TODA CRIANÇA tem o direito de ficar
sozinha e quieta.
Toda criança tem o direito de não ser extrovertida,
de gostar de brincar com poucos colegas e de não responder
a todas as perguntas que os adultos lhe fazem, inclusive - e
principalmente - pais e professores.
A criança tem o direito de ser tímida!
Mas, pelo jeito, estamos roubando esse direito dela.
Já faz um tempo que "participar" das aulas na escola,
mesmo que seja falando qualquer bobagem, tem sido uma atitude exaltada
e incentivada pela maioria dos educadores.
Receber muitos telefonemas, convites para festas, para brincar na
casa de colegas da escola ou mesmo para viajar no final de semana
tem sido tratado como índice de boa socialização.
Os pais, em geral, se preocupam quando os filhos, mesmo os menores
de seis anos, não são "populares" entre seus
pares.
Mas o problema é que, agora, estamos exagerando. Não
basta considerar a timidez um defeito: queremos transformar essa característica
em patologia, tratar.
Isso já é demais.
A mãe de um menino de dez anos me escreveu contando que a escola
que seu filho frequenta promoveu uma palestra para os pais com o título
"Como tratar as crianças tímidas". Ela foi,
ouviu tudo e voltou preocupada.
Agora, essa mãe acredita que precisa levar o filho para um
tratamento psicológico porque, segundo aquilo que ouviu na
escola, ou pelo menos o que interpretou do que lá foi dito,
o futuro do filho não será lá muito promissor
caso ele não consiga superar a timidez que hoje apresenta.
No mundo da diversidade, não suportamos as diferenças,
é isso?
Queremos que nossos filhos tenham todos os brinquedos que os colegas
têm. Queremos que viajem para os mesmos lugares que seus pares
contam ter visitado, que usem as roupas e os calçados das mesmas
marcas que a maioria dos colegas e que se comportem de modo semelhante
ao da maioria.
Acreditamos que crianças padronizadas e uniformes formam um
grupo, e que os diferentes são excluídos dele.
Isso é uma grande violência que nós praticamos
contra os mais novos.
Afinal, será que desconhecemos que o mundo tem lugar para todo
tipo de pessoa?
Será que ninguém conhece adultos bem-sucedidos em sua
profissão e que são extremamente tímidos na vida
social?
Conheço pessoalmente vários casos assim e, por leitura
de biografias, muitos outros. Escritores, cientistas com renome internacional,
artistas, professores etc.
E adultos muito extrovertidos, com uma vida social intensa e uma rede
de conhecidos enorme, mas que apesar disso são infelizes e
não realizados na vida: será que ninguém conhece?
Temos tratado as crianças de uma maneira muito pouco respeitosa.
Não suportamos que elas sejam muito ativas, rebeldes, que fiquem
tristes, que reclamem, que desobedeçam, que queiram ficar quietas,
que não parem, que sejam tímidas.
Ora, queremos formar uma massa de crianças medianas ou medíocres?
Vamos deixar as crianças tímidas em paz. Elas podem
mudar na adolescência. Aliás, as muito extrovertidas
também podem se transformar em tímidas nessa mesma época
da vida.
Timidez não é defeito, tampouco doença. É
apenas uma característica e, se a criança tiver oportunidades
de ser aceita e reconhecida da maneira como ela é no momento
e aprender a não permitir que esse seu traço impeça
a sua vida de acontecer, ela crescerá de acordo com seu potencial
e conseguirá, sim, encontrar meios de viver de acordo com esse
seu jeito de ser.
Se, ao contrário, insistirmos para que ela altere essa sua
característica, aí sim, nós poderemos atrapalhar
o seu desenvolvimento e prejudicar o seu autoconhecimento, o que é
fundamental para qualquer pessoa viver melhor.