Clayton Reis

>   As algemas do Espírito

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Clayton Reis
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O que são algemas? Segundo o dicionário da língua portuguesa Houaiss é “instrumento de ferro, constituído basicamente por duas argolas interligadas, para prender alguém pelos pulsos ou pelos tornozelos”. Ainda, segundo o mesmo dicionário, a palavra no sentido figurado é igualmente conhecida como, “obstáculo ou prisão moral; coerção, opressão”.

Durante nossa jornada na Terra portamos inúmeras algemas. A primeira delas é a gravidade. Somos prisioneiros da força gravitacional do planeta, que nos mantém presos à sua superfície. O nosso pesado corpo físico se encontra sujeito à Lei Universal da gravitação. Não podemos levitar e, por conseqüência, nos deslocarmos no espaço aéreo com liberdade de ação. Não prescindimos dos inúmeros mecanismos para movimentar – veículos automotores, aviões, helicópteros, motocicletas, bicicletas, tração animal e outros que nos possibilitam transitar no restrito espaço geográfico existente em nosso planeta. Ainda, somos detentores de restritos instrumentos de acesso ao espaço sideral. O Universo, com suas galáxias e sistemas solares, se encontra imensamente distante da nossa realidade em conseqüência de nossas “algemas” físicas.

Na condição de seres espirituais, somos igualmente prisioneiros do nosso corpo. Como Espírito nos encontramos ligados às “algemas” (perispírito) do corpo físico e, em virtude dessa realidade, extraordinariamente limitado em suas ações. E, à medida em que o tempo escoa, nosso organismo envelhece e perde sua mobilidade e o Espírito se torna mais prisioneiro dele. Em Espírito, velejamos em mares nunca dantes navegados, deslocando-nos para locais que jamais poderemos visitar com o nosso corpo físico. Mediante o pensamento enveredamos através do espaço sideral, pousamos na superfície dos planetas, em locais geográficos do nosso próprio planeta e em outros pontos distantes da nossa realidade física – regiões que jamais poderemos conhecer, enquanto estivermos “algemados” ao nosso corpo físico.

Somos ainda prisioneiros das normas e leis da sociedade, que limitam nossas ações no plano jurídico, modelando o nosso comportamento à realidade de cada estrutura social e política do Estado. Não obstante as Cartas Magnas dos Estados Democráticos assegurem-nos atualmente liberdade de ação, há limites impostos pelos interesses de cada regime ideológico. Qualquer pessoa é livre para constituir família regular. Assim, em conformidade com o disposto no artigo 1.566, incisos I a V do Código Civil, as pessoas que se casam ficam sujeitas aos deveres inerentes ao casamento, consistentes na fidelidade, mútua assistência, coabitação, formação da prole, respeito e consideração. No mesmo sentido, de acordo com o artigo 5º, inciso XVII, da Constituição Federal, o direito de reunião é livre, sem que o seja para fins paramilitares e ilícitos, bem como em outras múltiplas situações há limite para nossas ações. Portanto, nosso poder de agir no plano jurídico, é extremamente limitado em face dos princípios éticos, sociais, políticos e ideológicos pelos diversos ordenamentos que disciplinam a ordem comportamental dos cidadãos no Estado.

O que não dizer dos vícios, do qual um imenso número de pessoas no planeta é prisioneira. Vícios de toda ordem, particularmente das drogas, do fumo, da bebida, do jogo e dos múltiplos desvios comportamentais da pessoa. São “algemas” que mantém o ser humano prisioneiro dos prazeres momentâneos oferecidos pelos diversos vícios que degradam a dignidade da pessoa humana, bem como sua condição física e psicológica. Uma leitora da Revista VEJA de 13/12/2006, na seção de Cartas (pág. 31) declarou: “Infelizmente, o jovem não compreende que o pior cárcere não é o que aprisiona o corpo, mas, sim, o que asfixia a mente, como o álcool”. As substâncias entorpecentes, que enriquecem as maiores indústrias do Mundo, o fazem às custas da fragilidade humana, algemando as pessoas ao consumo desmedido das apontadas substâncias tóxicas. A quebra das “algemas”, nesses casos, pode se tornar um penoso e desgastante processo de libertação, muitas vezes conseguido em face de imenso sofrimento pessoal e familiar.

