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Susanne Paulsen

>   Como os pais marcam seus filhos

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Susanne Paulsen
>   Como os pais marcam seus filhos

 

Eles são muito mais do que apenas protetores, provedores, e companheiros de diversão. Cientistas reconheceram há tempos que os pais também possuem algumas habilidades que durante anos foram atribuídas apenas às mães: como se dedicar à prole com empatia, ser um interlocutor confiável e promover o desenvolvimento da fala.

 


Um jovem pai, que se autodenomina brandnewdad, é tomado pelo medo de fracassar:

"Há quatro dias saímos da maternidade", escreve ele em um fórum on line, "e no primeiro dia comecei a chorar subitamente".

"Amo meu bebê", prossegue, "mas não creio que o ame tanto quanto deveria".

Ele confessa estar desestimulado e profundamente triste. Não quer comer nem beber, embora sempre tenha sido uma pessoa alegre e descontraída.

"O primeiro ano é uma montanha russa" lhe responde um homem mais experiente em bebês.

Outro o consola: "Tornar-se pai é duro. Aguente!"

Os dois também admitem terem ficado depressivos após o nascimento de seus filhos.

O notável nesta troca de informações não é apenas o fato de que há alguns anos pouquíssimos homens teriam admitido seus sentimentos tão aberta e publicamente, mas também pelo fato de que os pais ficam abatidos após o nascimento de um filho. Até agora, esse estado emocional era atribuído principalmente às mulheres.

Recentemente, uma pesquisa médica realizada nos Estados Unidos analisou 43 estudos internacionais, envolvendo mais de 28.000 participantes, que haviam pesquisado o estado psíquico dos pais tanto no ano anterior como no ano posterior ao nascimento de um filho. Resultado: 10,4% deles sofreram um período de depressão ou um estado de ânimo depressivo, mais que o dobro da medida masculina da população.

Estudos de longo prazo indicam que uma "depressão pós-natal" desse tipo, que às vezes só passa muito lentamente depois de seis meses, é muito negativa para o desenvolvimento das crianças, entre outros motivos, porque os pais se mostram menos envolvidos nos cuidados e nas brincadeiras com os bebês.

Aparentemente, o parceiro saudável é incapaz de contrabalançar as deficiências do outro: anos mais tarde, a probabilidade de essas crianças exibirem uma competência social mais baixa e um comportamento mais extravagante é maior ainda. E os meninos correm um risco três vezes maior de serem hiperativos.


Nesta foto, de 1941, eles ainda se sentam harmoniosamente juntos: Ernest Hemingway (1899-1961) e seu terceiro filho Gregory (1931-2001). Entretanto, o escritor teria preferido ter tido uma filha. Gregory resumiu o difícil relacionamento que teve com o pai: "Eu fui o produto de uma das numerosas catástrofes emocionais de meu pai"


Para os homens, a paternidade muitas vezes é o impulso para se tornarem adultos

Esse exemplo ilustra que os filhos em geral podem se beneficiar enormemente do envolvimento do pai; do fato de seu progenitor ser, desde o princípio, "um companheiro, uma pessoa que cuida deles, um parceiro, um protetor, um modelo e instrutor em questões morais e de aprendizado". Pelo menos de acordo com as palavras de Michael Lamb, um dos pesquisadores de pais mais ilustres do mundo.

No início de sua carreira, na década de 1970: "Isso ainda era diferente", explica Lamb, professor da Universidade de Cambridge, na Grã-Bretanha, "naquela época, muitos homens jamais teriam tido a ideia de trocar uma fralda ou dar um banho em seu filho pequeno; hoje, por outro lado, seria até embaraçoso um pai admitir que se esquivou desses cuidados".


As primeiras fontes por escrito que homenageiam o pai legítimo datam do Antigo Egito. Os textos falam muito de amor e dos cuidados paternais, mas também da idolatria do filho pelo pai.


"Surgiu toda uma nova geração de pais", informa Wassilios Fthenakis, alemão de ascendência grega, psicólogo de desenvolvimento.

"Hoje em dia, 60% dos pais da Europa Central se veem em novos papéis sociais e somente 30% seguem o conceito tradicional de serem apenas o provedor da família".

Para os pais engajados e envolvidos, diz Fthenakis, "todo o mundo se reestrutura com o nascimento de um filho".

