para penalização da bruxaria, Boyle bancou
a edição inglesa de "The Devil of Mascon"
("O Demônio de Mascon"), um caso clássico de
poltergeist francês para o qual ele escreveu o prefácio.
Boyle (que investigou casos de curas milagrosas, premonições
e outros eventos supostamente sobrenaturais) também ajudou
colegas da Royal Society, tais como Joseph Glanvill e Henry More,
a compilar histórias de perturbações provocadas
por poltergeist e bruxaria. Historiadores da ciência argumentam
que essas investigações foram inspiradas por preocupações
excessivas por desvios religiosos (tal como ateísmo popular,
animismo, hilozoísmo e panteísmo) que se percebem como
regulando funções morais das crenças cristãs
de recompensa e punição da alma após a morte.
No século das luzes, a respeitabilidade
dos fenômenos "sobrenaturais" caiu bastante na esteira
de reivindicações políticas de cunho antirreligioso,
corrupção clerical e horrores às perseguições
às bruxas. Entretanto, ao invés de filósofos
naturais e médicos, foram escritores religiosos e políticos,
tais como Joseph Addison, que começaram a tratar o "oculto"
como objeto de ridículo e sinônimo de irracionalidade
ou atraso. A peça "The Drummer" de Addinson,
por exemplo, é uma caricatura de "Drummer of Tedworth",
um caso de poltergeist investigado por Joseph Glanville, divertimento
garantido a livres pensadores ateus graças à crença
em fantasmas. Entretanto, nem todos os sábios dessa época
concordavam que as coisas que acontecem "na calada da noite"
deveriam ser tratadas dessa forma. Por exemplo, G. E. Lessing na Alemanha
opôs-se francamente à moda na época de rejeitar
relatos de aparições e descrições de poltergeist.
(De acordo com o historiador alemão Carl Kiesewetter, sua opinião
mudou logo depois que Lessing se envolveu em um incidente em Dibbesdorf,
próximo a Braunschweig, onde membros de uma família
da classe trabalhadora foram presos como perturbadores da ordem pública
após um episódio de manifestação de poltergeist.)

Gotthold Ephraim Lessing
Em meados do Século XIX, poltergeists começaram a ser
domesticados em Hydesville, EUA, quando o espiritualismo moderno surgiu
como um movimento globalizado a partir de um caso típico responsivo
de um mercador que se dizia falecido. Eminentes homens de ciência
como Alfred Russel Wallace, William Crookes, J. J. Thomson e Alexandr
Butlerov investigaram médiuns espiritualistas e se convenceram
da realidade dos fenômenos. Quando o astrônomo de Leipzig
Johann F. Zöllner testou sua teoria da quarta dimensão
do espaço através de um médium que reproduziu
experimentalmente fenômenos do tipo poltergeist, ocorreu uma
verdadeira explosão política no alvorecer da psicologia
alemã. Zöllner, que teve o apoio de físicos como
Gustav Theodor Fechner, foi atacado publicamente por Wilhelm Wundt,
aluno de Fechner e fundador do laboratório alemão de
psicologia experimental. A principal preocupação de
Wundt era que o interesse científico pelos fenômenos
espíritas minasse os fundamentos da religião e da civilização.
Diferente de Wundt, seu equivalente
Americano William James considerava legítimo o interesse científico
pelo Espiritualismo e tornou-se bastante ativo na investigação
da mediunidade e de "alucinações verídicas"
(aparições de vivos e mortos que parecem trazer informação
não conhecida pelos que as recebem). Pesquisas por James e
outros psicologistas em hipnotismo, mediunidade e alucinações
verídicas resultaram em importantes conceitos de inconsciente
no final do Século XIX. Dois dos maiores teóricos da
cognição subliminal foram Carl du Prel na Alemanha e
Frederic W. H. Myers na Inglaterra. Correlacionando o sonambulismo
convencional com aparições de vivos, eles concluíram
que ambos pareciam ser causados por ideias fixas e sugeriam uma explicação
psicológica não convencional para aparições
dos mortos: Myers propôs que "o comportamento de fantasmas
dos vivos sugerem sonhos sonhados por pessoas vivas cujos fantasmas
aparecem. E, similarmente, o comportamento dos fantasmas dos mortos
sugerem sonhos sonhados por pessoas mortas cujos fantasmas aparecem".
