A ideia diretriz de uma nova religião
que se seguirá à era cristã haveria de
ser a de que todos são Cristo”. C. G. Jung
“A ideia é muito simples, tão
simples, se não tomar cuidado, você a esquecerá.
É a seguinte – todos no mundo são Cristo
e que todos são crucificados. É o que eu quero
dizer. Não esqueça disto. Aconteça o que
acontecer, não se atreva a esquecê-lo”. Sherwood
Anderson.
O psicólogo suíço
Carl Gustav Jung refere que todo o processo interior do homem ocidental
passa, necessariamente, pelo mito de Cristo. Podemos afirmar sem
medo que o processo de todos os “filhos da terra” passam
necessariamente por Jesus.
No livro de Max Jammer (2000), Einstein
e a religião, encontramos uma citação de Einstein
que diz “Ninguém consegue ler o evangelho sem sentir
a presença real de Jesus. A personalidade dele pulsa em cada
palavra. Nenhum mito tem tanta vida assim” (p.22).
Herculano Pires (s.d.) afirma que o mito não é uma
coisa ilusória ou uma mentira, mas uma realidade interna
da alma que se projeta no mundo externo. Do ponto de vista psicológico
o mito é um padrão exemplar a trazer questões
vitais e permanentes.
Mas o que isso significa para uma
psicologia com contornos espirituais? Que implicações
oferecem para cada um de nós?
Podemos afirmar, por exemplo, que o processo que passamos tem padrões
muito claros e marcados pela vida de Cristo. Assim, podemos falar
que toda a vida do homem deve ser sacrificial, o sacrifício
como sagrado ofício, isto é, consagrada a uma idéia
maior que o próprio indivíduo.
Mas essa afirmação
ainda não faz jus a idéia que queremos transmitir.
Mais do que uma “imitatio Christi”, queremos dizer que
quando falamos em processo interno, estamos falando em algo que
ocorre e foi possibilitado porque Jesus esteve aqui nesta terra
e nos deixou essa condição. Que sua vida é
um marco que restaura o significado de nossas vidas e dá
uma nova noção: a que existe uma caminhada individual.
Com Jesus nos defrontamos de maneira clara e definitiva com a noção
de indivíduo e de liberdade. Tirando-nos de um destino que
sucumbe às forças coletivas ou de deuses irados para
a realização de um caminho próprio.
Temos em André Luiz uma passagem
belíssima sobre a influência de Jesus à humanidade,
diz ele que
Desde a chegada do Excelso Benfeitor
ao Planeta, observa-se-lhe o pensamento sublime penetrando o pensamento
da Humanidade. Dir-se-ia que no estábulo se reúnem
pedras e arbustos, animais e criaturas humanas, representando os
diversos reinos da evolução terrestre, para receber-lhe
o primeiro toque mental de aprimoramento... Aquele que vinha libertar
as nações, não na forma social que sempre lhes
será vestimenta às necessidade de ordem coletiva,
mas no ádito das almas, em função da vida eterna...
Ele chega sem qualquer prestígio de autoridade humana, mas,
com sua magnitude moral, imprime novos rumos à vida, por
dirigir-se, acima de tudo, ao espírito, em todos os climas
da terra. Transmitindo as ondas mentais das Esferas Superiores de
que procede, transita entre as criaturas, despertando-lhes as energias
para a Vida Maior, como que a tanger-lhes as fibras recônditas,
de maneira a harmonizá-las com a sinfonia universal do Bem
Eterno (1984: p. 182).
Podemos notar nessa passagem que
Jesus rompe com o padrão até então vivido pelo
homem, transgredindo com sua mente poderosa (com ondas das Esferas
Superiores) a nossa mente infantil e fechada. Ele então faz
ao homem interior, pois se dirige ao espírito. Quão
grandiosa e profunda é essa contribuição! Quão
marcante é a sua presença que muda a paisagem do mundo
terreno. Como diz o texto, ele imprime novos rumos à vida.
E é exatamente isso que importa considerarmos. Que rumos
são esses? O que significa esse despertar? Eles desperta
a nós! Jesus descortina um mundo novo: o mundo subjetivo
do espírito.
Temos para isso que vencer nosso
próprio demônio. Não podemos esquecer da tentação
de Jesus no deserto, quando ele se defronta contra o seu pior inimigo,
o demônio do poder que lhe oferece um reino. Mas ele foi capaz
de compreender e recusar, dizendo; “Meu reino não é
deste mundo”. Com nos diz Jung, de qualquer forma havia um
reino. Lembrando uma outra passagem em Lucas 17, 20-21 onde está
- “E, interrogado pelos fariseus sobre Quando havia de vir
o reino de Deus, respondeu-lhes, e disse: O reino de Deus não
vem com aparência exterior. Nem dirão: Ei-lo aqui,
ou Ei-lo ali; porque eis que o reino de Deus está dentro
de vós”.
Essas duas afirmações
expressam de maneira muito clara que existe uma nova perspectiva.
Depois dele tomamos contato com um caminho próprio e individual.