Isso também ilustra um estudo de psicólogos do desenvolvimento da Universidade de Delaware, nos Estados Unidos. A constatação pode parecer trivial, mas os pesquisadores concluíram que somente a paternidade foi o impulso decisivo para os homens se tornarem de fato adultos.

Muitos deles declararam que o nascimento de seus filhos foi o motivo que os levou a dar prosseguimento ao seu próprio desenvolvimento. Antes, eles se sentiam "suficientemente bons" para viver como solteiros ou com uma parceira, mas não "bons o bastante" para educar filhos. A paternidade, segundo a própria avaliação deles, fez com que se tornassem mais caseiros e menos egoístas.

Mas como um homem consegue incorporar o impulso de transformação vindo de uma criança? Como ele consegue se adaptar à vida de "pai engajado"?


DE UM LADO
, o fato de os homens levarem sua paternidade muito mais a sério hoje do que as gerações anteriores, e dedicarem muito mais tempo aos seus descendentes, se deve às grandes transformações sociais ocorridas nas últimas quatro décadas. Por outro lado, o bem-estar social atual é o que verdadeiramente lhes dá a chance de se dedicarem aos seus filhos.

Mas agora os pesquisadores descobriram mais um dado e este é surpreendente: modificações biológicas no organismo também possibilitam que homens possam desenvolver um comportamento mais cuidadoso e dedicado.

De modo algum a natureza lhes conferiu apenas o duro papel de serem protetores e provedores. Muito pelo contrário: os pais são plenamente capazes de também assumir o papel suave de parceiro nas brincadeiras, companheiro emocional e educador carinhoso.

"Homens são muito mais andróginos do que supúnhamos", diz o psicólogo americano Ross Parke. Por exemplo, pais apresentam reações físicas que tradicionalmente só eram procuradas e encontradas em mulheres: adaptações hormonais ao contato íntimo com os bebês.

Essas mudanças influenciam o comportamento, mas como exatamente isso ocorre a ciência ainda não elucidou. É possível que as substâncias mensageiras estimulem conexões neuronais em determinadas regiões do cérebro que também são importantes para modos de comportamento, como a dedicação e o cuidado.

A psicóloga canadense Anne Storey descobriu as oscilações hormonais paternas há poucos anos, quando examinava voluntários masculinos que haviam acompanhado suas mulheres no curso de gestante: trinta dias antes do nascimento de seus filhos esses futuros pais começaram a produzir mais estrogênio, o hormônio tipicamente feminino que em geral é praticamente inexpressivo em homens.



Em 1968, o roqueiro Frank Zappa posa como homem de caverna com sua filha Moon Unit nascida pouco antes. O americano (1940-1993) era considerado esquisito e viciado em trabalho. Ainda assim, companheiros de muitos anos o descrevem como um homem de família. Zappa exigia individualidade para os quatro filhos: eles podiam xingar e tinham ilimitada liberdade de expressão. "Éramos uma casa cheia de personalidades completamente diferentes", declara Ahmet Zappa. Entretanto, as drogas eram tabu; Zappa insultava colegas musicistas que não conseguiam se abster de seu consumo. Hoje, todos os seus filhos também são artistas


E alguns dias antes do nascimento os valores da prolactina também aumentaram. Este hormônio, que em mulheres estimula o crescimento das glândulas mamárias durante a gestação, bem como a produção de leite após o parto, também favorece, como o estrogênio, a adoção de um comportamento mais cuidadoso, quase maternal. Além disso, pouco após o nascimento da criança, o nível de testosterona dos pais (que promove o comportamento agressivo) caiu em média 30%.

Quando as alterações hormonais pré-natais são muito acentuadas pode inclusive ocorrer a chamada "Síndrome de Couvade": uma espécie de "gravidez por simpatia", acompanhada de um aumento de peso, perturbações digestivas, chegando até a náuseas e vômitos.

Os especialistas ainda não sabem ao certo como ocorre a alteração hormonal paterna. Anne Storey presume que as mulheres gestantes influenciem o quadro hormonal de homens que vivem em contato íntimo com elas, e isso por meio dos feromônios, substâncias mensageiras fugazes emitidas pela pele.


