A crença na existência da vida após
a morte é uma das mais fundamentais da humanidade. Ao longo
da história, várias representações desse
além foram difundidas pelas mais diversas religiões.
A modernidade fez pensar que tal crença fosse típica
apenas das sociedades mergulhadas no religioso e que a sociedade contemporânea
tivesse reduzido o além a uma metáfora qualquer. Não
foi isso que aconteceu. Apesar de o céu ter se tornado profano,
lugar para a ciência, o céu religioso sobrevive. Para
demonstrar isto, analisamos as representações espíritas
do além, principalmente a partir da obra "Nosso
Lar", de Francisco Cândido Xavier.
A pesquisa se inicia com a constatação da transformação
do céu sagrado em céu profano, na visão de Allan
Kardec sobre o mundo dos mortos, e concluímos ela ser menos
estruturada que a versão brasileira. Em seguida, reafirmamos
o que outros estudiosos já haviam percebido: o Espiritismo
brasileiro enfatizou muito mais o aspecto religioso da doutrina, reproduzindo
em forma de conflito entre grupos, a contradição básica
formulada pela proposta de Kardec de conciliar religião e ciência.
Assim, defendemos que houve desde o início da sua história,
a assimilação de elementos do universo católico,
propiciando uma doutrina bem familiar à cultura brasileira,
o que colaborou para a legitimação do Espiritismo no
Brasil. Essa característica é bem visível nas
narrações e descrições do além
contidas nas obras de Chico Xavier, o que lhe garantiu a identificação
com público a quem esses livros se destinam.
A cidade espiritual "Nosso Lar", descrita no livro de mesmo
nome, foi o centro de nosso trabalho. Um estudo atento dessa obra
revelou diversos símbolos tradicionais ligados ao mundo religioso
cristão que já compunham o imaginário do além
e também o acréscimo de novas imagens próprias
do momento histórico em que foi produzida. Concluímos
que "Nosso Lar" pode ser considerada uma utopia, uma espécie
de paraíso cristão relido pela mentalidade espírita
brasileira datada da primeira metade do século XX. Nesse sentido,
"Nosso Lar"é tanto a "Jerusalém Celeste"
quanto o inverso da cidade terrestre, no caso, o Rio de Janeiro da
década de 40, sobre a qual "Nosso Lar" se localizaria.
Ao final, percebemos que as descrições e narrativas
dos mortos podem nos revelar muito sobre como é, e como gostaríamos
que fosse o mundo dos vivos e isto pode explicar as leituras realizadas
do "Nosso Lar" pelo público nacional desde a década
de 40.
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SILVA, Fábio Luiz da. Céu, inferno
e purgatório: representações espíritas
do além. 2007. 169 f. Tese (doutorado) - Universidade Estadual
Paulista, Faculdade de Ciências e Letras de Assis, 2007.
Orientador: Professor Doutor Eduardo Basto de Albuquerque