Descobrimos de maneira evidente que existe um mundo interno e é
ele o nosso objetivo maior. Existe um reino e ele não é
desse mundo, esse reino é o reino de Deus, mas pasmem, ele
está exatamente aonde? Não no mundo que nos confunde,
não na família que nos exercita, não na religião
ou qualquer filosofia de vida. Ele está dentro de nós.
Queremos colocar que devemos fazer
exatamente o que fez Cristo, não imitando-o, mas devemos
fazer a nossa experiência. Isto significa o comprometimento
com o homem total, “o esforço de realizar o “homem
total” oculto e ainda não manifesto, que é também
o homem mais amplo e futuro” (Jung,
1991).
Temos ainda o ranço de jogar
os nossos pecados sobre Cristo a fim de escapar de nossa responsabilidade
mais profunda e isto contradiz o espírito do cristianismo.
Jesus pegou o que era inferior e mostrou que isso não deve
permanecer do lado de fora. Não deixou-se seduzir nem relegou
os aspectos indignos do homem - suportou, compreendeu e transformou.
O maior desvalor (chamado popularmente de pecado) encontra o valor
supremo (Cristo) e é isso que devemos realizar: o encontro
do que é inferior com o que é superior, dentro de
nós.
E senão conseguimos conduzir o homem interior ao seu pleno
desenvolvimento e realização é porque queremos
imitar o Cristo de maneira literal. Agindo de maneira superficial
e formalística, transformamos Jesus num objeto externo de
culto. Essa mentalidade rouba a misteriosa relação
com o homem interior.
Sabemos que ninguém mexe com fogo sem ser atingido de alguma
forma. Jesus teve a capacidade de nos atingir, mesmo não
querendo, mesmo negando-o, fomos atingidos e por causa disso não
somos mais os mesmos. Com Jesus a atenção não
mais recai apenas sobre aquilo que se faz, mas sobre o como se faz
determinada ação, pois é isso que inclui todo
o ser daquele que age. Encontramos em João 16:33, as palavras
de Jesus “No mundo, tereis tribulações, animai-vos,
porém. Eu venci o mundo”.
Podemos entender a dinâmica que cristo viveu e sua marca que
nos acompanha no d.C. como estágios que o ser passa, mais
precisamente o ego, num processo dialético que nos leva ao
progresso, em direção a uma meta. Processos que resultam
em diversas transformações e soluções,
expressando o desenvolvimento de uma subjetividade que nos devolve
para um todo objetivo. Assim, a presença de Jesus não
mudou apenas as formas de pensar e conceitos até então
válidos como a noção de justiça, a ordem
social e o valores que norteiam o homem. Mas mudou a forma de vivenciar
e olhar para esses mesmos valores e conceitos. Ele tira o olhar
de fora, da vivência exterior para um olhar de dentro, uma
vivência interna. Todas as correntes idealistas, com Kant
e o românticos alemães; todas as tentativas de organizar
a relação entre sujeito e objeto, na busca de como
se dá o sentido e se reconhece a verdade como a fenomenologia
e a hermenêutica de Heidegger; as questões dos filósofos
existencialiostas; todas as discussões modernas sobre subjetividade
e subjetivação; tudo isso foi profunda e revolucionariamente
apresentado por Jesus.
Mas quando se fala em subjetividade, não estamos nos referindo
às experiências do ego com suas fantasias narcisistas
e fechadas egoisticamente. Essa subjetividade onde o outro não
existe e onde a minha dor parece a maior de todas, não tendo
noção nem dimensão do que seja a dor num contexto
mais amplo. Que acaba fazendo que adolescentes matem os outros porque
simplesmente estão irados, curiosos ou brigaram com as namoradas.
Essa subjetividade é a doença de um ego que perdeu
o contato coma totalidade da vida. Estamos falando de uma subjetividade
que significa mundo interior. E mundo interno não quer dizer
mundo privado: eu com minha preocupações, eu levando
para dentro o mundo externo ou vivendo minhas coisas. O mundo privado
fala ainda de um eixo horizontal e estamos nos referindo ao eixo
vertical da vida, o mundo interno com sua profundidade onde encontramos
a alma.
Depois dessa ressalva, podemos enumerar e resumir as contribuições
deixadas por Jesus com a noção de mundo interno ou
subjetividade:
1) libertação da psique infantil; 2) operacionalização
sobre os problemas dolorosos da vida; 3) Entendimento dos sintomas
como condição própria de cada um e por isso
superável por nós mesmos; 4) nova racionalidade; 6)
descoberta da capacidade de mudança e poder pessoal; 7) uma
nova perspectiva de vida; 8) reconhecimento do mundo interno e conquista
de si mesmo.