Os efeitos desses impulsos biológicos podem ser intensificados ainda mais por meio de individuais circunstâncias de vida. Assim, segundo a opinião de alguns psiquiatras, a Síndrome de Couvade frequentemente é provocada por um superenvolvimento do futuro pai, que brota de seu temor inconsciente de perder sua parceira para a criança que está por nascer.

Por essa razão, são particularmente os homens que em sua infância experimentaram pouca atenção materna, que desenvolvem essa síndrome. A participação masculina em um curso de preparo pré-natal, que desconsidera temores desse gênero, pode até intensificar ainda mais a insegurança de homens particularmente sensíveis.

Quando a criança finalmente chega ao mundo, os pais podem controlar seus próprios níveis hormonais de modo decisivo por meio do comportamento. De acordo com exames realizados por Anne Storey, os homens que seguram seus bebês durante uma hora nos braços intensificam com isso sua "constelação hormonal tipicamente paternal". E provavelmente são estimulados a cuidar ainda mais de seus filhos, por meio de um processo retroativo positivo.

Portanto, a decisão dos homens de seguir o modelo social vigente e estabelecer um contato íntimo com o próprio bebê desencadeia neles uma cascata de processos biológicos que contribuem para transformá- los em pais engajados.



Raramente o ganhar do Prêmio Nobel da Paz e ex-Chanceler da Alemanha Willy Brandt (1913-1992) e seu filho Lars compartilhavam momentos tão íntimos como esse, em 1974. Eles viajavam juntos, mas durante anos Lars só viu seu pai "na televisão". Em casa, o carismático político emudecia. E Lars não consegue se lembrar de que seu pai jamais o tenha beijado ou lhe passado a mão sobre a cabeça. Só quando Brandt adoeceu os dois se aproximaram mais e puderam se abraçar abertamente



CONSTATAÇÕES COMO ESSAS
teriam surpreendido até mesmo o psiquiatra infantil britânico John Bowlby, que na década de 1950 popularizou o vínculo aparentemente natural entre a criança e a mãe.



Na antiguidade grega, o pai, frequentemente ausente de casa como soldado ou cidadão, delegava seu papel de professor a outros. Mas como não se permitia à mãe exercer uma influência sobre a índole da criança, em Esparta, por exemplo, o Estado assumia a educação dos meninos



Mas nos anos 70 e 80, essa imagem mudou quando psicólogos do desenvolvimento determinaram, com base em dados de estudos, a percepção pública de que pais e mães tratam seus filhos de modo altamente diferenciado. De acordo com as novas teorias, os pais se especializariam em brincadeiras brutas e desenfreadas; ao passo que as mães, em carinhosos cuidados maternais.

A mensagem tão marcante como unidimensional dizia: pais são de Marte, mães de Vênus.

Mas nesse ínterim pesquisadores de pais como Michael Lamb voltaram a analisar os resultados dos estudos dos últimos anos e décadas, e chegaram a um novo resultado. Segundo o resumo de Lamb, as diferenças sexuais incontestáveis frequentemente foram exageradamente interpretadas e supervalorizadas, e com isso atribuíram aos pais um papel excessivamente unidimensional como companheiro de brincadeiras. No entanto, os pais dispõem de muitas das capacidades atribuídas, durante muito tempo, somente às mães.

Segundo Lamb, os componentes mais importantes de um comportamento paterno/ materno positivo são universais. Nesse caso tratar-se-ia principalmente de "calor humano, capacidade de empatia, e, com o avanço da idade das crianças, de vigilância e supervisão".

De acordo com isso, a influência positiva de pais não decorre de comportamentos particularmente masculinos, mas resulta de sua capacidade de empregar as mesmas qualidades paternais que as mães.

Seu papel, segundo Lamb, deveria ser o de um adulto com igualdade de direitos no sistema familiar; alguém que, no caso ideal, ofereça às crianças vínculos e estímulos e, ao mesmo tempo, apoie e alivie as funções da mãe. De acordo com essa concepção, os pais são muito mais que apenas um modelo de comportamento masculino para os filhos. É claro que com esse ponto de vista Lamb está no contrafluxo de cientistas de cunho psicanalítico, que continuam a postular a influência especial do pai no desenvolvimento espiritual de uma filha ou de um filho.