Da mesma forma, du Prel acreditava que "se capacidades suprassensoriais
são possíveis sem o uso do corpo, elas podem ser usadas
sem a ocupação do corpo".

Carl du Prel
No século XX, Oliver Lodge, Charles Richet,
Cesare Lombroso, Filippo Bottazzi, Camille Flammarion, Henri Bergson,
Marie e Pierre Curie, o terceiro e quarto condes de Rayleigh e muito
outros cientistas menos conhecidos, médicos e filósofos
tentaram reproduzir fenômenos semelhantes a poltergeists sob
condições controladas. Depois, autores como du Prel
e Myers foram eclipsados por psicanalistas, profissionais de saúde
mental como Carl Gustav Jung, Eugen Bleuler, Enrico Morselli e o sexologista
Albert von Schrenck-Notzing, que continuaram o estudo de fenômenos
de poltergeist no campo e no laboratório. Entretanto, eles
descartavam categoricamente teorias envolvendo atuação
de espíritos desencarnados e se agarraram a uma abordagem puramente
psicodinâmica. Segundo Schrenck-Notzing: "Em certos casos,
complexos, carregados emocionalmente por representações,
se tornam autônomos e dissociados e parecem querer descarregar
e se manifestar como fenômenos de assombração.
Portanto, as chamadas assombrações ocorrem no lugar
de uma neurose". Segundo eles, eliminadas as possibilidades de
fraude, propuseram que fenômenos de poltergeist fossem explicados
em termos de conflitos emocionais inconscientemente provocados por
sujeitos com disposição "telecinética",
uma visão que foi adotada por psicanalistas como Alfred von
Winterstein e Nandor Fodor.

Eugen Bleuler
O interesse científico pelo fenômeno
de poltergeist persistiu nos lugares mais improváveis. Membros
do círculo positivista de Viena, tal como Rudolf Carnap e Hans
Hahn (que se tornou vice presidente da sociedade Austríaca
para pesquisa psíquica), seguiram com interesse os procedimentos
experimentais de Schrenck-Notzing e suas investigações.
O aluno mais célebre de Hahn, Kurt Gödel, também
participou de sessões experimentais. O físico teórico
Woflgang Pauli acreditava em uma conexão intrínseca
entre a mente e a matéria, mesmo no nível macroscópico,
e foi banido do laboratório de Hamburg pelo seu amigo Otto
Stern que acreditava que a presença de Pauli causava danos
nos equipamentos de laboratório. Pauli correspondeu-se extensivamente
com Jung e, junto com fenômenos de poltergeist espontâneo
e experimental, o "Efeito Pauli" auxiliou Jung no conceito
de "sincronicidade". Pauli também se correspondeu
com o psicólogo Hans Bender, que continuou a abordagem de sincronicidade
psicodinâmica para com os fenômenos "ocultos"
e investigou o chamado "caso Rosenheim". Tratou-se o fato
de uma violenta manifestação de poltergeist em um escritório
bávaro, considerado por parapsicólogos como o mais bem
documentado caso moderno de "psicocinese espontânea recorrente"
(ou RSPK). Interessantemente, o dicionário de Oxford (terceira
edição, atualizada em setembro de 2006) ainda define
"poltergeist" exclusivamente em termos de noções
teológicas modernas como "um fantasma ou outro ser sobrenatural
supostamente responsável por distúrbios físicos,
tais como produção de ruídos ou lançamento
de objetos". Essa definição estreita e não
histórica obscurece bastante o pluralismo de abordagens empíricas
e conceituais para "poltergeist" como uma abreviação
para uma variedade de questionamentos relativos à mente humana,
seu lugar na natureza, e, finalmente, ao poder da crença e
da descrença.

