
Imagem de Axel Mellin por Pixabay
Não se pede aos espíritas
que sejam “diferentes”, mas que façam a diferença,
apresentando, com humildade e conhecimento, a coerência do discurso
espírita e a necessidade de inseri-lo na cultura do mundo.
Sob os princípios de liberdade, igualdade e fraternidade, devem
mostrar que a melhora autêntica do homem não se realiza
sem ética e moralidade, não bastando alterações
externas pontuais.
Não serão os momentos de crise uma oportunidade
para que o movimento espírita se manifeste, marcando sua posição
filosófica e contribuindo para trazer luz à sociedade?
Não serão os momentos difíceis também
apropriados para emitir sua opinião sobre questões de
interesse geral, influindo nas massas, propondo discussão para
os problemas humanos?
Muitos espíritas brasileiros já fizeram isso no passado,
com significativa atuação no meio social: Herculano
Pires, Freitas Nobre, Jorge Rizzini, Leopoldo Machado, Cairbar Schutel,
Eurípedes Barsanulfo, Bezerra de Menezes, Anália Franco.
E hoje, será possível essa representatividade?
Provavelmente não com a mesma riqueza de valores
humanos, mas, com os recursos da internet é possível
fazer-se algo interessante. Temos visto aparecer inúmeros companheiros
e instituições formando grupos, páginas, sites,
blogs, com material de opinião crítica, cultural e elucidação
de temas variados, e como se sabe, a internet faz esse material chegar
a muita gente.
E o movimento espírita que basicamente só se tem manifestado
em público para tratar do aborto e de movimentos pela paz,
vê agora a oportunidade de expor à sociedade um leque
ilimitado de assuntos. Porém, essa facilitação
tecnológica não interfere num sério e antigo
problema do movimento espírita que é a falta de unidade
na interpretação da Doutrina. A internet certamente
amplificará tanto os conceitos mais ajustados ao pensamento
doutrinário, quanto os que contenham imprecisões, dependendo
de quem os emita.
O diferencial espírita
O Espiritismo, fundado em princípios naturais, propõe
uma visão original de homem e de mundo não cogitada
com a mesma amplitude, racionalidade e clareza por outras filosofias
ou religiões. É o que afirmam os expoentes da cultura
espírita. Daí a importância dos espíritas
pensarem as questões humanas conjuntamente com a sociedade.
O diferencial do Espiritismo está precisamente no seu conteúdo
de revelação e elaboração humana e divina.
A explicação espírita de Deus, da vida, do universo,
do mundo, é extremamente pedagógica, como eram os ensinos
de Jesus que o homem complicou a não poder mais através
do tempo. Jesus conviveu no meio do povo, mas não abdicou dos
seus princípios em momento algum. Não adaptou seus ensinos
só para ser agradável ao poder dominante ,nem para ser
aceito pelas correntes religiosas que veio transformar.
O Espiritismo, com Allan Kardec, se associou às iniciativas
de Jesus no propósito de dar continuidade a essa transformação
e ao consequente progresso da humanidade. Além de tornar acessível
a moral daquele homem, descortinou o mundo dos Espíritos: “A
descoberta do mundo dos invisíveis […] é mais
que uma descoberta, é uma revolução nas ideias”,
disse Allan Kardec [1].
Quando esse conhecimento estiver largamente disseminado, trará
contribuições incalculáveis para o progresso
geral. Os espíritas não podem desperdiçar o legado
que receberam do gênio de Allan Kardec e da operosidade dos
espíritos superiores.
A questão das interpretações
Não se deve perder de vista a unidade
doutrinária do Espiritismo [2],
contudo, devido a interpretações particulares de indivíduos
e grupos, a doutrina é entendida de maneiras diversas e, com
isso, corre o risco de perder a identidade de movimento restaurador
e renovador, acabando por se tornar, em alguns aspectos, parecido
com as correntes religiosas que prendem o homem ao invés de
libertá-lo.
Infelizmente. Mas já que é
assim – e isso parece ser uma consequência natural e incontornável
da heterogeneidade humana [2] –,
o sensato será procurar a coerência e a fidelidade como
um fim a ser atingido na conduta individual e na divulgação
do ideal espírita. Isto, preservando a unidade original de
princípios, toda desenhada na obra de Allan Kardec, para apresentá-la
ao mundo como ela é, sem repetir os erros históricos
do movimento cristão.
O Espiritismo tem força moral
suficiente para influir no meio social mudando atitudes e comportamentos.
Claro que isso depende de como o pensamento e o fazer espíritas
chegam às pessoas. Não será fazendo “caravanas
religiosas” para a “meca espírita”, não
será com posturas místicas, cultuando médiuns
e Espíritos, criando símbolos e modismos, nem se isolando
dentro das instituições, que os espíritas firmarão
posição. Isso já fazem os religiosos de vários
matizes. Essa conduta desvia o movimento das suas finalidades. A postura
devocional, tímida, neutra e contraditória, afasta o
espírita do que é essencial. Além da humanização
de cada um, o Espiritismo propõe a construção
de um mundo mais justo e fraterno.
Um desafio: fazer a diferença
Um dos grandes desafios para os espíritas
será compreender o mais justamente possível a essência
progressiva e progressista da Doutrina. E isso não se consegue
sem o amadurecimento do estudo, do diálogo e do debate em grupo.
É com esse viés que ela deve ser propagada, vivida com
autenticidade, sem artificialismos. Os espíritas não
devem temer a discussão dos assuntos que inquietam a humanidade,
muitos deles já trazidos por Kardec em suas obras.
A propagação do ideário
espírita será mais eficiente através do diálogo
social, ainda que agora mais virtualmente. A prática espírita,
dentro e fora do centro espírita, propõe o convívio
baseado na compreensão das diferentes opiniões, na tolerância
em relação ao contrário, sem imposições.
Importante que os espíritas adiram a uma nova forma de pensar,
e se livrem o mais rapidamente possível dos resíduos
de velhas concepções religiosas de que estamos mais
ou menos contaminados.
Não se pede aos espíritas
que sejam “diferentes”, mas que façam a diferença.
Com humildade e conhecimento, podem apresentar a coerência do
discurso espírita e a necessidade de inseri-lo na cultura do
mundo. Além de pregarem pública e manifestamente os
princípios de liberdade, igualdade e fraternidade, devem mostrar
que a melhora autêntica do homem não se realiza sem ética
e moralidade, não bastando alterações externas
pontuais.
Se os espíritas não fizerem,
outros o farão
Enfim, os espíritas podem contribuir com a sociedade no campo
das ideias, do pensamento, vulgarizando oportunamente os conhecimentos
relativos ao Espírito imortal e tudo o que isto significa.
Se os espíritas não fizerem a parte que lhes cabe em
função de desvios doutrinários, da inércia
e da capitulação às velhas ordens e ditames devocionais
e dogmáticos, outros o farão, à sua moda. O progresso
não para e em muitas circunstâncias nasce anônimo,
em pequenos grupos, em laboratórios, em universidades, da cabeça
de estudiosos independentes, de livres pensadores, em todo o mundo.
Mas será bom se os espíritas atenderem à convocação
implícita na questão 932, de “O livro dos Espíritos”,
ou seja, trazerem sua efetiva contribuição à
sociedade com a proposta cultural e espiritual que detêm, sem
ufanismo nem excentricidades, para a “grande obra da regeneração
pelo Espiritismo” [3].