Em todo caso, está claro que pais estão tão qualificados quanto as mães a interpretar corretamente sinais como a fome ou a dor de seus filhos. E que homens e mulheres apresentam as mesmas reações físicas quando olham para um recém-nascido: seus batimentos cardíacos, a respiração e a temperatura do corpo se alteram.

E ainda que, como mostram alguns experimentos, os pais também são capazes de distinguir seus bebês de outros recém-nascidos, mesmo com os olhos vendados e apenas por meio do toque de suas mãozinhas.


DE ACORDO COM ISSO, não faz muita diferença se uma criança é criada por pai e mãe ou por dois parceiros do mesmo sexo?

Essa conclusão é, no mínimo, controvertida. Psicanalistas, que acentuam mais as diferenças dos papéis sexuais que os psicólogos do desenvolvimento, consideram a suposição um tanto ousada.

Entretanto, Michael Lamb frisa que até o momento não existem provas de que crianças de casais de lésbicas se desenvolvam mais desfavoravelmente que as de casais heterossexuais; e para homens homossexuais com filhos ainda não existem dados suficientes.

Mas ninguém contesta que naqueles casos em que os pais têm boas qualidades paternais, as consequências são mensuráveis.

Diversos estudos que observaram como os filhos e as filhas de pais envolvidos se desenvolvem mostraram que, em média, essas crianças são mais sensíveis e autoconfiantes, que exercem melhor o autocontrole e são mais inteligentes que os descendentes de homens menos presentes.


Para o filho, os homens provavelmente são muito mais do que apenas um modelo de comportamento


E até na evolução de um menino para um homem não é particularmente importante que o pai seja explicitamente masculino e que exemplifique um comportamento correspondente, aponta Lamb. Segundo ele, um bom relacionamento mútuo seria muito mais importante e decisivo. Portanto uma boa qualidade paternal.

Mas o que caracteriza uma "paternidade engajada"? Não existem definições fixas, embora todos os pesquisadores de desenvolvimento mencionem um fator em comum: um engajamento preferencialmente intenso do ponto de vista temporal e emotivo tanto no cuidado como nas brincadeiras.

As manifestações de carinho do pai em relação à criança seriam particularmente importantes; por exemplo, abraçá-la, dizer-lhe que é amada. Mas o monitoramento também exerce uma grande influência. E isso se refere a várias condutas, dentre elas:

  • Estabelecer regras, discuti-las com as crianças, mas também observar que sejam cumpridas;
  • Saber onde a criança está;
  • Assumir responsabilidade pelo bem-estar físico e espiritual do filho ou da filha;
  • Mostrar-se acessível e dialogar com a família;
  • Compartilhar ideias com eles e conversar sobre assuntos importantes.

E AS DIFERENÇAS entre pais e mães, tão frequentemente citadas? Essas de fato existem, afirma Michael Lamb, mão não são nem de longe tão naturais como seria de se supor. Segundo o pesquisador, muitas mulheres poderiam desafiar crianças de um modo "tipicamente paternal"; enquanto muitos homens estariam em condições de "paparicá-las de um modo tipicamente maternal" e ainda assim registrar precisamente suas emoções.

Os pais tendem a esse tipo de comportamento principalmente quando um dos papéis no núcleo da família está desocupado. Por exemplo, quando um casal homossexual educa crianças. Ou quando apenas uma parte de um casal carrega toda a responsabilidade sobre a criança.

Mas quando o pai e a mãe educam os filhos juntos, pode ocorrer que eles se especializem: a mãe se sente responsável pelo sossego, a continuidade, a confiabilidade, questões emocionais e esferas sociais; enquanto o pai reconhece que esse papel de cuidado e carinho já está ocupado, conscientemente impõe outras prioridades.

O domínio de um pai, por exemplo, pode incluir brincadeiras físicas mais ou menos brutas: diversões agitadas, brincar de pega-pega, fazer cócegas, jogar a criança para o alto; atividades que provocam emoções fortes.


Na época do Império Romano o pai experimentou um imenso poder. Ele reinava desimpedido sobre mulher e filhos, considerados sua propriedade pessoal

As crianças ficam encantadas e frenéticas. E, ocasionalmente, chegam "ao fim de suas forças", se assustam ou até ficam furiosas.

"Quando o pai lida com essas situações sensivelmente, o relacionamento pai-filho pode se beneficiar e ajudar a compensar as desvantagens que surgem do fato de ele não estar disponível ou presente durante o dia", explica Wassilios Fthenakis.

