Há no Espírito imortal
um universo de potencialidades a serem despertadas, desenvolvidas
e educadas.
Na condição de herdeiros
de Deus trazemos conosco riquezas das quais ainda não temos
dimensão e nem capacidade para as aquilatar, porém,
pode a educação verdadeira, aquela “arte de manejar
os caracteres” e de “formar hábitos”, como
preconizou Allan Kardec, desvendar esta vastidão de talentos
e colocá- los a serviço do progresso do seu portador
e de toda a coletividade humana.
Neste sentido, precisará o
educador espírita conhecer algo da Filosofia
Espírita da Educação, da proposta pedagógica
do Espiritismo para a educação e também possuir
um mínimo de conhecimento das ciências do mundo (Psicologia,
Biologia, Sociologia, etc.) para realizar a contento o seu mister.
Como o objetivo maior do processo
ensino-aprendizagem espírita é a formação
intelecto-moral, seja no âmbito do Centro Espírita,
seja no da família ou das escolas espíritas, urge repensarmos
a visão doutrinária de inteligência, para que
os intrumentos a serem utilizados por estas três importantes
instituições estejam fiéis à proposta
espírita. Numa nota em O Livro dos Espíritos(1)
, o Codificador assim se expressou:
“A inteligência
é uma faculdade especial, peculiar a algumas classes de seres
orgânicos e que lhes dá, com o pensamento, a vontade
de atuar, a consciência de que existem e de que constituem uma
individualidade cada um, assim como os meios de estabelecerem relações
com o mundo exterior e de proverem às suas necessidades.”
Às vezes consideramos inteligentes as pessoas que têm
uma capacidade considerável para armazenar dados, informações
e acessá-las quando é preciso.
Porém, não há
nenhuma alusão, nesta nota de Kardec, à memória
ou capacidade de memorização. O conceito espírita
é bem mais amplo e completo, mesmo porque a inteligência
é “um atributo exclusivo da alma” (2)
e não um departamento do cérebro circunscrito a uma
região específica, muito embora se utilize deste para
a sua manifestação.
Falar de desenvolvimento da
cognição, entendendo-a e estudando-a em seus
meandros, é de importância vital para os que lidam com
a educação espí-rita, pois precisamos basear
o “como se ensina” no “como a criança aprende”.
É a partir das formas pelas quais os educandos manifestam suas
vontades, se relacionam, constroem e reconstroem o mundo, e se apercebem
nele, que basearemos os nossos procedimentos didáticos. Isto
se quisermos levar em conta a bagagem de experiências e aquisições
que estão trazendo das outras reen-carnações.
E não fazê-lo seria um
contra-senso.
A este respeito, Howard Gardner
trouxe uma contribuição substancial ao propor a Teoria
das Inteligências Múltiplas, afirmando que os
seres humanos são capazes de desenvolver, pelo menos, sete
inteligências. Sua contribuição é bem mais
completa e sensata do que aquela tradicionalmente proposta por Binet,
com seus testes de Q. I. (quoeficientes de inteligência), que
avaliam unica- mente as faculdades lógicas e lingüísticas
do indivíduo. A teoria de Gardner parte da psicologia desenvolvimentista
e da neuropsicologia, e reconhece dife-rentes aspectos da cognição.
Para ele, todos temos estas sete inteligências, mas que por
razões genéticas e ambientais apresentam-se diferenciadas
entre as pessoas.
Os espíritas sabemos que não
é tanto o ambiente e nem tanto o fator genético, são
os ascendentes espirituais do reencarnante que vão predispô-lo
mais para um campo do saber do que para outro, além das suas
necessidades espirituais de ter esta ou aquela manifestação
intelectiva cerceada temporariamente.
Fazendo um amplo estudo entre crianças
excepcionais, crianças ditas normais e uma profunda pesquisa
de cunho antropológico sobre a evolução da cognição,
através dos milênios, ele concluiu existirem estas inteligências:
> Inteligência
Lingüística – é a habilidade para
agradar, estimular, transmitir idéias e usar a linguagem
para convencer.
> Inteligência Lógico-Matemática
– é a habilidade para reconhecer problemas, resolvê-los,
lidar com uma série de raciocínios, além de
uma facilidade para ordenar e sistematizar.
> Inteligência Musical – é
a habilidade para reproduzir sons, timbres, ritmos, perceber temas
musicais, etc.
> Inteligência Espacial – é
a capacidade para perceber o mundo visual e espacial de forma precisa.
