Conhece-os. Tenho por eles uma admiração sem
limites. Considero-os Espíritos fortes que escolheram - e se
não escolheram, aceitaram - voltar à Terra em situações
atípicas. Alegro-me pela oportunidade de falar e escrever sobre
eles, aos quais devo as mensagens mais importantes que recebi em minha
vida, ditas sem palavras.
Ninguém nasce mal recebido.
Ninguém oferece mais amor. Lembro-me da referência de Ken
Wilber sobre os três olhos: o olho da mente e o olho da alma.
Essas crianças incompletas nos olham com o terceiro olho e abrem
a nossa alma para vermos o esplendor da vida, paradoxalmente mais evidente,
diante das reencarnações difíceis.
A vida na Terra pode ser comparada a uma competição.
Alguns têm capacidade para nadar cinqüenta metros em piscina
estreita e obtém uma vitória fácil. Outros se inscrevem
para atravessar a nado o canal da Mancha e os obstáculos são
muitos diferentes. A vitória também.
Todos os dias vejo os pequeninos, nascidos
portadores de paralisias cerebrais ou de síndromes incapacitantes,
chegarem para a reabilitação, com a absurda alegria de
quem renova diariamente o treino da competição. Para eles,
é difícil satisfazer as mais elementares necessidades
da vida, difícil respirar, comer, falar, mover-se, expressar
sentimentos, entender e ser entendido. Contudo,eles atravessam o canal
da Mancha.
Possivelmente são Espíritos corajosos,
que antes da reencarnação, aceitaram o desafio para acelerar
a sua evolução
Ilustre dama,a senhora Maria Hecilda Salgado,
fundadora do Lar Escola São Francisco, uma das
mais conceituadas instituições de São Paulo para
crianças paralíticas, convidada a falar no encerramento
de congresso internacional de reabilitação assim se expressou:
'' À noite, cansadas das tarefas do dia,quando me preparo para
deitar, tiro os meus sapatos. Então me lembro dos meus meninos
do Lar Escola;eles tiram suas pernas. Compara-mo a eles e me sinto pequena
diante da força,da coragem e do amor pela vida que eles demonstram''.
Muitos são os que dizem apressadamente:
são bebês em tremenda expiação! Além
da arbitrariedade e rigidez do julgamento, a frase está mais
ligada a Moisés e ao código de Hamurabi do que a Jesus
e a Kardec.
A presença, o comportamento
e a maneira com que as centenas de bebês deficientes, que conhecemos,
se comportam, nos levam a refletir,com mais maturidade, sobre a palavra
''expiação'', dentro das ''vicissitudes das existências
corpóreas'', segundo vocábulos contidos na magistral questão
132 de O Livro dos Espíritos. Será a ''expiação''
realmente um castigo, uma punição,quase uma vingança,
enquadrada no ''olho por olho,dente por dente'' da lei antiga?
Sem dúvida,a palavra expiação
se relaciona à Justiça e o conceito de justiça
é a medida da interpretação. Pode-se compreendê-la
na sua conotação mais primitiva ou na profundidade de
sua essência,na qual ela mostra envolvida no Amor. Não
era fácil conciliar justiça com amor antes da mensagem
cristã e, sem dúvida,ainda hoje a dificuldade persiste...
Até nos parece que as palavras evangélicas
''Não vim destruir a lei, mas cumpri-la'', seguida de ilustrações
comparativas entre o que diziam e o que Mestre agora ensinava,representam
o ponto básico da novidade cristã em nível de Justiça.
Ao mesmo tempo,o conceito de justiça parece ser também
a ponte que liga a mensagem do Nazareno ao Espiritismo,previsto para
o futuro.
A palavra é a vestimenta da idéia.
Quando a idéia tem potência a dinânica de uma verdade
progressiva,a palavra que a veste precisa ser repensada a cada etapa
atingida pela mente humana.
Pensamos que a justiça, amor,
caridade, expiação... estão inclusos nesse tipo
de palavras.
Certa vez, em reunião informal, ouvimos interessante
observação do professor Herculano Pires sobre a grafia
e a oralidade da palavra expiação. Há
nela dois sentidos, conforme dicionário. Expiação,
com x, significa punir, resgatar... mas espiação com s
vem do verbo espiar, olhar atentamente com um fim determinado, enxergar
o caminho ao redor; em abrangência, aprender durante o caminho
espiado, vivido, conscientizado, valorizado.
Pensamos que os bebês deficientes,
possivelmente se conscientizaram antes da reencarnação,
de suas necessidades interiores e aceitaram o desafio de receberem corpos
atípicos para equilibrar ou acelerar o ritmo evolutivo, deles
mesmos, de seus familiares e, talvez, da sociedade humana.
Nancy Puhlmann Di Girolamo é dirigente da Instituição
Beneficente Nosso Lar e editora do Jornal Terra Azul,em São Paulo.
Enfermeira, jornalista e escritora,é autora do best-seller ''O
Castelo das Aves Feridas'', entre outros. Atua no movimento espírita
de São Paulo.
Fonte: http://www.espirito.org.br/portal/artigos/diversos/assistencia/os-bebes-deficientes.html
topo