No mesmo sentido, somos prisioneiros de nossa ignorância a respeito do imenso conhecimento que a Humanidade assimilou e acumulou no curso de milênios de história. Se a aquisição do conhecimento nos torna sábios e, por conseqüência, mais aptos à prática dos múltiplos atos que permeiam a nossa existência, a ignorância representa “algemas” limitando nossas ações. Na medida em que detemos domínio do conhecimento, somos capazes de conduzir de maneira mais correta e adequadamente nossas ações. Não foi sem razão que Cristo afirmou: “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. Portanto, nossa liberdade de agir consiste exatamente no conhecimento de todos os fatores que modelam nossa personalidade e o ambiente em que vivemos. O sábio haverá de se conduzir com mais segurança nos diversos planos em que transita, exatamente porque conhece os atavismos que contribuem para a formação ou deformação do ser humano no curso da história terrena. Nessa linha de pensamento, Joanna de Ângelis (1) assinala que “assimilar todos os condicionamentos e exteriorizar uma personalidade consentânea com o ser real, eis o desafio da terapia transpessoal, trabalhando a pessoa que assuma a sua realidade positiva e superior, crescendo em conteúdos mentais e desencarcerando-se, até permitir-se a perfeita harmonia entre ser e parecer”. Portanto, um sábio que é juiz de si próprio, será capaz de dimensionar e direcionar corretamente suas ações, vivenciando-as na realidade do seu conhecimento.

No entanto, de todas as “algemas” conhecidas, as mais graves delas são os dogmas. A palavra dogma, segundo doutrina o dicionário Houaiss é “qualquer doutrina (filosófica, política etc.) de caráter indiscutível em função de supostamente ser uma verdade aceita por todos” e, ainda, derivado por extensão do seu sentido, “opinião sustentada em fundamentos irracionais e propagada por métodos que também o são”. Portanto, trata-se de “algema” que nos prende a conceitos que não admitem sejam objeto de debate e ou reflexão. Quando as idéias de Galileo Galilei sobre o heliocentrismo foram abjuradas pelo Tribunal da Inquisição, havia o dogma de que a Terra era o centro do Universo. Ninguém poderia questionar sobre esse fato. O dogma, o preconceito, as idéias irracionais e inamovíveis constituem “algemas” que mantém o espírito prisioneiro no restrito campo de conhecimento imposto pelo dogma. E, o que é pior, converte o seu titular em prisioneiro de si próprio. Na maioria das vezes, as pessoas dogmáticas são fanáticas. Nesses casos, os sentimentos nobres são desvirtuados. O fanatismo obscurece a razão do ser humano. É capaz de converter pessoas pacíficas em violentas e determinadas na prática de ações que julgam estar revestidas de legalidade jurídica e mística. O faná-tico somente raciocina sobre a realidade da vida e dos fatos, através da ótica deturpada em virtude do seu julgamento limitado. Para o fanático todos estão errados na sua forma de pensar e agir – somente ele detém a verdade. Os cruzados cometeram inúmeras atrocidades em nome do Cristo. Todavia, o Galileu nos legou uma filosofia de paz e não de violência, tanto quanto de respeito aos direitos do próximo. Este tipo de fanatismo religioso representa o testemunho vivo dessa realidade.

Quando Sócrates proclamou, “Conhece-te a ti mesmo” e Allan Kardec obteve a resposta do Espírito da Verdade na pergunta 621, de O Livro dos Espíritos de que a Lei de Deus se encontra em nossa consciência, tais ensinamentos remetem-nos a uma profunda reflexão sobre a nossa realidade. A liberdade de uma pessoa está inexoravelmente ligada à sua maneira de pensar e agir, de forma livre e despreconceituosa.

É preciso que o ser humano se libere de suas “algemas”, libertando o Espírito para alçar vôos na direção do Universo existente em seu interior. Quando Cristo proclamou, “Vós sois deuses”, quis dizer que somos detentores de imenso potencial, que se encontra em estado latente em nossa intimidade. Para descobrir essa realidade é necessário que tenhamos discernimento para abrir nossas “algemas” e permitir que esse incomen-surável poder que reside em nós, Espírito, possa alçar vôos na reconstrução do verdadeiro ser humano. Por essa razão, a lição de Joanna de Ângelis (2) é esclarecedora quando assinala, “Sediando o espírito, conforme a visão espírita assevera, a lei de Deus está escrita na consciência, detentora da realidade, que pouco a pouco se desvela, conforme a evolução do próprio ser, no seu processo de lapidação de valores e despertamento das leis que nela dormem latentes”.

A liberdade de ação da pessoa livre de suas “algemas” dogmáticas, torna o ser humano capaz de assimilar as extraordinárias riquezas que se encontram presentes no Universo, bem como captar das esferas superiores os eflúvios destinados à modelação do Espírito e de nossas ações.

Sejamos livres, desatemos nossas “algemas” e alcemos vôo na construção do ser humano, desapegando-nos das âncoras que nos impedem navegar no imenso oceano da verdade.

 

 

(1) FRANCO, Divaldo P. O ser consciente. Pelo Espírito Joanna de Ângelis. Salvador: LEAL, 2002. cap. 2.

(2) ______. Op. cit. cap. 1.

 


Fonte: Mundo Espírita on line
http://www.mundoespirita.com.br/index.php?act=conteudo&conteudo=1386


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