Em crianças pequenas nota-se até fisicamente com quem estão lidando: quando a mãe as pega no colo, suas batidas cardíacas e a respiração ficam mais lentas diante da expectativa de seu ritmo igualmente mais lento e calmo. Mas quando o pai levanta a criança, esta agora praticamente antecipa a "ação", e seu coração e sua respiração se aceleram.

Os pais também estimulam seus filhos mais do que as mães com comportamentos condizentes especificamente com o sexo das crianças, particularmente os meninos. Isso fica óbvio com a escolha de suas atividades de lazer, nos brinquedos favoritos, na proposta de tarefas e na avaliação da personalidade infantil.


Quando um pai levanta seu filho nos braços, este sabe que vai haver "ação"


Outra atitude típica dos pais é que eles confrontam seus bebês e filhos pequenos mais frequentemente do que as mães com palavras desconhecidas, empregam mais conceitos complexos incomuns e estimulantes e utilizam construções gramaticais muito mais complicadas. Para os pequenos isso em geral é estimulante e ajuda no desenvolvimento de seu vocabulário e da fala. Em razão disso, o comportamento de fala do pai influencia o desenvolvimento da criança mais que o da mãe, afirma Michael Lamb.

Será que os pais agem desse modo porque veem seus filhos mais raramente, e justamente por isso não conhecem exatamente a riqueza de vocabulário que eles já possuem? Ou eles simplesmente partem do princípio de que seus descendentes têm a competência de responder a esses tipos de desafios?

Um estudo da Universidade de Nova York sugere precisamente isso. Psicólogas haviam pedido aos pais de bebês de 11 meses que regulassem a inclinação de uma rampa móvel para seus respectivos filhos, de maneira que, na opinião delas, os nenês seriam capazes de descê-la engatinhando. Depois disso, eles deviam regular a mesma rampa com uma inclinação que permitisse que as crianças descessem sozinhas.

Resultado: 14% das mães permitiram aos filhos enfrentar uma rampa bastante inclinada que, segundo elas, excedia ligeiramente a capacidade da criança. Quando o adulto opinante era o pai, 41% deles correram esse pequeno risco sem hesitar.


Clint Eastwood tinha 41 anos ao ser fotografado com seu filho Kyle, de 3 anos, em 1971. A filha mais nova do ator e diretor só nasceu 26 anos mais tarde. Eastwood tem 7 filhos com 5 mulheres e, como diz, ama sua "família disfuncional"



Uma tendência semelhante revelou-se em um estudo envolvendo a dependência de jovens alemães e israelenses em relação aos seus pais: em média, os pais reconheceram a independência de seus filhos 4 anos antes do que as mães, as mulheres viam a independência de adolescentes de 16 anos como a que os pais viam em jovens de 12 anos.

Portanto, os pais podem ser "uma fonte de encorajamento para a exploração do meio ambiente", conclui a psicóloga do desenvolvimento Karin Grossmann; pelo menos em condições ideais.


ISSO PORQUE O ACESSO ao bebê ou à criança pequena é decidido, como há milhares de anos, pela mãe.

Ou ela encoraja e orienta o pai, ou, quando ele é muito ativo, ela o inibe criticando o modo como lida com a criança, ou, raramente o deixa sozinho com o filho.

Os pesquisadores familiares chamam esse comportamento de maternal gatekeeping: 'as mães como guardiãs de acesso'. Uma socióloga da universidade israelense Bar-Ilan pesquisou a conduta feminina em 209 casais com crianças entre 6 meses e 3 anos.



O pintor Pablo Picasso (1881-1973) não foi um companheiro de brincadeiras para seus filhos, afirma seu filho Claude, aqui em 1948 na Côte d'Azur. Mas admite que o pai lhes contava histórias de suspense e cozinhava para eles. As crianças não foram obrigadas a pintar nem a desenhar; elas deviam estar livres de todo e qualquer modelo. Ainda assim, Claude Picasso compreendeu cedo na vida que ele seria constantemente comparado ao pai. Hoje ele é o inventariante da família.


