É bastante comum em nossos
dias ouvirmos reclamações de pais e professores, em
torno do comportamento indisciplinado de crianças e jovens.
Palavrões, brigas, pichações,
desrespeito aos mais velhos, desleixo com a aparência, iniciação
sexual precoce, gravidez na adolescência, etc., fazem parte
do rol de atitudes mencionadas para caracterizar esse comportamento
indisciplinado.
Não se pode perder de vista
o despreparo dos pais na condução da prole.
Quando bem dotados financeiramente,
matriculam os filhos nas melhores escolas, proporcionam-lhes viagens
de estudos e entretenimento, oferecem-lhes cursos de informática
e idiomas, alimentação apurada, cuidando com extremo
desvelo do corpo, investindo somente na sua formação
intelectual.
A formação moral, quando
lembrada, é relegada para alguma religião ou transferida
para a escola, pois estes mesmos pais estão muito ocupados
com outros afazeres ou envolvidos com outras atividades que consideram
relevantes.
Nas famílias menos dotadas
de recursos materiais, o desenvolvimento da criança já
se vê comprometido em razão da carência alimentar,
da falta de tempo dos pais para orientá-los, pois saem muito
cedo para trabalhar e retornam muito tarde. Existindo então
outros compiladores.
Às vezes a criança é
filha de pais separados, que por razões diversas nem sempre
conseguem atender convenientemente às suas carências
e necessidades.
A televisão tornou-se de um
tempo para cá a companheira e a educadora de muitas das nossas
crianças e jovens, e, infelizmente, uma companhia altamente
questionável.
É preciso que se diga, ainda,
que os professores, na grande maioria, não foram preparados
para lidar com crianças que apresentam problemas de comportamento
e nem com aquelas portadoras de necessidades especiais.
Quando conseguem um mínimo
de conhecimento teórico, é porque fazem algum curso
adicional ou a larga experiência dos anos lhes fez acumular
conhecimentos suficientes sobre o assunto.
Ao despreparo dos pais junta-se o
despreparo dos professores.
Considerando essa variedade de fatores
que, até certo ponto, explicam os problemas apresentados pelos
educandos, não podemos esquecer que eles são Espíritos
reencarnados, trazendo tendências e aptidões das vidas
passadas. E que os mesmos possuem afetos e desafetos no mundo espiritual,
influenciando-lhes direta ou indiretamente o comportamento.
Com tudo isso, como estabelecer uma
disciplina que prepare, oriente e colabore na formação
de homens de bem?
Didaticamente podemos pensar
em três níveis de disciplina:
• PREVENTIVA
• PUNITIVA
• REPARADORA
A disciplina preventiva
é aquela que é trabalhada desde a gestação,
perpassando todas as fases do desenvolvimento biopsicossocial da criança.
Paulo Freire (1989) salienta que a
disciplina externa é necessária para estruturar a interna
e que a criança entregue a si mesma dificilmente se disciplina.
A presença e o exercício da autoridade paterna e materna
é indispensável na construção da sua autonomia.
Parafraseando o educador Rubem Alves (1988), afirmamos que é
necessário libertar a criança das disciplinas desnecessárias,
a fim de que ela consiga lidar com aquelas que são inevitáveis
no caminho de qualquer pessoa adulta, e até mesmo aceitá-las.
Como é importante a presença
de limites, de regras na fase infantil. E disciplina não é
apenas um conjunto de normas que estipulam deveres a ser cumpridos.
A natureza possui uma disciplina sem a qual os mares invadiriam as
regiões continentais, os continentes gelados se derreteriam,
as cadeias alimentares entrariam em desequilíbrio, os planetas
colidiriam uns com os outros.
O amor estabelece a disciplina do
bem-querer, do perdoar incessantemente, do fazer o bem a quem nos
faz o mal e assim por diante.
Não podemos e nem devemos associar
disciplina a surras e agressões, pois esse tipo de postura
já é violência e não disciplina.
Joanna de Ângelis (1991)
fala-nos de três tipos de indivíduos adultos, que resultam
de uma educação bem ou mal orientada:
a) Os insatisfeitos:
são aqueles que foram vítimas de pais instáveis
emocionalmente, despreparados para orientarem seus filhos para a vida.
