Nós escolhemos muito. Ficamos
melindrados por pouca coisa. Falamos do ego dos outros sem observarmos
o próprio. Heterocrítica afiada, autocrítica
cega. Intelectualidade elevada, sentimento opaco. Muitas opiniões,
poucos valores. De um lado, grande adequação e senso
sociais. No outro extremo, discernimento consciencial quase nulo.
Fazemos pouco pela humanidade. Pelo pouco que fazemos a ela nos
sentimos grandes, credores de um rosário de favores. Nossas
verdades pessoais são "relativas" e "lúcidas".
As verdades alheias, "absolutas" e "primitivas".
Julgamo-nos universalistas sem, contudo, enxergar a pedreira de
facciosidade que nos oprime as costas. Dizemos que compreendemos
os outros, mas voltamos para casa em silêncio, imersos em
pensamentos de crítica ferina, muitas vezes gratuita, desnecessariamente
severa. Somos "pretos" falando de "brancos",
"brancos" falando de "índios". Cínicos
a exigirem de outrem pureza de sentimentos. "São caboclos
querendo ser ingleses", diria Cazuza.
Falamos de fraternidade, porém nos ressentimos por qualquer
coisa.
Falamos de ego, todavia não arredamos o pé da posição
doutrinária, intelectual ou institucional. Falamos de humildade
sem vislumbrá-la ou vivenciá-la. Confundimos a verdadeira
humildade (simplicidade d'alma) com cordialidade protocolar (politicamente
correto).
Confundimos sinceridade com orgulho da própria rudeza. Somos
farinha do mesmo saco. Humanos, terráqueos, chame do que
quiser.
Cada qual com sua verdade, com sua "salvação",
com sua ortodoxia, inarredável e intransigente, discreta
ou escancarada – seja na alimentação, na doutrina,
na filosofia, na ecologia, ostentamos o carvalho inflexível,
"cheio de razão". Quebra mas não verga.
Nossos amparadores (guias, mentores, benfeitores espirituais) assistem
a tudo, serenos e compassivos. Somos os karmas negativos deles.
Os amparadores de ocasião (espíritos amigos mais densos
como nós) se aborrecem e se retiram, para voltarem mais tarde.
Os verdadeiros amparadores não julgam, não olham nossa
longa lista de defeitos, negligências e teimosias. Se eles
pudessem, escolheriam gente melhor para ser amparada – nos
descartariam com toda a razão. Mas eles são aprendizes
do amor e o amor não descarta, não julga, não
humilha e
nem se ofende.
Olham-se nos olhos os amparadores dos dois companheiros que divergem.
Imbuídos de compaixão, ambos os amparadores fitam
seus amparados, enquanto estes defendem seus pontos de vista com
paixão, ou seja, passando longe do universalismo, ignorando
pontos de convergência que saltam aos olhos. Tentam intuir
o universalismo, a síntese e a flexibilidade em seus corações
– como bola de ping-pong, bate e volta naquelas cabeças
duras e corações frios.
Quando os pontos de vista são polêmicos, então
nem se fala – homossexualismo, adoção, vegetarianismo
versus carnivorismo, mediunismo versus animismo, clonagem, embriões,
aborto, eutanásia, distanásia, suicídio, viagem
astral, etc.
Somente o vôo da alma leve e da consciência sem grilhões
enxerga a visão de conjunto tão difícil às
mentes ortodoxas e condicionadas, embora às vezes cultas,
intelectualizadas, bem-articuladas e até
parapsíquicas.
Universalismo não é salada mística, colcha
de retalhos, ecumenismo doido, buscador-borboleta, nem sincretismo
contraditório.
Universalismo significa, antes de tudo, flexibilidade da mente e
do coração. Percepção aguda de nuanças
conscienciais sutis. Entendimento de paradoxos. Distinção
entre paradoxos da natureza e contradições do comportamento
humano. Autoconhecimento das próprias limitações.
Respeito às limitações alheias. Compreensão
de que existe o Relativo e o Absoluto, de que o relativo não
é murismo, leviandade ou indecisão. Ciência
de que humildade não é ignorância, doença
moral, pobreza financeira ou personalidade fraca, mas estado consciente
de modéstia pro-ativa, com auto-estima inteligente, depurada
da arrogância e da vaidade patológicas.
Universalismo reflete amplitude de raciocínio – maturidade
suficiente para perceber que, às vezes, há mais exceção
do que regra, além de muitos "senões" e
"porquês".
Em suma, nós escolhemos muito. Com o dedo em riste, descortinamos
as falhas alheias, enquanto nossos amparadores nos toleram, observando-
nos a disparar dardos retóricos e bioenergéticos,
de quem se sente "cheio de razão".
Os que procuram o autoconhecimento sincero e tentam tomar as rédeas
de seu ego ganham apoio extrafísico elevado, oriundo de amparadores
universalistas, espíritos cônscios de que ninguém
é perfeito, principalmente na Terra, educandário de
"peças raras". Entretanto, os mais recalcitrantes
e teimosos permanecem vinculados ao manicômio terráqueo
das dores e sofrimentos humanos – um estabelecimento mais
"barra-pesada" que a escola-reformatório planetária.
O livre-arbítrio é um fato e uma opção
consciente. Sem humildade não há universalismo. A
cabeça pode estar cheia, mas o peito está vazio.
A mente pode conhecer, mas só o coração pode
saber (sabedoria).
Você não tem de se curvar a ninguém, mas terá
de se curvar às Leis Naturais, pois o relativo está
contido no Absoluto.