Eliseu Rigonatti

>    O racismo no Espiritismo

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Eliseu Rigonatti
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Lendo o livro de Gilberto Freire, Novo Mundo nos Trópicos, à pagina 124, in fine, deparou-se-me esta afirmativa do grande sociólogo:

“A tentativa geral no Brasil dos nossos dias é para considerarmos a escravidão episódio encerrado...”

Permitam-me que o pigmeu que sou discorde do gigante que é um dos meus ídolos: não, o episódio da escravidão ainda não está encerrado; e o que dizemos da raça negra é válido também para a raça indígena, aqui encontrada e convertida à escravidão. Referimo-nos à parte espiritual.

Pesa sobre o Brasil, sobre a coletividade brasileira, o carma da escravidão; é necessário que o purguemos. Só quando este carma estiver purgado, então sim o episódio da escravidão estará encerrado definitivamente.

Na parte material, caminhou-se para isso, o que não é de hoje. Haja vista o seguinte trecho do discurso do General de Divisão Moacyr Pereira, comandante da 4ª Divisão do Exército, publicado pelo jornal O Estado de São Paulo em 22 de Setembro de 1982: “Veio depois o despontar da nacionalidade no episódio épico dos Guararapes. E foi, novamente, com o coração voltado para as idéias cristãs, que nunca abandonamos, que brancos, negros e índios, que pela primeira e definitiva vez amalgamados, souberam expulsar o invasor holandês.”

No Largo do Paiçandu, em São Paulo, ao lado da igreja do Rosário, há um monumento à Mãe Preta, com os seguintes dizeres:

Mãe Preta,

Na escravidão do amor a criar filhos alheios,

Rasga, qual pelicano, as maternais entranhas,

E deu à Pátria livre, em holocausto, os seios.

(Versos de Ciro Costa)

 

E no livro Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, lemos:

“O elemento indígena foi chamado a colaborar na pátria nova; almas bem-aventuradas pelas suas renúncias se corporificaram nas costas da África flagelada e oprimida e, juntas com outros Espíritos em prova, formaram a falange abnegada que veio escrever na Terra de Santa Cruz, com os seus sacrifícios e com os seus sentimentos, um dos mais belos poemas da raça negra em favor da humanidade.”

Todavia, se temos a raça africana já incorporada à nossa sociedade, ainda não a incorporamos ao Espiritismo, ao Espiritismo que o grande Codificador, Allan Kardec, nos trouxe.

E por que não incorporá-la à sublimidade do Espiritismo de Allan Kardec?

Dos Centros Espíritas e Federações Kardecistas os Espíritos de africanos são repelidos, banidos impiedosamente, não lhes aceitando o amoroso concurso, o mesmo acontecendo com os Espíritos de nossos índios. Negam-lhes oportunidades de trabalho, de enriquecimento espiritual, de evolução, de aprendizado. E com isso perdem-se preciosos auxiliares, especialmente no campo da desobsessão e também no da humildade, cujas lições continuam a dar-nos, além de atrasarmos a purgação do pesado carma brasileiro.

E os velhos africanos, os negros velhos, “os nego véio” no seu linguajar, trazidos encarnados da África, nas malhas da escravidão, depois de darem lições de humildade aos brancos, continuam do lado de lá do véu, desencarnados, a ensinar aos Espíritos rebeldes e orgulhosos da raça branca as mesmas lições que ministravam pelos seus exemplos de mansidão e doçura aos sinhôs e sinhás dos tempos da senzala.

Nas sessões espíritas kardecistas que consentem em recebê-los, apresentam-se através de médiuns bem desenvolvidos, e geralmente falam um português simplicíssimo, entremeado de modismos. Mas com que candura explicam uma passagem evangélica! Que conselhos de alto valor moral dão aos ouvintes! Com que amor transmitem um passe aos necessitados! E, caso se apresentarem fora das normas kardecistas, é facílimo corrigi-los com carinho; eles sabem obedecer e se enquadrar a elas.

Entretanto, onde os velhos africanos excedem é nas curas da obsessão: organizam-se em grupos espirituais, as chamadas correntes espirituais, sob o controle e orientação de Espíritos superiores, e combatem a obsessão em todas as suas formas, libertando obsidiados, conduzindo ao bom caminho pobres Espíritos obsessores, ensandecidos pelo ódio e pelo mal. Eles constituem um dos cernes de nossa nacionalidade, chamados pelo próprio Jesus a compô-la, assim como os indígenas, conforme no-lo demonstra o livro já citado: Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho.

E o elemento indígena, outro pilar de nossa nacionalidade, por que desprezá-lo espiritualmente? Acaso Jesus o preteriu na formação de nossa pátria?

Não nos enganemos. Tenhamos por certo que os velhos Espíritos africanos, aqui chegados nos porões dos navios negreiros; os Espíritos de nossos silvícolas, aqui encontrados pelos descobridores na exuberância de nossas florestas virgens, do lado de lá do véu que no-los oculta, ombro a ombro com os Espíritos dos brancos de todas as raças que aportaram durante a colonização, trabalham espiritualmente para a consolidação espiritual da Pátria do Evangelho, para cuja grandeza espiritual as três raças constrem os alicerces.

Vocês poderão objetar-me: mas são duas raças ignorantes, ainda primitivas! Respondo-lhes: a raça branca não lhes fica atrás, nem na frente; emparelha-se com elas; também a raça branca é cheia de abusões, de crendices, de superstições, espiritualmente infantil, tudo isso temperado com preconceitos, orgulho, vaidade.

Então qual o remédio?

Educação espiritual para as três.

Os Centros Espíritas deverão ser, essencialmente, focos de luz, focos educacionais, onde prepondere a humildade em todos os sentidos.

Digo ensinar, e não pregar.

De nada adianta um ribombar oratório de um orador espírita por uma ou duas horas, e por fim os ouvintes nada levarem para casa, a não ser o comentário de que o orador falou bem.

Por que não aceitar os Espíritos das duas raças irmãs? Será por se exprimirem na linguagem que aprenderam no cativeiro? Submetamo-las a uma análise rigorosa, imparcial, sem idéias preconcebidas. Eduquemo-las, corrijamo-las; mas repudiá-las, nunca.

Não deixemos que o racismo macule a pureza do Espiritismo.

Não tornemos mais pesado o carma da escravatura que pesa sobre o Brasil; purguemo-lo com carinho e amor; e, quando ele estiver purgado, então sim, o episódio da escravidão estará definitivamente encerrado.

 

 

Fonte: Rigonatti, E., VIDAS DE OUTRORA (DEPOIMENTOS DE ESPÍRITOS DESENCARNADOS), 4ª edição, 1991, pág.151 – 154, São Paulo, Editora Pensamento

 


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