Preferimos conviver com os afins.
Todavia, é no relacionamento com os que não pensam como
nós que adquirimos novas e importantes experiências.
Toda coisa tem o oposto. A morte tem
a vida, a noite tem o dia, o claro o escuro, o grande o pequeno, o
alto o baixo...
É comum procurarmos a harmonia
das situações e dos agrupamentos, na semelhança
entre as partes. Todavia, a igualdade pode criar choques. É
preciso haver diferenças. Mas que se complementem sem criar
dissensões.
Imaginemos uma casa onde os dois gastam
irresponsavelmente. Em curto prazo, o lar vai a bancarrota. Mas se
os dois forem avaros, faltará até o indispensável
e eles serão irritadiços e ansiosos. Um terá
de ser mais arrojado e o outro comedido, prudente. Irão completar-se.
O mesmo se daria se ambos fossem excessivamente
risonhos, brincalhões, irreverentes. Nunca seriam levados a
sério. Mas se fossem sisudos, mal-humorados, rechaçariam
os que tentassem aproximar-se.
Este pequeno esboço serve de intróito para analisarmos
uma sociedade, um grupo, uma entidade. Toda pessoa tem sua própria
habilidade. Observemos uma orquestra. Cada músico toca um instrumento.
No entanto, a melodia embeleza-se pela combinação de
todos eles. Um conjunto vocal tem diversas vozes, que se fundem numa
só, em harmonia. Um time de futebol tem os que fazem os gols
e um que trata de evitá-los.
A grande empresa, por exemplo, começa
pela presidência e assessores diretos, mas não dispensa
os auxiliares de escalões menores e nem mesmo o trabalho dos
mensageiros, os office-boys, encarregados da correspondência.
Eles são, muitas vezes, a apresentação da companhia.
Um funcionário educado, bem composto, eficiente, levará
boa imagem da firma onde trabalha, junto à clientela, fornecedores
e bancos.
Dá-se o mesmo nas sociedades
culturais, recreativas, filantrópicas, religiosas. E, neste
caso, analisemos o Centro Espírita.
Um agrupamento onde se divulga o Espiritismo
tem diferentes tipos de colaboradores. Ali encontramos a equipe diretora
da casa, muitas vezes fundadora do Centro, os passistas, os palestrantes,
os orientadores, os assistentes sociais, os faxineiros.
Não podemos esperar que todos
tenham as mesmas idéias. São espíritos em variados
degraus de entendimento, espíritas há mais ou menos
tempo, culturas diferentes e convicções que não
coincidem. Uns mais amoráveis, outros mais racionais. Este
se encanta com o fenômeno, aquele valoriza a mensagem. Há
os que preferem a religião e os que destacam a ciência
espírita.
O fato de não darmos atenção a esse aspecto pode
criar dificuldades de relacionamento entre os participantes da mesma
casa espírita ou, em âmbito maior, do próprio
movimento espírita. Desejamos que haja perfeita sintonia e
qualquer deslize é considerado irreverência, desobediência,
indisciplina, o que nem sempre é verdade.
Ninguém muda de um dia para
outro apenas por tornar-se adepto do Espiritismo.
Sem dúvida, há que haver afinidade quanto ao ideal e
objetivos. Todos, sem exceção, devem praticar a caridade
em favor do semelhante. Mas cada um na sua habilidade própria.
Encontramos irmãos com grande
cabedal doutrinário que são péssimos orientadores.
Para ajudar, é preciso respeitar a capacidade do outro.
Ninguém pretenda resolver as
dificuldades alheias baseado no próprio conhecimento, na sua
coragem e disposição diante de problemas. Jamais aconselhar
com frases como: "se eu fosse você"; "se isso
fosse comigo", porque nem você é o outro, nem o
problema é seu.
A maioria dos dependentes deseja ver-se
livre do vício, mas não consegue.
