El dibujo es una mentira que vos
hace ver la realidad.
Picasso
Conforme nos ensina o professor Vila Nova Artigas,
a palavra desenho vem de designo, do Renascimento, de onde se originou
a palavra para todas as outras línguas ligadas ao latim. “No
Renascimento, o desenho ganha cidadania. E se de um lado é risco,
traçado, mediação para a expressão de um
plano a realizar, linguagem de uma técnica construtiva, de outro
lado é desígnio, intenção, propósito,
projeto humano no sentido de proposta do espírito. Um espírito
que cria objetos novos e os introduz na vida real”. (V.
Artigas, Caminhos da Arquitetura, pág. 43, Livraria Editora Ciências
Humanas - 1981).
Da citação acima mencionada, nos interessa a colocação
do desenho como desígnio, intenção, propósito.
Desenhar um espaço qualquer é designar, é ter um
propósito, uma intenção determinada para o uso
deste espaço.
Sem cairmos na discussão acadêmica sobre a expressão
gráfica arquitetônica, assunto interessante, mas que não
é nosso objeto de estudo aqui; visto que pretendemos verificar
como os centros espíritas foram projetados em sua maioria; suas
tipologias e distribuições espaciais se assemelham às
igrejas evangélicas. A intenção, o propósito,
o desenho (desígnio) é o mesmo. Criam um salão
(o maior possível) para reuniões, com uma sala de passes
separada, com a mesa colocada em local de destaque, normalmente mais
alta (ver desenho 1).
Esta divisão é comum à maioria das instituições,
com algumas alterações, mas dentro de uma mesma ideia.
Se olharmos agora a disposição de uma igreja, bastaria
substituir a mesa por um púlpito ou altar, as cadeiras por bancos
tirar as fotos de Kardec, Bezerra ou Chico Xavier das paredes e colocarmos
crucifixos ou santos e teríamos uma igreja (ver desenho 2).

Projetar é um processo seletivo
de escolha entre o que nos interessa e o que não nos interessa
para uma determinada função de um local.
Se o espaço físico projetado denota alguma intenção,
o propósito de centros espíritas é ministrar palestras
de cunho doutrinário ao maior número de pessoas possíveis,
sem permitir a discussão, a troca de ideias, a aproximação
(física) dos oradores, que são colocados, pela própria
disposição espacial, em lugar de destaque.
Se pensarmos na afirmação de Kardec de que “o espiritismo
não busca fazer prosélitos”, deveremos modificar
nossos desenhos (intenção), a fim de atendermos à
real significação do espiritismo.
Salas com certa mobilidade, ao invés de grandes salões
(ver desenho 3), espaço para reuniões públicas
que permitam aproximação entre os participantes (ver desenho
4).
Beleza e funcionalidade, sem falsa modéstia. Um chão de
terra batida, frio, onde todos sentem-se desconfortados no inverno,
não é sinal de humildade — as catacumbas fazem parte
da História Antiga, vivemos na era eletrônica — uma
iluminação mal feita e acabamentos sem cuidados estéticos,
na busca masoquista de uma simplicidade exterior, não nos darão
a simplicidade real, que é uma conquista interior. Parafraseando
Hegel... “isto é uma atitude hipócrita que se pretende
humilde”.
Poderíamos, em um trabalho mais profundo, encontrar elementos
mais marcantes nos centros espíritas que, sem dúvida nenhuma,
seriam exemplos típicos desta tendência à igrejificação
do espiritismo, visto que o espaço construído reflete
a ideia daqueles que irão utilizá-lo.
Se quisermos melhor atender a esta questão como desígnio,
intenção, propósito, basta voltar os olhos para
a história e veremos a arquitetura monumental das pirâmides,
no Egito, para atender aos propósitos dos faraós; as edificações
da Idade Média, com suas catedrais góticas e seus vitrais,
com a intenção clara de colocar o crente em um estado
de deslumbramento e êxtase; passando pelo Renascimento até
nosso século com a Revolução Industrial, o “estilo
internacional” e a crise atual com o pós-modernismo. Todas
estas fases do desenho e da arquitetura, refletem uma intenção,
seja ela racional ou anárquica, humana ou divina.
Assim, se pretendemos uma nova posição no encaminhamento
da divulgação e estudo do espiritismo, libertos dos aspectos
religiosos, precisamos de novas disposições espaciais,
de desenhos (desígnios) diferentes.
Muitos, por certo, objetarão que isto é apenas uma questão
formal, não concordando com nossas observações;
mas nesta discussão filosófica, entre o conteúdo
e a forma, prefiro ficar com os que pensam dialeticamente, não
sendo possível a mudança de um sem o outro.
Ciro Pirondi é arquiteto e
articulista do jornal Espiritismo e Unificação.
Fonte:
Anais do II Encontro Nacional Sobre o Aspecto Social da Doutrina Espírita
- São Paulo, 28/02 a 03/03 de 1987
DIGITALIZAÇÃO:
PENSE – Pensamento Social Espírita.
www.viasantos.com/pense
Março de 2010.
BREVE HISTÓRICO
A origem desse movimento, que pretende
discutir o Aspecto Social da Doutrina Espírita, esta fundamentalmente
calcada numa releitura que o movimento espírita iniciou das obras
de Allan Kardec; possível graças ao processo de abertura
democrática recentemente instaurado no País.
Embora o conjunto da obra kardequiana tenha sido estudado desde a introdução
do espiritismo no Brasil, poucos espíritas assimilaram profundamente
o teor progressista e humanista da doutrina. Hoje, após mais
de um século da edição de O Livro dos Espíritos,
esta obra começa a ser estudada com maior ênfase, sobretudo
em sua terceira parte, que trata das Leis Morais.
