Resumo
Neste trabalho, pretendo analisar as relações de proximidade
e antagonismo existentes entre o neopentecostalismo e as religiões
afro-brasileiras, e suas conseqüências na transformação
do imaginário social brasileiro construído a partir
dos valores existentes nesses dois campos.
Introdução
O neopentecostalismo, em conseqüência da
crença de que é preciso eliminar a presença e
a ação do demônio no mundo, tem como característica
classificar as outras denominações religiosas como pouco
engajadas nessa batalha, ou até mesmo como espaços privilegiados
da ação dos demônios, os quais se "disfarçariam"
em divindades cultuadas nesses sistemas. É o caso, sobretudo,
das religiões afro-brasileiras, cujos deuses, principalmente
os exus e as pombagiras, são vistos como manifestações
dos demônios. Uma outra face desse processo é, paradoxalmente,
a "incorporação" da liturgia afro-brasileira
nas práticas neopentecostais de algumas igrejas. Neste trabalho,
pretendo analisar as relações de proximidade e antagonismo
existentes entre estes dois campos religiosos, o neopentecostal e
o afro-brasileiro, e suas conseqüências na transformação
de certo imaginário brasileiro construído a partir dos
valores aí existentes.
Em primeiro lugar, é bom que se diga que a
visão das igrejas neopentecostais sobre as religiões
afro-brasileiras é conseqüência do desenvolvimento
do sistema teológico e doutrinário do pentecostalismo,
surgido no Brasil no início do século XX, sobretudo
a partir das décadas de 1950 e 1960. Nessa época, o
movimento religioso assumiu novos contornos, expandindo a base de
suas igrejas, adensando o número de denominações
e ganhando maior visibilidade. Ao se distinguir pela ênfase
do dom da cura divina (por isso chamada muitas vezes de "igrejas
da cura") e pelas estratégias de proselitismo e conversão
em massa, essa segunda onda1 do pentecostalismo preservou as características
básicas do movimento que já tinha 40 anos, como a doutrina
dos dons carismáticos (fé, profecia, discernimento,
cura, línguas etc.), o sectarismo e o ascetismo (Mariano 1999:31).
A terceira fase do movimento pentecostal, iniciada
nos anos de 1970, com grande projeção nas duas décadas
seguintes, foi marcada por algumas diferenças significativas
no perfil das igrejas surgidas e nas práticas adotadas, o que
lhe valeu a classificação de "neopentecostal".
Com o acréscimo do prefixo latino "neo", pretendeu-se
expressar algumas ênfases que as igrejas identificadas nessa
fase assumiram em relação ao campo do qual, em geral,
faziam parte: abandono (ou abrandamento) do ascetismo, valorização
do pragmatismo, utilização de gestão empresarial
na condução dos templos, ênfase na teologia da
prosperidade, utilização da mídia para o trabalho
de proselitismo em massa e de propaganda religiosa (por isso chamadas
de "igrejas eletrônicas") e centralidade da teologia
da batalha espiritual contra as outras denominações
religiosas, sobretudo as afro-brasileiras e o espiritismo.
*
texto disponível em pdf - clique aqui para
acessar