Vigiada por uma imagem de Nossa Senhora
do Ó ou do Bom Parto, agachada ou sentada, a mulher esperava
os sinais do parto. Familiarizadas com as manobras para facilitá-lo,
as comadres ou “aparadeiras” encarregavam-se da lubrificação
das partes genitais, untando-as com gordura animal, óleo de
açucenas ou azeite. Entre goles de cachaça e de caldos
de galinha com canela, a parturiente era confortada devendo mostrar-se
“rija e varonil” para enfrentar as dores que se seguiriam.
O ventre dilatado pela gravidez se cobria de relíquias e cordões
coloridos, capazes, na mentalidade da época, de assegurar um
parto tranquilo. No joelho esquerdo da parturiente era amarrada uma
pedra chamada “de Mombaza”, encontrada em Minas Gerais,
cuja função mágico-religiosa era a de atrair
a criança para fora da barriga da mãe. Preces endereçadas
a são Mamede, são Francisco e santa Margarida eram murmuradas,
baixinho, a fim de afugentar qualquer perigo que pusesse em risco,
a vida do nascituro. Mastigar cebolas ou atar na coxa direita o fígado
cru de galinha recém abatida, eram gestos recomendados para
combater a dor do parto. Os gritos de “puxa, fulana, puxa”,
acompanhados de vigorosa massagem abdominal, incentivavam a expulsão.
A criança vinha ao mundo entre preces, gritos de dor e júbilo.
A socialização do nascimento fazia-se através
de cartas trocadas entre parentes ou da notícia boca a boca:
“Seja-nos uma e mil vezes parabéns o feliz nascimento
de meu querido neto e o bom sucesso de minha querida filha”,
escrevia em 1771 um esfuziante marquês de Lavradio, Vice-rei
da capitânia do Rio de Janeiro, ao filho em Portugal! Um nascimento
significou, desde a noite dos tempos, uma vitória contra a
morte.
Os primeiros cuidados com o recém-nascido eram velhíssimos.
Seu corpinho molengo era banhado em líquidos espirituosos,
como vinho ou cachaça, limpo com manteiga e outras substâncias
oleaginosas, e, firmemente enfaixado. A cabeça era modelada
e o umbigo, recebia óleo de rícino com pimenta com fins
de cicatrização. Coroando os primeiros cuidados, era
fundamental o uso da estopada: “cataplasma confeccionado com
a mistura de um ovo com vinho”, aplicado a uma estopa que por
sua vez era presa por um lencinho à cabecinha do pequeno para
“fortificá-la”. As mães indígenas
preferiam banhar-se no rio com seus rebentos.
As africanas costumavam esmagar o narizinho de seus pequenos, dando-lhes
uma forma que lhes parecia mais estética. Os descendentes de
nagôs eram enrolados em panos embebidos numa infusão
de folhas, já bebida pela parturiente. O umbigo recebia as
mesmas folhas maceradas e num rito de iniciação ao mundo
dos vivo, imergia-se, a criança, três vezes na água.
Os médicos davam grande ênfase ao asseio corporal numa
época em que a geografia dos odores era bem outra. As mães,
por sua vez, cuidavam para preservar a função simbólica
da sujeira do corpo infantil como uma forma de proteção
contra o mau olhado ou bruxarias. Partes como o umbigo ou as unhas,
que poderiam ser utilizados para malefícios contra os vulneráveis
filhinhos eram cuidadosamente enterradas no quintal. Já a urina
e os primeiros excrementos, considerados santos remédios e
poderoso exorcismo, eram cuidadosamente usados para curar manchas
ou infecções de adultos.
Os médicos vigiavam cuidadosamente o cardápio servido
à pequena infância. A ênfase no leite era total,
não só por ser “mais saudável”, mas,
porque “para qualquer doença é extremado remédio
a mama da mãe” como já explicava Alexandre de
Gusmão em 1685. As mães, para garantir o leite, portavam,
por sua vez, “contas de leite”: contas de louça
em branco leitoso que por mimese garantiam a fartura do leite de peito.
Tudo indica que o hábito indígena do aleitamento até
tarde tenha incentivado a amamentação na Colônia,
pois o viajante francês, Jean de Léry, notara, em 1578,
que as mulheres americanas amamentavam diferentemente das europeias
que, “embora nada as impeça de amamentar os filhos, cometem
a desumanidade de entregá-los a pessoas estranhas, mandando-as
para longe, onde muitas vezes morrem sem que o saibam as mães”.
O que a maior parte dos autores não se dava conta é
que as crianças eram cevadas desde cedo com toda a sorte de
papinhas, por uma única razão: as mães queriam
fortificar logo seus pequeninos, evitando o risco de perdê-los
nos primeiros meses. A valorização da superalimentação,
aliás, revanche simbólica sobre a má nutrição
crônica, explica o recurso às papas nos meios populares
e no seio da medicina tradicional.
Outra grande preocupação em torno das crianças
pequenas era a de resguardá-las contra o assédio de
bruxas. O medo da perda, a crença em feitiços realizados
com os excretos da criança, o perigo de doenças reais
ou imaginárias alimentava uma série de conselhos seguidos
à risca pelas mães. O médico Bernardo Pereira,
em meados do século XVIII, prevenia sobre o poder que tinham
as bruxas de atrofiar os recém-nascidos por malefícios,
pois, segundo ele, “elas chupam o sangue dos mínimos”.
