Dos flanelinhas que defendem seus
"pontos" nas vias públicas, ao Império Romano,
ou dos traficantes, que exploram "bocas" com exclusividade,
aos domínios da Microsoft, permeia a propriedade. Os fisiocratas
do Século XVIII, com Quesnay e Turgot, afirmavam que toda a
riqueza provinha da natureza, enquanto para Adam Smith (1723-1790),
da escola liberal, a riqueza resulta do trabalho.
A Revolução Francesa,
deflagrada um ano antes da morte do iluminista Adam Smith, viria revolucionar
tanto a propriedade quanto o trabalho, transformando-se em inspiração
para outras revoluções e, mais tarde, de várias
constituições de países.
A tese espírita da propriedade
foi anunciada menos de um século depois, de caráter
absolutamente universal e talvez por isso venha a manter-se com atualidade,
sem tempo para ser esgotada. Sua leitura em O Livro dos
Espíritos, mesmo assim, parece ter um fulcro
do tempo em que foi exposta, ou seja, a propriedade como algo material,
no conceito econômico, infungível. Ocorre que tempos
posteriores conheceriam novos entendimentos sobre bens, com mudanças
de curta duração.
No tempo mais recente, os conceitos de propriedade intelectual e sua
derivação virtual, ganham importância nas defesas
de seus autores. O valor do saber, do conhecimento, surge vantajoso
na competição, enquanto as questões ambientais,
sequer sonhadas pelos Espíritos dos meados do Século
XIX, avolumam-se, com repercussões econômicas indiscutíveis.
De fato, qualquer tese que queira ser moderna não pode prescindir
de duas componentes: a melhor repartição da riqueza
e a sustentabilidade do ambiente.
Por sequência, uma fórmula
química, uma partitura, um trabalho de pesquisa, em qualquer
campo, são propriedades pessoais ou empresariais, que podem
ser disponibilizados a gosto de seus autores, de graça ou a
troco de dinheiro.
Mais à frente, o fenômeno
Bill Gates, dono da Microsoft, criou valores, com base no campo virtual,
que assustam aos proprietários de bens físicos. Essa
empresa tem um valor de mercado( US$ 60 bilhões) equivalente
a oito vezes seu balanço contábil. Valores de portais
na net, alguns recentemente criados por jovens quem não usam
paletó ou gravata, assumem grandezas extraordinárias,
tudo pelo seu potencial de comunicação, paradoxalmente,
sobre algo mutável no essencial, "que não existe",
diria, o mundo virtual.
O desafio de legitimar essa "propriedade"
é o mesmo aplicado a bens físicos, usuais ao tempo de
Kardec (1804-1869). Mas, de certo modo, aquela propriedade só
existe se for constantemente mutável, resultado da corrida
do saber e da tecnologia. Daí, a rápida obsolescência
dos aplicativos e programas de informática, bem como dos respectivos
equipamentos. Digamos que nós, consumidores, é quem
legitimamos a propriedade em torno do mundo virtual.
As questões ambientais, que
tendem a crescer, surgem como novo aditivo em termos de propriedade
e sua legitimação. Os Espíritos cravaram que
legítima é a propriedade adquirida sem prejuízo
para os outros. O ingrediente da sustentabilidade (as ações
produtivas devem garantir o bem-estar de gerações futuras)
é uma exigência econômica de vulto, tanto que nações
como os Estados Unidos se recusam a assinar o Protocolo de Kyoto,
regulador de emissões de gás carbônico para a
atmosfera. Vale dizer que uma ação econômica que
não respeite o ambiente, segundo os padrões agora exigidos,
colidirá com a tese dos Espíritos.
Sobre a renda, há uma discussão interessante. O homem
tem buscado não só a sobrevivência confortável,
como a acumulação de bens, o aumento da riqueza. Para
tanto, ele (nós) despendemos esforços, até acima
do razoável. Enquanto outra motivação não
se impõe, convém conhecer-se o pensamento de Adam Smith
a respeito. Em síntese, o economista escocês disse que
cada indivíduo procura seu próprio ganho, mas é
como se fosse levado por "uma mão invisível"
para produzir um resultado que não fazia parte de sua intenção.
"Perseguindo seus próprios interesses, frequentemente
promove os da sociedade, com mais eficiência do que se realmente
tivesse a intenção de fazê-lo".
A tese smithiana é verdadeira, mas à luz da solidariedade,
é melancólica. Aí está "primeiro
eu" e para os outros, "a sobra". Essa busca, que ainda
reflete "o espírito animal" do homem, deve ser um
foco de mudanças.
Allan Kardec perguntou se o desejo de possuir é natural. "Sim,
mas quando o homem só deseja para si e para sua satisfação
pessoal, é egoismo. Há homens insaciáveis...",
disseram os Espíritos. É nessas bases, no entanto, que
o mundo se apóia em maior medida e as experiências históricas
que tentaram apressar a repartição das riquezas, via
decreto ou fusil, tiveram que mudar de meios. No contra-ponto está
a "mão invisível" de Smith, de natureza expontânea,
que ficaria bem melhor com a visão da imortalidade, antecedida
da certeza de que levamos para outros planos apenas os valores da
experiência e do conhecimento
José Rodrigues, jornalista e economista,
integra o Centro Espírita Allan Kardec, de Santos.
texto de 6 de fevereiro de 2007
Fonte: http://viasantos.com/pense/arquivo/1185.html
* José Rodrigues (1937-2010),
economista e jornalista, um dos fundadores e editores do site Pense
- Pensamento Social Espírita e fundador da ARS - Ação
de Recuperação Social, de Santos-SP, foi redator do
periódico Espiritismo e Unificação e membro do
conselho de redação do Abertura - jornal de cultura
espírita. É autor do livro “Vila Socó:
Uma Tragédia Programada”.
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