No Cristianismo a mãe conquistou prestígio com o início da veneração de Maria, Mãe de Jesus. A partir de então a sociedade passou a esperar uma relação íntima e emotiva entre mãe e filho. Com a industrialização, quando os homens foram para as fábricas, o pai perdeu ainda mais influência


De acordo com o estudo, a guardiã típica apresentava uma acentuada orientação para valores femininos, levava seu papel de mãe muito a sério e, em geral, possuía menos autoconfiança.

E quanto menor essa autoconfiança, maior a tendência das mulheres de assumir completamente a responsabilidade pela criança, considerando o pai como uma espécie de ajuda assistencial, sujeito a rigorosos padrões de como a criança deve ser tratada.

Desse modo, elas provavelmente queriam fortalecer a própria determinação e confiança. Consequentemente, os parceiros dessas mulheres também se dedicavam nitidamente menos aos filhos do que os parceiros de mulheres autoconfiantes.

Pesquisadores conseguiram provar que muitos pais podem contribuir inconscientemente para o próprio retraimento no engajamento com as crianças. Uma das armadilhas é a chamada "retradicionalização": em muitas sociedades a maioria das jovens famílias decide, historicamente, que a mãe assume a maior parcela dos cuidados com as crianças. E, com isso, ela reduz acentuadamente sua atividade profissional.



Alguém como eu não deveria ter filhos", declarou o escritor alemão Thomas Mann (1875-1945, a.e.) - nada era mais importante para ele do que seu trabalho. Enquanto ele escrevia, diariamente cerca de 5 horas, tinha que reinar silêncio absoluto na casa. Atrás do aparente idílio em seu escritório no exílio, em Princeton, Estados Unidos, onde a família se reuniu ao redor do ganhador do Prêmio Nobel (foto por volta de 1940) escondia-se um inferno familiar: cheio de vidas trágicas, com depressões, drogas e uma secreta homossexualidade. Dois de seus filhos cometeram suicídio. "O que o monstro está fazendo neste momento?", perguntava sua mulher Katia ao chegar a casa.

Comparativamente, os pais não sacrificam nada, ou muito pouco, de suas vidas profissionais. Frequentemente eles até trabalham mais do que nunca depois de constituírem uma família.

Muitas vezes existem boas razões para essa distribuição de tarefas, principalmente financeiras. Porém muitos casais de fato tinham a intenção inicial de distribuir de forma mais ou menos equitativa as tarefas entre família e profissão. Quando isso não funciona, os dois parceiros precisam enfrentar e vencer uma certa insatisfação. É comum que os pais que trabalhem tenham menos tempo livre do que gostariam para dedicar aos seus filhos. Por essa razão, 37% dos jovens pais acabam mergulhando em um forte conflito interno, informa um estudo alemão.

Mas talvez esses homens também suspeitem de que o conceito de quality time tenha seus limites. Essa proposta surgiu nos anos 80 e afirmava que o tempo que uma parte do casal passasse com o filho não era tão importante; o que de fato importava era a qualidade desse tempo usufruído em conjunto. Uma conversa breve, porém intensiva; ou um passeio extraordinário no fim de semana poderiam ter o mesmo valor para uma criança como um longo dia normal passado em companhia de um dos pais.

Hoje os pesquisadores enxergam isso de modo mais diferenciado, principalmente com base em um estudo de mais de 22 anos de duração realizado pela Universidade de Regensburg, na Alemanha, que envolveu 50 famílias. De acordo com os cientistas, esse teste, provavelmente o mais rigoroso já feito a respeito da influência paterna no desenvolvimento da criança, mostrou que, basicamente, "a conduta paterna com qualidades de companheirismo, sensibilidade e estímulos" é decisiva para a qualidade do contato com a criança.



O presidente americano John F. Kennedy (1917-1963) e seus filhos Caroline e John Jr., em 1962. Na realidade, sua vida em família era tudo, exceto saudável: Kennedy traiu sua mulher Jacqueline e quando esta deu à luz uma filha natimorta, ele não quis interromper as férias. Quando criança, o próprio John F. apanhou frequentemente de seu irmão mais velho. "Os Kennedy não choram!" era o lema da família.


Essa qualidade, por outro lado, exprime-se principalmente por meio da sensibilidade da parte masculina do casal. Esses pais não procuram limitar os interesses de diversão de seus filhos, mas os aproximam adequadamente de novos desafios, elogiam os trabalhos e projetos das crianças e não solucionam imediatamente em seus lugares quaisquer possíveis dificuldades. Tudo isso contribui, entre outros para a melhoria do trato social das crianças com outros de sua idade.