Não se podia deixá-los sós, à noite. Protegê-los
graças a defumadouros na casa e na cama e do uso de arruda
entre os lençóis era obrigatório. Os aposentos
deviam ser regados com cozimento de verbena e “os mínimos”,
borrifados com o mesmo. O médico, ainda, recomendava: “Armem-se
com os antídotos da Igreja […] relíquias, orações,
etc. que essas são mais certas e seguras que outras para afugentar
os bruxos”. Não satisfeito, o médico insistia
para que se pendurasse à cama da criança, “cabeça
ou língua de cobras e sangue e fel da mesma, posto pelas paredes
da casa em que dormirem os mínimos”.
Sendo alvo fácil, a fragilidade do corpo infantil incentivava
o sentido de proteção das mães. Estas se mantinham
alertas e reconheciam o enfeitiçamento de seus pequeninos por
vários sintomas claramente detectáveis: “medos
e tremores a miúdo, choros repetidos, tristeza de aspecto,
mudança de cor instável, terrível repugnância
em mamar, vergões ou nódoas em algumas partes”.
Na dúvida, existiam algumas maneiras de reconhecer se havia
“quebranto”. Bastava tomar um vaso cheio de água
e posto debaixo dos cueiros ou faixas dos mínimos ou dos berços,
e metendo-lhe dentro um ovo, e se andar nadando é certo haver
quebranto, e se for ao fundo, está livre”. Para combater
quebrantos e bruxedos, a criança era benzida, em jejum, durante
três dias, com raminhos de arruda, guiné ou jurumeira.
Mas não eram exatamente as bruxas as responsáveis pela
mortalidade infantil nos primeiros tempos da colonização.
Os lusos, recém-chegados traziam consigo rígidas noções
de resguardo e de agasalho. Tinham horror aos banhos e ao ar livre.
O médico holandês Guilherme Piso, morador de Recife na
primeira metade do século XVII, contrapondo tais hábitos
aos dos caboclos recifense locais, concluiu pela superioridade do
método indígena no qual a criança era livre de
panos grossos e agasalhos pesados como os que enfaixavam a criança
europeia a fim de dar firmeza aos seus membros. Mais tarde, em 1834,
o Padre Gama, explicava que as mulheres portuguesas teriam a princípio
criado muito poucos filhos pelo elevado índice de mortalidade
infantil. Mas que “as filhas destas mulheres, acomodando-se
ao clima e rejeitando o peso dos vestidos e ao uso de abafar a cabeça
dos filhinhos, banhando-os em água morna, não se queixaram
mais de que o clima fosse o destruidor das vidas dos recém-nascidos”.
Colocados frente às imagens da Virgem, levados em peregrinação
a oratórios, presentes às procissões ou recebendo
bênçãos em dias de festa religiosa, os pequeninos
recuperavam a saúde e reproduziam um universo mental e cultural
de pietismo religioso. Ex-votos pintados sobre madeira, em que se
reproduzem cenas da vida quotidiana de crianças atingidas por
acidentes, doenças ou qualquer forma de perigo, – na
época era comum a mordedura de cobra ou de cão raivoso
– são testemunhos da preocupação que as
mães tinham com seus “meúdos”. Havia os
que morriam e tornados “anjinhos”, honravam a Deus, no
céu e havia aqueles que partiam direto para “o limbo”:
segundo um catequista, “uma caverna escura por cima do Purgatório
em que estão os mínimos que faleceram sem batismo”.
Pagãos eram enterrados nas biqueiras das casas ou nas encruzilhadas,
de onde – acreditava-se – rogavam batismo. Os cortejos
fúnebres de anjinhos, iluminados por velas e congregando filas
de pessoas atraíam, sobretudo, a atenção dos
viajantes. Sensibilizado, Debret fez questão de registrar suas
impressões:
“Grupos de círios
acesos, colocados em profusão fazem brilhar as flores e vidrilhos
entre os quais não se distingue o pequeno embrião
fantasiado de anjo e deitado num pequeno leito de tafetá
branco, rosa ou azul-céu, guarnecido com debruns de prata.
O rosto descoberto é pintado das mais vivas cores e o penteado
consiste numa peruca loura, bem empoada, coroada por uma enorme
auréola feita de plaque de ouro e prata”.
Escravinhos e indigentes utilizavam,
apenas, um tabuleiro recoberto por uma toalha de renda enquanto as
mães pobres preferiam alugar flores artificiais e coroas para
cumprir o dever de enterrar condignamente seus rebentos. Os que sobreviviam,
continuavam a merecer cuidados. Os “meúdos”, como
eram chamados os pequeninos, eram embalados por acalantos em redes,
em xales enrolados nas costas das mães de origem africana,
ou em raros bercinhos de madeira. Essas formas rudimentares de canto,
sobre melodias simples e feitas, muitas vezes, com letras onomatopaicas
a fim de favorecer a monotonia necessária para adormecer a
criança, vieram de Portugal.
Mas nossos indígenas tinham também acalantos de extrema
doçura, como um, de origem tupi, no qual se pede emprestado
ao Acutipuru, o sono ausente ao curumim. No idioma nheengatu, o acalanto
é descrito como cantiga do macuru, sendo o macuru, o berço
indígena. As “mães negras”, amas de leite,
contavam por sua vez, aos pequenos tinhosos e chorões, estórias
de negros velhos, papa-figos, boitatá e cabras-cabriolas.