Criar tensão, equilíbrio numa representação
espacial, manipular formas ou objetos mentalmente.
> Inteligência
Cinestésica – é a habilidade para usar
a coordenação em es-portes, artes cênicas ou
plásticas, na movimentação do corpo e manipulação
de objetos.
> Inteligência
Interpessoal – é a habilidade para entender
e lidar com as emoções alheias.
> Inteligência
Intrapessoal – é a capacidade que o indivíduo
tem de ter acesso ao seu mundo íntimo de sonhos, idéias,
sentimentos, discriminando-os, lançando mão deles
na resolução de problemas e na criação
de algo. Esta habilidade permite ainda que o seu portador formule
uma auto-imagem precisa de si mesmo.
Há ainda uma outra que vem
sendo estudada por esse pesquisador e que ainda não foi divulgada
oficialmente – a inteligência espiritual.
Tais inteligências, na visão
espírita, não são outra coisa senão o
acervo de conquistas do Espírito imortal em sua trajetória
evolutiva. Elas precisam ser diagnosticadas pelos educadores
espíritas a fim de serem trabalhadas, e mes-mo aquelas que
não se encontrem afloradas poderão ser despertadas mediante
um trabalho sério, com técnicas apropriadas para a transmissão
dos conteúdos espíritas e despertamento daquilo que
está no cerne das almas com as quais estamos lidando.
Se a educação espírita,
como a entendemos, é a educação do homem integral,
não há como continuarmos enfatizando somente aquilo
que as escolas terrestres priorizam em seus currículos: temos
que nos voltar ainda mais em nossas abordagens e procedimentos para
a realidade imperecível do ser, pro-movendo o seu “desenvolvimento
harmônico” como pretendia Pestalozzi. O que afirmamos
cresce em importância quando tomamos contato com tais assertivas
de Allan Kardec (3): “Em cada criança
que nascer, em vez de um Espírito atrasado e inclinado ao mal,
que antes nela encarnaria, virá um Espírito mais adiantado
e propenso ao bem.” (Grifo de Kardec.)
E ainda acrescenta, referindo-se aos
novos tempos e às novas gerações (4):
“Cabendo-lhe fundar a era do progresso moral, a nova geração
se distingue por inteligência e razão geralmente precoces,
juntas ao sentimento inato do bem e a crenças espiritualistas,
o que constitui sinal indubitável de certo grau de adiantamento
anterior.” (Idem.)
Não há como dissimular
o papel relevante da educação espírita
junto a esses Espíritos que há algum tempo já
começaram a reencarnar. São eles os artifíces
de uma nova ordem social, os promotores de uma revolução
nos diversos campos do conhecimento humano e estão renascendo
nas favelas, nos campos, nas cidades, em todos os lugares.
São muitas as dificuldades
que os educadores espíritas têm a vencer para que um
trabalho desse porte possa efetivar-se. Mas a maior delas continua
a ser o desconhecimento do grande potencial educativo que
a Doutrina Espírita encerra. Depois as visões
pessimistas e apressadas sobre a proposta da Escola Espírita.
E ainda as imperfeições pessoais que todos carregamos
e que nos impedem de nos aglutinar com espírito de humildade
em torno de grandes projetos e ideais.
Mas como afirmou Max Weber e com ele
concordamos plenamente: (5) “O
homem não teria alcançado o possível se repetidas
vezes não tivesse buscado o impossível.” Prossigamos
então, todos os que acreditamos no imenso potencial educativo
da Doutrina Espírita, em nossas atividades pedagógicas,
sem desmerecer ou fazer juízo de valor, em relação
aos que identificam no Espiritismo o seu ca-ráter puramente
assistencial. Mas recordemos que a maior das caridades reali-zada
pelo Divino Mestre foi a de legar-nos o seu Evangelho, repleto de
exortações voltadas para o crescimento interior das
almas, para o trabalho de auto-educação, perseverante,
solidário, racional e amoroso.
1. KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Rio
de Janeiro, 80. ed. FEB, perg. 71, p. 78, 1998.
2. _____. A Gênese. Rio de Janeiro, 38. ed. FEB, cap. III, item
12, p. 75, 1999.
3. Idem, ibidem, cap. XVIII, item 27, p. 418.
4. Idem, ibidem, item 28, p. 419.
5. GAMA, Maria Clara Sodré Salgado. A Teoria das Inteligências
Múltiplas ou a Descoberta das Diferenças. Ensaio, Rio
de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 13-20, jan./mar., Fundação
Cesgranrio, 1994.