Não é possível forjar
o caráter do filho sem reconhecer os erros que eles cometem
A mãe de um garoto de cinco anos, arrumando a
mala escolar dele, encontrou um brinquedo. Perguntou de quem era, e
ele respondeu que havia encontrado na escola. A mãe decidiu devolver
o brinquedo à escola sem nada dizer ao filho. Levou o brinquedo
e, num momento em que ninguém estava olhando, colocou o objeto
no espaço escolar.
Outra mãe, de uma garota de pouco mais de dez
anos, vasculhou o celular da filha depois que ela foi dormir e viu conversas
com conteúdo muito erotizado para a idade dela. Ficou sem saber
que atitude tomar, já que havia descoberto isso mexendo no aparelho
sem permissão.
O pai de um adolescente, desconfiado de que o filho
estava usando maconha, desmontou o quarto dele em busca de vestígios
da droga, num final de semana em que o jovem viajou. Encontrou. Quando
o filho retornou, perguntou diretamente se ele usava a erva e - claro!
- recebeu uma resposta negativa e indignada. O pai aceitou a resposta
do filho, que o fez ficar sem ação.
Tomei esses três exemplo da vida real, entre tantos
outros que conheço, para apontar que tem havido certo constrangimento
de muitos pais na educação e na tutela dos filhos.
As reações comuns dos genitores dessas
situações mostram que eles têm dificuldade de enfrentar
os erros, os equívocos e as transgressões dos filhos.
Por que será? Tenho algumas hipóteses.
Primeiramente, temos tido dificuldade de enfrentar conflitos.
Conflito deveria ser positivo: diferenças de ideias, opiniões
e comportamentos podem gerar novas alternativas, se o diálogo
for a estratégia para administrar a situação. Mas
temos confundido conflito com confronto. Confronto não admite
diálogo, porque é a busca da supremacia de uma posição,
ou seja: no confronto é preciso anular a opinião, ideia
ou comportamento diferente.
Não existe família sem conflitos, sejam
eles reconhecidos ou não. Não é possível
educar sem conflitos, porque educar supõe desagradar aos filhos,
e isso gera conflitos.
Há outra questão importante: hoje, os
pais precisam mais do amor dos filhos do que estes deles. Em tempos
em que o prefixo "ex" impera, os adultos precisam da garantia
de uma relação afetiva até que a morte os separe,
e a ligação entre pais e filhos é essa possibilidade.
Não é possível forjar o caráter
dos filhos sem reconhecer os erros que eles cometem --muitas vezes sem
saber - e trabalhá-los. Não é possível educar
uma criança se ela constata que é mais esperta que seus
pais e outros adultos.
Alguém acha que as crianças dos exemplos
não perceberam e avaliaram a posição de seus pais
em relação ao que fizeram? No mínimo, concluíram
que podem fazer seus pais de bobos. Como, então, se deixar educar
por eles?
Ser mãe e pai exige coragem, potência,
credibilidade, firmeza. Os filhos precisam saber, de antemão,
que seus pais estão atentos a tudo o que fazem. Nenhum filho
merece que a mãe ou o pai tente descobrir, às escondidas,
o que eles fazem, onde vão, o que falam, escutam e veem. Também
não é possível respeitar a privacidade de um mais
novo que ainda não soube conquistá-la.
Para transmitir aos filhos a moral, a ética e
as virtudes priorizadas, é preciso ter autoridade, que é
construída no dia a dia. O comportamento dos pais dos exemplos
que citei os desautoriza perante os filhos. Aí, fica bem mais
difícil educar.
ROSELY SAYÃO é psicóloga
e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha)
Fonte: Folha
de São Paulo