Kardec tocou nas questões sociais mais delicadas de sua época,
encarou-as de frente e, algumas vezes, posicionou-se contra regimes
políticos ora vigentes. Essa postura é digna de nota,
pois mostra que o único compromisso que norteou sua obra foi
com a verdade.
Hoje, no movimento espírita, temos espaços para discussões
políticas. Essa e outras conquistas são graças
a alguns pensadores que vieram antes de nós e prepararam o terreno
com suas obras. Para esses, que muitos percalços encontraram
junto a uma parcela conservadora do movimento, deixamos aqui a nossa
homenagem e reconhecimento.
Algumas tentativas de discutir explicitamente a visão social
do espiritismo já foram tentadas no Brasil. Entretanto, parece
que somente no final da década de 70 é que esse debate
tomou corpo, quando alguns eventos esparsos abordaram essa temática.
Aos poucos fortaleceu-se a ideia de que discutir questões sociais
e políticas não nos afasta da verdadeira doutrina espírita,
ao contrário, levá-nos ao encontro dela.
A omissão do movimento de unificação brasileiro
é que levou um grupo de jovens espíritas universitários
de Florianópolis-SC, que mantinham estreitas ligações
com espíritas do Estado de São Paulo, a organizar, após
um trabalho intenso e maduro, o 1º Encontro Nacional Sobre a Doutrina
Social Espírita, realizado em fevereiro de 1985, na cidade de
Santos-SP
Destaca-se que a preparação desse 1º encontro contou
com sugestões de diversos pontos do Brasil. A comissão
organizadora providenciou a divulgação prévia de
textos, preparados por espíritas com razoável atuação
no movimento. Esses textos subsidiaram o debate sobre quatro temas principais:
“Valores Doutrinários”, “Comunicação”,
“Atuação Política e Organização
de Grupos Sociais” e “Educação”. Houve
participação significativa e verificou-se que a quase
totalidade das pessoas, de diversas faixas etárias, eram militantes
do movimento de unificação de seus Estados. Essa realidade
garantia a continuidade da discussão. Em suas conclusões,
realça-se a moção votada, por unanimidade, pela
convocação da Assembléia Nacional Constituinte.
Nos meses seguintes ao 1º encontro, registrou-se amplo debate pela
imprensa espírita, com posicionamentos diversificados sobre a
questão social. Na plenária do 1º Encontro decidiu-se
pela realização do 2º encontro em 1987, na cidade
de São Paulo. No intervalo de tempo passado, temos convicção
que cresceram as discussões sobre o tema, inclusive com algum
interesse do movimento de unificação.
A alteração da designação para Encontro
Nacional Sobre o Aspecto Social da Doutrina Espírita - Ensasde,
procurou atender algumas críticas quanto à denominação
“Doutrina Social Espírita” e foi resultado de ampla
consulta feita, principalmente, aos participantes do 1º encontro.
A continuidade desse movimento e algo ainda indefinido, pois só
o tempo definirá a necessidade de novos Ensasdes. Em algum momento,
não muito distante, o movimento de unificação deverá
assumir essa tarefa, talvez não na forma de encontros grandiosos,
mas sim como trabalho rotineiro. Portanto, até que isto aconteça,
o Ensasde não será um “movimento paralelo”,
mas sim, um trabalho necessário.
São Paulo, outubro de 1986.
Comissão Organizadora do 2º Ensasde
APRESENTAÇÃO
Este é o primeiro produto do 2º Ensasde, concluído
antes do evento, com objetivos múltiplos: divulgação,
promoção de debates e arrecadação de recursos
financeiros para auxiliar na organização do encontro.
Apesar de nossa necessidade material, o objetivo maior que nos levou
a aglutinar as contribuições desses autores em um volume,
é registrar seus pontos de vista sobre alguns dos principais
temas que hoje estabelecem o vínculo do espiritismo com as questões
sociais. Essa relação é tão ampla que, evidentemente,
não se esgota nos pontos aqui abordados; mesmo assim, pretensiosamente,
denominamos o trabalho de Espiritismo e Sociedade, pois é preciso
ficar claro a que veio.
A restrição de espaço estabelecida aos autores
procura compatibilizar a oportunidade de abordar diversos assuntos com
a necessidade de suscitar estudos e discussões, elementos sem
os quais acreditamos que o movimento não evolua em sua visão
da sociedade.
Com o estudo se aprofunda, com a discussão se troca conhecimentos,
mas sobretudo com a prática é que se evolui. Assim, esperamos
que a reflexão deste material produza alterações
de comportamentos individuais e coletivos, principalmente no meio espírita.
As opiniões colocadas nos textos são de responsabilidade
exclusiva dos autores. A crítica, se colocada em bom nível,
propiciará excelente oportunidade de debate e, consequentemente,
maior estudo doutrinário. Merece nota também o fato de
tratar-se de um trabalho de encarnados. Não se desconhece (e
nem poderia) as influências do mundo espiritual no material, mas
cabe dar ênfase que a transformação da sociedade
é tarefa dos que aqui reencarnam.
Finalmente, esclarece-se que os autores foram escolhidos a critério
da Comissão Organizadora do 2º Ensasde,
que buscou convidar elementos com folha de serviços no movimento
e vivência nos temas sobre os quais escreveriam. Infelizmente,
não foi possível a publicação de todos os
trabalhos dos companheiros convidados, pelos seguintes motivos: impossibilidade
de escrever, recusa ou envio fora do prazo de fechamento da edição.
São Paulo, outubro de 1986.
Comissão Organizadora do II Ensasde