Engano supor
que tudo podemos com base no decantado livre-arbítrio.
Nosso livre-arbítrio termina quando começa o livre-arbítrio
do outro.
Depois das primitivas experiências nos
diferentes reinos da natureza, a partir do momento em que o espírito
entra na fase humana, quando começa a ser dotado de razão,
além da inteligência e instinto, desabrocha nele a liberdade
de ação, o que habitualmente é chamado livre-arbítrio.
Livre-arbítrio parece significar
que o homem pode fazer o que quer, pelo simples desejo de fazer, sem
precisar de maiores razões ou de dar explicações
a quem quer que seja.
Todavia, convém examinarmos
que o homem é influenciado pela matéria. E em mundos
como o nosso, o apelo material sobre o espírito ainda é
bastante acentuado. Por essa razão, além de o livre-arbítrio
ser mal conduzido quanto aos objetivos espirituais, as normas do mundo
material impedem que certas vontades do homem possam realizar-se.
Há leis naturais que ele não pode contrariar.
Um exemplo típico é
o desejo de voar que o homem alimenta desde os primórdios de
sua existência. Máquinas estranhas, e até infantis,
foram usadas por ele na tentativa de ganhar o espaço. E, observe-se,
mesmo depois que ele conseguiu voar de pára-quedas, ultraleve,
asa-delta, voa como quando está num avião. Depende de
instrumentos, quando a sua vontade continua a de alçar vôo
como fazem os pássaros, por si mesmos, batendo as próprias
asas.
Já nos explica a Doutrina Espírita,
que na nossa atual fase de evolução espiritual, nosso
livre-arbítrio pode ser comparado ao do prisioneiro. Pode movimentar-se
à vontade dentro da cela, mas estará limitado às
quatro paredes. Assim é o livre-arbítrio de homem comum
nos planetas como a Terra.
Mais do que o livre-arbítrio,
o que nos leva ao crescimento espiritual é o determinismo.
Por essa lei, somos impulsionados ao progresso, queiramos ou não.
Basta viver para progredir. Todo dia aprendemos algo novo. O bandido
que usa a inteligência para delinqüir, está igualmente
progredindo, porque aumenta o seu conhecimento. Um dia esse homem
estará moralizado e o seu conhecimento e as suas atitudes serão
canalizadas para o bem. A inteligência é a mesma, na
realização do mal ou do bem.
O Espiritismo ensina que o espírito
não retrograda. Não aceita a metempsicose das doutrinas
orientais, que diz que o homem pode reencarnar num animal. Pode estacionar,
dizem os Espíritos, mas não perde o que conquistou.
No atual estágio em que nos encontramos, diríamos que
nem mesmo estacionar conseguimos. A vida nos impulsiona ao conhecimento
e mesmo aquele que relute em melhorar-se moral e espiritualmente,
cresce em conhecimento e inteligência, à sua própria
revelia.
Vemos por vezes contestações
a essa afirmativa. Se Emmanuel foi o senador romano Publius Lêntulus,
para posteriormente ser o escravo Nestório, temos a impressão
que houve uma involução. É preciso compreender,
que tal retrocesso, no entanto, foi apenas material, dentro das escalas
sociais. O espírito tinha mais conhecimento e estava mais evoluído
quando habitou em Nestório do que quando se serviu do corpo
do senador romano. Devido às fraquezas cometidas quando tinha
poder, o irmão espiritual precisou viver modestamente para
reavaliar conceitos e acelerar o aprendizado. Na hierarquia dos homens
ficou inferior; na escala espiritual, já estava degraus acima.
O caminho é realmente esse.
Primeiro temos que aprender a discernir para depois controlar as emoções
e os sentimentos. Uma pessoa boa que não saiba lidar com o
seu coração também causa danos. A mãe
que impede o filho de enfrentar as dificuldades mais comuns, não
o deixa passar pelas necessárias experiências para adquirir
conhecimentos próprios, que faz as lições para
que o filho não seja reprovado, é uma benfeitora equivocada
que está desvirtuando a sua tarefa de genitora, educadora e
formadora do caráter do filho.
O filho passa na escola, mas não
passa na vida. Se a mãe desencarnar repentinamente, o filho
ficará órfão não apenas de mãe,
mas, e o que é mais grave, da capacidade de sobrevivência.
Ela não o deixou ser ele mesmo, tendo afogado o seu desenvolvimento.
O livre-arbítrio, por tudo
o que foi comentado, precisa ser reduzido e o determinismo ser amplo.
Com o passar do tempo as posições vão se invertendo
e à medida que o homem adquire maior discernimento vai se capacitando
a usar o livre-arbítrio de forma mais ampla. Os espíritos
superiores gozam de livre-arbítrio quase ilimitado e só
dependem do determinismo no respeito às leis naturais. Quanto
à vontade de ação, no entanto, são livres
para exercê-la quase que por inteiro.
Muitos equívocos são
observados em razão da interpretação errada do
que seja o livre-arbítrio. Iludido, pensando que tudo pode,
o homem pretende usar de todos os direitos, mas se esquece que ele
vive coletivamente e os seus direitos não podem invadir os
direitos do semelhante. Isto já a partir do lar, indo para
as ruas e em qualquer situação onde nos encontremos.
Homens de grande sabedoria confessaram
a sua fraqueza diante da vida. Paulo, o maior apóstolo do cristianismo,
dizia frase que se tornou antológica: "Tudo me é
lícito, mas nem tudo me convém." Paulo lamentava
suas quedas diante de tanto conhecimento que já possuía.
E reagia dizendo: "Minhas quedas não são a minha
derrota." Fazia como aconselha a letra da canção
popular: "Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima".
Era homem de grande cultura, conhecia e praticava as leis judaicas
e perseguiu Jesus por não lhe compreender as intenções
de amor pela humanidade. Pelo seu livre-arbítrio mandou matar
Estêvão, quando se viu também abandonado pela
noiva, Abigail, e teria feito o mesmo com Ananias, não fora
ter cegado por ação de Jesus – espírito
–, que o queria como divulgador do seu Evangelho.
O livre-arbítrio só
pode ser exercido por inteiro se o autor souber comportar-se diante
do semelhante. O livre-arbítrio, mais do que fazer o que se
quer ou o que se gosta, consiste em fazer o que se deve. Assim, quando
vemos alguém se desviando do caminho, julgando-se com o direito
de fazer tudo, procuremos ajudá-lo mostrando que ele pode estar
exercendo um direito, mas que esse gozo vai lhe custar muito caro,
o que talvez não compense o prazer temporário.
Neste mês de abril, quando
no dia 18, "O Livro dos Espíritos" completa 150 anos
do lançamento da primeira edição, lembremos que
com o Espiritismo nasceu o discernimento e a fé raciocinada.
A partir daí, tudo deve ser cuidadosamente examinado e não
podemos nos deixar enganar pelo enunciado frio das palavras. Em tudo
é preciso examinar as implicações de nossas atitudes.