Mas os especialistas frisam que essa proximidade pai-filho exige tempo. "Quando o pai de uma criança pequena só dispõe das noites e dos fins de semana para o convívio com a família, ele tem de aproveitá-los ao máximo, em vez de, por exemplo, dedicar-se a um passatempo pessoal que consuma tempo, e brincar com o bebê desde seu primeiro ano de vida", afirma a psicóloga de desenvolvimento Karin Grossmann, coautora do estudo de Regensburg. "Só assim o pai aprende a conhecer os lados fortes e fracos de seu pequeno filho ou filha".

Além disso, para as crianças o conceito de quality e quantity muitas vezes têm o mesmo significado. Os dados de um estudo alemão no qual cientistas acompanharam 315 famílias durante 5 anos, revelam que, quanto mais o pai se engaja em casa, o que nitidamente não se encaixa no conceito de quality time, mais as crianças se sentem "carinhosamente cuidadas, valorizadas, aceitas, respeitadas e amadas por ele".


O conceito de quality e a proximidade também exige tempo


Um antídoto importante para o "potencial de conflito" que reside em uma distribuição descuidada dos respectivos papéis de um casal é que pai e mãe reconheçam mutuamente seus empenhos e realizações.

Um antídoto importante para o "potencial de conflito" que reside em uma distribuição descuidada dos respectivos papéis de um casal é que pai e mãe reconheçam mutuamente seus empenhos e realizações. Nesses casos, ela pode tentar reconstruí-la por meio do gatekeeping, e o pai se vê praticamente barrado da possibilidade de manter um contato menos rígido com o filho.

"Quem realmente quiser entender o que significa 'família' ", diz Wassilios Fthenakis, "precisa prestar atenção a essas mudanças de efeitos. É preciso entendê-las como um sistema no qual todos os participantes se influenciam mutuamente, inclusive independente de os pais viverem juntos ou não".

A harmonia entre parceiros, a qualidade da relação, são bons indicadores para o relacionamento pai-filho. Quando a harmonia é grande, os pais são mais calorosos e sensíveis e se dedicam mais aos cuidados com a criança do que quando a relação com a mãe não é boa por qualquer razão. Entretanto, esse efeito não é observável nas mães; o comportamento delas em relação aos filhos independe da relação que mantêm com os parceiros.

 

Os pensadores do Iluminismo também atacaram o patriarcado político: "Um governo patriarcal é o maior despotismo imaginável", escreveu o filósofo Immanuel Kant em 1793. Pelo menos os filhos homens começaram a se emancipar da tutela de seus pais superpoderosos e a bater na tecla da autodeterminação

 

DESVENDAR A DINÂMICA FAMILIAR e a convivência mútua da tríade pai, mãe e filho é uma tarefa altamente complexa para os cientistas. A equipe do psicoterapeuta Kai Von Klitzing tentou fazer exatamente isso e para tanto analisou a "capacidade triádica" em 120 casais que tiveram seu primeiro filho.

Para todos os casais, o estudo começou durante a gravidez com uma entrevista de respectivamente 2 horas e terminou no nono ano de vida da criança.

De início tratou-se de estabelecer como os futuros pais imaginavam sua futura família. Ela incluía os dois pais?

Ou pensavam principalmente em relacionamentos a dois, do tipo "minha mulher e seu filho"? E quão flexíveis e abrangentes eram as imagens que os voluntários faziam de seu filho?

Com essas perguntas, os cientistas sondaram a disposição dos pais de imaginar a família como uma rede em desenvolvimento entre relacionamentos de vários níveis.

"Nesse sentido os respectivos parceiros eram muito parecidos entre si;", explica Von Klitzing, "é provável que em geral pessoas com uma concepção familiar mais ou menos igual se unam".

O valor dos dados se manteve relativamente constante com o passar dos anos, mesmo quando alguns casais se divorciaram.

O surpreendente foi como esses valores de medição permitiram prever tão bem determinados aspectos do desenvolvimento da criança: quando os pais desenvolviam uma imagem familiar coesa durante a gestação, seus bebês apresentavam menos cólicas e distúrbios do sono ou da amamentação. Aos 9 anos, essas crianças apresentavam habilidades sociais bem desenvolvidas que também se manifestavam nas brincadeiras com outras crianças.