Temos também uma perspectiva histórica com a vivência
deixada por Jesus. Joaquim de Flora (in Jaffe, 1992), teólogo
do século XII, postulou três períodos da história
do mundo: a Idade da Lei, ou do Pai; a Idade do Evangelho, ou do
Filho; e a Idade da contemplação, ou do Espírito
Santo. Podemos estabelecer uma relação interessante
sobre esses estágios, considerando todo esse período
que antecede Jesus e depois de sua vinda. Como nos ensina o Evangelho
Segundo Espiritismo, a primeira revelação veio com
Moisés. A dispensação judaica centrava-se na
Lei e na coletividade do povo escolhido. Temos uma visão
baseada em postulados coletivos e uma ordem que todos os hebreus
devem seguir em nome de sua nação. Esta é uma
perspectiva onde o valor da subjetividade não está
presente, vale a idéia de nação. Na Segunda
revelação encontramos o valor na fé e num indivíduo
singular, concebido como um ser divino. Jesus é esse indivíduo
que reuniu o conteúdo sagrado carregado anteriormente pela
nação de Israel, personificando o homem-Deus. Essa
vivência de Jesus transfere a tarefa para cada um , já
que ele é o caminho, a verdade e a vida. Como nos afirma
Jung, “Cristo é o homem interior ao qual se chega pelo
caminho do autoconhecimento”.
Encontramos no evangelho apócrifo
de Tomé, o Dídimo, duas passagens que marcam bem essa
condição deixada por Jesus: “Todo aquele que
conhece o Todo e não conhece a si próprio, a este
falta tudo”; e “Se derdes à luz o que tendes
dentro de vós, o que tendes dentro de vós vos salvará.
Se não tendes dentro de vós, o que não tendes
dentro de vós vos matará”. Na versão
inglesa encontramos a última parte do texto com uma tradução
do original diferente da portuguesa que talvez traduza melhor o
sentido e onde diz que “se não revelares o que tem
dentro de vós, o que não revelares vos destruirá”.
Com Jesus aprendemos que devemos realizar o que existe de mais verdadeiro
em nós. E ele então promete o consolador, apresentando
a terceira dispensação. Essa terceira revelação
está centrada na experiência pessoal e conectiva, onde,
através da experiência medial, cada um de nós
é convocado a ser o escolhido, o sacrificado de Deus. Estamos
conectados em todos os níveis, podendo sintonizar e fazer
parte dessa grande corrente onde o espírito de verdade se
faz ouvir.
Joanna de Ângelis (1998) nos afirma que Jesus é o perene
momento em que o Rei Solar mergulhou nas sombras terrestres, a fim
de que nunca mais houvesse trevas na humanidade, possibilitando
uma perfeita identificação entre a criatura e o seu
Criador, para todo o sempre. A benfeitora nos coloca que Ele implantou
o Seu reino no país das almas, inaugurando a Era da renúncia
aos bens terrenos. Convidou-nos ao despertamento. Podemos dizer
com a palavras de Joanna “busca a Jesus nas tuas paisagens
íntimas e estabelece um vínculo de amor com Ele, deixando-te
conduzir pelo caminho seguro do Bem” (p. 28).
Coloca-nos a benfeitora (2000) que Jesus aspirava para todos os
indivíduos a mesma posição que conseguiu, tendo
o Pai como exemplo e Foco a ser conquistado. Propôs que ninguém
se satisfaça com o já conseguido, mas cresça,
busque e se entregue ao esforço constante de libertação,
ascendendo no rumo da Grande Luz.
Por isso Jesus é o grande libertador de nossa alma, o iniciador
de nossa condição como espíritos capazes e
livres. Abrindo os horizontes do homem interior e nos mostrando
o caminho da conquista individual, onde todos estão a partir
dele autorizados e conscientes que podem ser um Cristo.
Para finalizar, deixamos a poesia de Tagore falar o quanto a nossa
alma precisa de Deus. E foi esse o convite e caminho deixado por
Jesus:
LUGAR DE AMOR
Em todo indivíduo existe
um recanto imaculado,
virgem, inexplorado,
silencioso,profundo...
Em toda criatura permanece
um mundo,
santo e ignorado,
nunca dantes penetrado,
aguardando,
enriquecido de ternura...
Há, no abismo de toda alma,
um rochedo,
um lugar, uma ilha,
um paraíso,
recanto de maravilha
a ser descoberto...
Em todo coração se
demora
um espaço aberto para a aurora,
um campo imenso,
a ser trabalhado,
terra de Deus,
lugar de sonho,
reduto para o futuro...
Em toda a vida
há lugar para vidas,
como em toda alegria
paira uma suave melancolia
prenunciadora de aflição
Há, porém, um lugar
em mim,
na ilha dos meus sentimentos não desvelados
um abismo de espera,
um oceano de alegria,
um cosmo de fantasia,
para brindar-Te,
meu Senhor!
Vem, meu amado,
Rei e Senhor,
dominar a minha ansiedade,
conduzir-me pela estrada
da redenção.
E toma desse estranho e solitário
país,
reinando nele e iluminando
com as tuas claridades celestes,
para que, feliz, eu avance,
até o desfalecer das forças,
no Teu serviço libertador.
Vem, meu Rei,
ao meu recanto,
e faze de minha vida
um hino de serviço.
E por Ti uma perene
canção de amor.