Pais violentos ou indiferentes.
b) Os dependentes:
são aqueles que foram mimados, tiveram todas as suas vontades
e caprichos satisfeitos, viveram numa redoma e quando em contato com
o mundo, precisando cortar o cordão umbilical e decidir, optar,
entram em crises ou sempre recorrem a quem possa decidir por eles.
c) Os realizados:
são pessoas que vivem instantes de dependência e de insatisfação,
mas conseguem administrar bem os seus conflitos. Normalmente conviveram
com regras e tiveram afeto durante a infância, e graças
a isso, desenvolveram uma capacidade de decidir com autonomia, correndo
os riscos necessários e assumindo as consequências dos
seus atos.
A esse respeito Pedro de Camargo
(1977) escreveu:
“Para bem agirmos em prol
do saneamento moral, precisamos partir deste princípio: o crime
não é o criminoso, o vício não é
o viciado, o pecado não é o pecador (...) o doente não
é a doença. Assim como se combatem as enfermidades e
não os enfermos, assim também se deve combater o crime,
o vício e o pecado, e não o criminoso, o viciado e o
pecador”.
Theobaldo Miranda Santos (1964) afirma que os castigos ministrados
com raiva até acentuam a revolta da criança. É
necessário que ela perceba na correção de que
é objeto o propósito do seu aperfeiçoamento.
A disciplina reparadora é a única capaz
de ir até as causas da indisciplina, que se localizam no Espírito
imortal, e que segundo Ney Lobo (1989), citando Allan Kardec, residem
no instinto de conservação exagerado e no desconhecimento
do passado e do futuro do Espírito. Só ela pode minimizar
a crença na superioridade individual, o orgulho e o egoísmo,
que conduzimos em nosso cerne.
Exemplificando, é preciso que a criança seja levada
a corrigir o que errou, consertar o que quebrou, repor o que retirou,
desculpar-se com quem ofendeu, fazendo sempre uma ação
contrária e correta àquela que foi considerada uma indisciplina.
Conscientizando-se de que errou.
É claro que isso não
se consegue sempre no exato momento em que ela é flagrada em
erro. É preciso que os educadores, de modo geral, tenham o
tato necessário para aguardar a hora certa de solicitar a correção.
No calor das emoções exaltadas é muito difícil
que a criança se predisponha a essa reparação.
E não raro, quando se exige isso logo de imediato, comete-se
um outro erro, o de humilhá-la, obrigando-a a uma correção
forçada e exterior, sem que ela se convença do seu equívoco.
Escreve o filósofo Ney Lobo (1989) que:
“O grau de responsabilidade
disciplinar do educando deve ser diretamente proporcional à
gravidade da falta, ao grau de liberdade em cometê-la ou não
e a sua idade, não somente biológica ou mental, mas
relativa ao nível espiritual. Esta idade espiritual se apresenta
através dos componentes: inteligência e moralidade (variáveis
de um espírito para outro)".
É com a disciplina reparadora que a criança
conseguirá ser um adulto realizado, nas palavras de Joanna
de Ângelis, libertando-se de sentimentos de culpa, da censura
social, estruturando sua disciplina interna e utilizando seu livre-arbítrio
sempre para o bem.
Diz-nos também Allan Kardec (1997) no
livro "O Céu e o Inferno":
“Arrependimento, expiação
e reparação constituem, portanto, as três condições
necessárias para apagar os traços de uma falta e suas
consequências. O arrependimento suaviza os travos da expiação,
abrindo pela esperança o caminho da reabilitação;
só a reparação, contudo, pode anular o efeito
destruindo-lhe a causa."
Só nos resta investir
cada vez mais na Educação do Espírito, se quisermos
fazer da Terra um mundo feliz, governado por Homens inteligentes e
bons, regidos pela disciplina do Amor.
BIBLIOGRAFIA
KARDEC, Allan. O Céu
e o Inferno ou A Justiça Divina segundo o Espiritismo. Rio
de Janeiro, FEB,1997.
ALVES, Rubem. O Enigma da Religião. Campinas: Papirus, 1988.
CAMARGO, Pedro de. O Mestre na Educação. Rio de Janeiro:
FEB, 1977.
FRANCO, Divaldo Pereira. Momentos de Consciência. Pelo Espírito
Joanna de Ângelis.
Salvador: Alvorada, 1991.
FREIRE, Paulo. Dialogando sobre disciplina. In: D’ANTOLA, Arlette
(org). Disciplina na escola: Autoridade versus autoritarismo. São
Paulo: EPU, 1989.
LOBO, Ney. Filosofia Espírita da Educação. Rio
de Janeiro: FEB, 1989.
SANTOS, Theobaldo Miranda. Noções de Filosofia da Educação.
São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1964