Para aquele que já venceu alguma
imperfeição, ou que nunca fez uso das químicas
nocivas e alienantes, parece fácil vencer o mal. Mas é
difícil; extremamente difícil.
Observemos os passes. Quantos trabalhadores
que se dedicam a essa tarefa, mesmo sem grande conhecimento doutrinário,
têm bom sentimento e desejo de servir. Quando impõem
as mãos, jorra luz do seu coração, pela facilidade
de sintonia com os Espíritos Benfeitores. Mas se convidados
a fazer uma simples prece, alegarão dificuldades em comunicar-se.
Quantos são eficientes orientadores, porque, mesmo sem a vidência
ou a audiência, são ouvintes pacientes que deixam a pessoa
falar para descarregar as mágoas. Não têm pressa
em resolver tudo, preferindo entregar o irmão aos Espíritos
e às palestras, que explicam, pouco a pouco, os meandros da
vida e como a pessoa pode ajudar a si mesma, ampliando a fé
e ganhando entendimento. Sabe que só quando chegar o tempo
certo e nascer o merecimento é que a melhora começara
a processar-se. A imperfeição é uma doença
que leva tempo para ser curada. É preciso que doa para que
a compreensão chegue.
Poupar excessivamente alguém
é como atrofiar-lhe a vida. O passe, terapêutica de emergência,
é socorro provisório, até que a própria
pessoa aprenda a cuidar-se, modificando sua maneira de viver.
Palestrantes há que têm grandes conhecimentos doutrinários,
mas falam de forma rebuscada e metafórica, atêm-se ao
cientismo criando barreiras que impossibilitam a compreensão.
Demonstram sabedoria mas não atingem os que esperam palavras
simples e de fácil assimilação. Falam mas não
comunicam.
Vimos, portanto, que num agrupamento
espírita há de tudo e todo tipo de participante. Um
vaidoso, outro humilde. Um culto, outro menos instruído. Um
jovem afoito, outro maduro e prudente. Um com receitas para salvar
a humanidade, outro que contenta-se em ajudar um ou dois, colocando-se
entre os necessitados.
A igualdade que deve haver no Centro
Espírita é que todos se preocupem em estudar o Espiritismo
e conhecer objetivamente, sem dogmas ou figurações,
o Evangelho de Jesus. Todos devem ser educados e gentis com cada pessoa
que visite a casa em busca de orientação e socorro.
Todos se devem mútuo respeito, aceitando os defeitos e as fraquezas
do companheiro de ideal.
Temos de ajudar, sem impor, orientar,
sem agredir, aconselhar, sem exigir. Isso não significa que
o tarefeiro rebelde, nocivo ao agrupamento, renitente, de coração
endurecido, não possa e não deva ser afastado, em benefício
dos demais e dele próprio. Se tememos os obsessores desencarnados,
temos de nos cuidar contra os encarnados que, muitas vezes, tumultuam
os trabalhos mais do que "fantasmas".
Concluindo: As diferenças não
são problemas. As diferenças podem compor harmonioso
conjunto; o que cria problemas são os radicalismos, quando
exigimos dos outros o que nem sempre podem dar. Além disso,
convém lembrar que não somos perfeitos, nem modelo para
ninguém. Temos ainda, todos, muito a ser corrigido em nós
mesmos.
No Centro Espírita, igualmente
como em qualquer lugar, a paciência segue sendo a maior virtude
para que os homens se entendam e se complementem na lei do amor.
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Allan Kardec in O Livro dos Espíritos,
em nota as respostas dadas pelos Espíritos às questões
766, 767 e 768, disse:
“Nenhum homem dispõe de faculdades completas e é
pela união social que eles se completam uns aos outros, para
assegurarem seu próprio bem-estar e progredirem. Eis porque,
tendo necessidade uns dos outros, são feitos para viver em
sociedade e não isolados.”
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Octávio Caúmo Serrano -
Grupo Espírita Casa do Caminho de S.Vicente