Uma das incógnitas que ainda perduram, na Umbanda, é
a verdadeira natureza dos Caboclos e Pretos-Velhos.
Várias opiniões formaram-se a respeito dessas
entidades que, através de uma linguagem simples, emitem, por
vezes, conceitos que revelam o pensamento erudito de um mestre.
No decorrer de vários anos de convivência com os nossos
Velhos e Caboclos, observando-lhes os trabalhos, auscultando opiniões
sobre os problemas da vida terrena, notamos que o grau de conhecimento,
de evolução varia muito.
Encontramos Pretos Velhos aparentemente apegados aos bens materiais,
fazendo questão do “tôco” e do “pito”
que não cedem a ninguém, aborrecendo-se com facilidade,
reagindo como simples criaturas humanas.
Outros, porém, revelam no procedimento e nas palavras, no acatamento
à disciplina imposta necessariamente pela direção
espiritual dos trabalhos, a luz espiritual adquirida.
Uns e outros referem-se às senzalas, à vida passada
na escravidão ou nas aldeias.
Se o freqüentador assíduo dos terreiros não procurasse
o guia apenas para lhe expor as dificuldades da vida terrena, buscando
somente o conselho para a solução mais fácil
dos seus problemas materiais, teria ocasião de receber ensinamentos
preciosos sobre a vida futura, as reencarnações, a necessidade
de vencer, com o próprio esforço, a passagem difícil
que se lhe apresenta e que será mais um grau conquistado na
escola da vida.
Dizia José Álvares Pessoa que a Umbanda é, talvez,
a única religião que se preocupa com os problemas materiais
do homem.
Não por ser um culto materializado. Pelo contrário:
percebendo como o ser humano premido pelas dificuldades que o seu
próprio Carma conduz, se afasta do criador, quando a enfermidade,
a falta de recursos financeiros, a desarmonia no lar se tornam mais
poderosos que a sua crença, os dirigentes espirituais do nosso
planeta organizaram um movimento destinado a dar ao homem o conforto,
o conselho, a ajuda através dos quais poderá ser, ainda
uma vez, reconduzido aos caminhos da fé.
Criaram-se legiões de missionários e para que mais facilmente
fossem aceitos e compreendidos pelas classes menos favorecidas, assumiram
a feição ainda mais simples, apresentando-se como escravos
ou nativos.
Mas terão sido realmente, todos eles, pretos ou índios?
Sabemos que a pobreza e a humanidade não afluem na escala espiritual; a
história da nossa pátria evidencia a lealdade, o caráter
do índio brasileiro, o valor de muitos escravos.
Sabemos, igualmente que não existem fronteiras, no mundo astral.
Logo, não é de crer que haja um plano exclusivo para
caboclos e pretos escravos. Preferimos, portanto, adotar o conceito
de muitos espiritualistas, entre os quais o acima citado J. A. Pessoa:
os guias participam desse movimento de socorro ao
homem encarnado, neste final do segundo milênio e se apresentam
como Caboclos e Pretos Velhos, nem sempre tiveram a última
passagem na terra como escravos ou índios; alguns, possivelmente,
nunca o foram. Assumiram essa personalidade como distintivo da missão
que viriam a desempenhar.
Uns contam como viveram, há 200 anos ou há pouco mais
de meio século, nos engenhos ou nas aldeias indígenas.
Outros abstêm-se de qualquer referência à sua passagem
na vida terrena. Pacientemente, dão atenção às
queixas, ao relato dos pequenos problemas de rotina da nossa vida,
aconselhando, animando, esclarecendo, conforme a necessidade de quem
lhes fala.
Ensinam a mensagem do Evangelho, o perdão, o amor ao próximo,
mostram como é necessário dar para receber, perdoar
para ser perdoado, corrigir as falhas, dominar os sentimentos de vingança,
de inveja, para adquirir luz.
E através desse trabalho humilde, incompreendido, ainda, por
muitos, vão prosseguindo na missão de reconduzir o homem
ao caminho que o levará a Deus.
Sua origem, não importa.
Se o Caboclo viveu como um cacique de uma tribo ou como iniciado de
uma seita oriental, não interessa no momento.
Se o Velho foi escravo ou jovem médico, ou se foi mestre na
magia, também não faz diferença.
O que vale, agora, é apenas a missão a ser cumprida,
em benefício da humanidade, para que o Brasil, futuro centro
de difusão do Evangelho, esteja melhor preparado para o advento
do III Milênio.
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Lilia Ribeiro foi dirigente da TULEF
(Tenda de Umbanda Luz Esperança e Caridade) e editora do jornal
informativo Macaia.
A TULEF foi uma das Tendas fundadas por médiuns
que vinham da linhagem direta de Zélio de Moraes e que fazia
questão de seguir ao maximo a orientação do Caboclo
das Sete Encruzilhadas. Lilia foi quem registrou o maior numero de
entrevistas com Zélio de Moraes e boa parte do material foi
entregue diretamente a Mãe Maria, da Casa Branca de Oxalá.
A palavra de Lilia é forte e carregada de embasamento, tanto
quanto de vivência com a Umbanda de Raiz primeira.
Portanto todos os textos desta médium, sacerdotisa, autora
e pesquisadora são de suma importância para a religião
e não podem se perder no tempo.
São poucos os textos doutrinários
de Lilia a maioria do que nos chega de sua autoria são as entrevistas
e organização do pensamento e definições
dadas por Zélio de Moraes e o Caboclo das Sete Encruzilhadas.
Transcrição completa do artigo publicado
pela revista Gira da Umbanda, ano 1 – número 1 –
1972,