No mês de maio as Casas de Umbanda festejam
os Pretos Velhos. Já os Barracões de Candomblé,
dividem-se. Uns, aderem aos festejos. Outros, fazem questão
de rejeitar as comemorações, alegando inexistir culto
aos Pretos Velhos na Liturgia africana. Acho mais do que pertinente
lançar algumas ponderações a respeito.
Não resta sombra de dúvidas que o culto aos deuses africanos
no Brasil (como já diferiam Pierre Verger e Roger Bastide)
não é igual ao da África. E não foi apenas
o Oceano Atlântico que proporcionou as distinções.
Além da geografia, o tempo, a cultura, os aspectos sociais,
os episódios históricos, os novos sentires, os novos
olhares e a própria fauna e flora, contribuíram decisivamente
para que várias alterações fossem realizadas
no rito original. O que eu chamo de “releitura”. Nada
engendrado, nem premeditado. Apenas ocorrido.
Todavia, adaptado ou não; relido ou não, a organização
sócio-religiosa que nós chamamos de Candomblé
só existe no Brasil graças aos negros africanos de diversas
etnias e a seus descendentes. Graças a eles. À alma
deles.
Naquela época, dizia-se que os “negros não tinham
alma”. Mas hoje, há que se dizer: tinham, sim! Têm,
sim! O Candomblé deve sua existência à alma deles!
Dos “Pretos Velhos”, dos “Pretos Novos”, dos
“Pretos”, dos velhos, dos novos. Negar a importância
daqueles homens e mulheres sábios e briosos na formação
do Candomblé, é negar novamente e preconceituosamente
sua alma, seu espírito guerreiro, sua dignidade, sua força.
Os negros africanos chegaram nesta terra distante em condições
precárias, despojados de sua liberdade, família, bens
e costumes. Mas não abandonaram sua religiosidade.
Foram confinados em navios pútridos e em galpões inabitáveis.
Separados dos seus, foram vendidos como animais em praça pública
até serem finalmente jogados em senzalas onde eram misturados
com outros desafortunados. Congoleses, angolanos, daomeanos, iorubanos,
trabalhavam de sol a sol, sem direitos, sem reconhecimento.
A despeito de tudo, esse povo corajoso não deixou que se perdesse
o único bem que lhes restara a salvo de seus algozes: sua crença.
Em que pese o massacre físico e emocional, os escravos mantiveram
acesa a chama da fé. Venceram a opressão, a dor física
e o sofrimento moral. Apesar de proibidos de cultuar seus Deuses pela
brutalidade dos feitores, encontraram no sincretismo com imagens de
Santos católicos, uma forma de lograr os brancos e agradar
aos seus ancestrais.
Se hoje, séculos após, podemos livremente bater no peito
e erguermos a voz para nos dizermos candomblecistas, devemos àquele
Povo heróico, que conseguiu a proeza de, na condição
de escravos, perpetuarem sua herança; manterem viva sua memória.
O Candomblé deve sua alma a eles. O Candomblé tem a
“alma” deles. Negar isso é negar novamente a alma
dos negros.
Os fundadores “dos Candomblés” são nossos
ancestres, são nossos “ésà”. São
nossos “mais velhos”. São nossos “Pretos
Velhos”. Se do Benin, de Angola, do Congo, ou de Kétu.
Não sei. Não sei em que terra, ou terreiro. Não
sei. Sei que os quero por perto. Bem perto. Salve a alma deles! Adorei
as almas!
Salve Joaquim, Benedito, Roque, Maria Joana, Aninha, Senhora, Talabi,
Salakó! Salve! Salve Menininha, Salve Stella, Salve Olga, Salve
Beata! Salve as almas dos “Pretos”! Salve a viva alma
dos “Velhos”!