Wolfgang Pauli
Este texto foi em parte baseado em minha palestra
"Exorcising the ghost from the machine. Affect, emotion,
and the enlightened naturalisation of the ‘poltergeist’"
(Exorcizando o fantasma da máquina: abalos, emoções
e a naturalização esclarecida do 'poltergeist'), proferida
a 10 de Outubro de 2012 na conferência da Sociedade para a História
Social da Medicina, a Universidade de Queen Mary, Londres.
Bibliografia Selecionada
Bender, Hans (1968). Der Rosenheimer Spuk –
ein Fall spontaner Psychokinese. Zeitschrift für Parapsychologie
und Grenzgebiete der Psychologie, 11, 104-112.
Bleuler, Eugen (1930). Vom Okkultismus und seinen Kritiken.
Zeitschrift für Parapsychologie, 5, 654-680.
Carnap, Rudolf (1993). Mein Weg in die Philosophie.
Stuttgart: Reclam (primeira edição em 1963).
du Prel, Carl (1888). Die monistische Seelenlehre.
Ein Beitrag zur Lösung des Menschenrätsels. Leipzig: Ernst
Günther.
Enz, Charles P. (2002). No Time to be Brief: A Scientific
Biography of Wolfgang Pauli. New York: Oxford University Press.
Flammarion, Camille (1923). Les maisons hantées.
Paris: Ernest Flammarion.
Gauld, Alan, & Cornell, A. D. (1979). Poltergeists.
London: Routledge & Kegan Paul.
Hunter, Michael (1985). The problem of ‘atheism’
in early modern England.Transactions of the Royal Historical Society,
35, 135-157.
Jung, Carl Gustav (1950). Vorrede. In Fanny Moser,
Spuk. Irrglaube oder Wahrglaube? Eine Frage der Menschheit (pp. 9-12).
Baden: Gyr.
Kiesewetter, Carl (1890). Klopfgeister vor dem Jahre.
1848. Sphinx, 10, 224-232.
Lessing, Gotthold Ephraim (1827). Hamburgische Dramaturgie.
Erster Theil. Elftes Stück. In Gotthold Ephraim Lessing’s
sämmtliche Schriften (Vol. 24, pp. 82-88). Berlin: Vossische Buchhandlung
(primeira edição de 1767).
Meier, C. A. (Ed.). (2001). Atom and Archetype: The
Pauli/Jung Letters, 1932-1958. Princeton: Princeton University Press.
Myers, Frederic W. H. (1889). On recognised apparitions
occurring more than a year after death. Proceedings of the Society for
Psychical Research, 6, 13-65.
Perrault, François (1658). The Devil of Mascon.
Or, A true Relation of the Chiefe Things which an Uncleane Spirit did,
and said at Mascon in Burgundy, in the House of Mr Francis Pereaud,
Minister of the Reformed Church in the same Towne. Oxford: Hen, Hall,
Rich & Davis (originally published in 1653).
Porter, Roy (1999). Witchcraft and magic in Enlightenment,
Romantic and liberal thought. In B. Ankarloo & S. Clark (Eds.),
Witchcraft and Magic inEurope. The Eighteenth and Nineteenth Centuries
(pp. 191-282). Philadelphia: University of Pennsylvania Press.
Schrenck-Notzing, Albert von (1928). Richtlinien zur
Beurteilung medialer Spukvorgänge. Zeitschrift für Parapsychologie,
3, 513-521.
Shapin, Steven, & Schaffer, Simon (1985). Leviathan
and the Air-Pump. Hobbes, Boyle and the Experimental Life. Princeton:
Princeton University Press.
Winterstein, Alfred von (1926). Psychoanalytische Bemerkungen
zum Thema Spuk. Zeitschrift für Parapsychologie, 1, 548-553.
Fonte:
http://eradoespirito.blogspot.com.br/2014/08/a-naturalizacao-do-poltergeist-por.html
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