A "capacidade triádica" dos futuros pais antecipou melhor esse desenvolvimento positivo do que outros fatores previsíveis conhecidos, como a satisfação entre os parceiros ou as características psíquicas que os pais apresentavam isoladamente. Portanto, a capacidade familiar decididamente está vinculada ao espírito de equipe e franqueza interior.

Além disso, os pesquisadores notaram que perturbações nessa dimensão do comportamento dos pais, em geral se manifestavam especificamente em nível sexual: as mulheres em questão excluíam o parceiro em suas fantasias sobre a família.

Em contrapartida, os futuros pais tinham a tendência de excluir a si próprios. Eles se sentiam inúteis diante da estreita intimidade entre mãe e filho.

De acordo com as constatações de Kai Von Klitzing, um relacionamento positivo com o pai, ou até mesmo um padrasto, para os homens é a melhor proteção contra a incerteza de ser ou poder ser a terceira parte contribuinte em um relacionamento mãe e filho. Desse modo, a coragem de se portar paternalmente é retransmitida pelas gerações vindouras.


A capacidade de constituir uma família é principalmente uma questão de espírito de equipe e franqueza

Isso é particularmente positivo quando combinado a uma segunda característica, que os pesquisadores familiares detectaram como a competência-chave dos pais modernos: a capacidade de se relacionar.

QUANDO UM HOMEM se mostra passivo ou desarticulado no plano emocional, "ele será identificado como 'inútil' na vida familiar", afirma o sociólogo e pesquisador familiar alemão Alois Herlth. Com isso o relacionamento com a mulher e o filho é prejudicado e o clima familiar deteriora.

Segundo ele, é muito melhor quando o pai se sente tão responsável pelo intercâmbio de sentimentos como a mãe, e que tenha a necessária sensibilidade para isso.

Muitos pais podem achar isso complicado. Mas a pesquisa das últimas décadas mostrou que a capacidade de lidar de modo sensível com crianças não é um dom imutável nem um terreno genuinamente feminino. Embora dependa de quanto tempo a respectiva parte do casal passe com a criança e quantas tarefas forem realizadas em conjunto.

O pai ou a mãe que tem dificuldade de se comunicar com a criança, embora tenha tempo suficiente à disposição, pode melhorar sua capacidade de convivência por meio de um aprendizado direcionado.

Um caso extremo, ocorrido na Holanda, mostra o quanto cursos ou terapias podem ajudar. O estudo também é perfeitamente aplicável a pais. Mães holandesas socialmente fracas, com crianças chorosas e birrentas foram filmadas no trato com seus filhos. Depois disso, especialistas discutiram os vídeos minuciosamente com as mães: que tipos de sinais meu filho dá? Como posso reagir da melhor maneira?

Um ano depois do início do estudo, 68% das crianças tinham desenvolvido um vínculo seguro com a mãe, cerca de 2,5 vezes mais que os participantes de um grupo comparativo, no qual não houve discussões.

Também é útil para homens que queiram desenvolver suas habilidades empáticas saber que estas assumem formas variadas.

Um pai sensível é paciente durante uma brincadeira, aberto às ideias e à imaginação infantil. Ele só interfere no momento em que a criança de fato precisa de apoio.

Ele pratica o chamado "coaching emocional" ao ajudar a criança a expressar seus sentimentos. Ele os aceita e respeita, aproveita as oportunidades para estabelecer limites e transmitir valores. Já foi comprovado que essa conduta promove a competência social da criança e estimula a solução autônoma e independente de problemas. Além disso, esse comportamento estimula a moderação e o raciocínio.

Caso contrário, um pai é capaz de causar muitos danos quando ele exerce um estilo educacional que nega as emoções infantis ou até as diminui. Naqueles casos em que o pai é impaciente ou tenso, quando praticamente antecipa um fracasso da criança e reage com zombaria e crítica, uma conduta como essa transmite ao filho uma sensação de incompetência.

Isso tudo não quer dizer que os pais agora tenham de paparicar filhos e filhas como as mães. Durante muito tempo, a sensibilidade foi apenas um sinônimo para compreensão e consolo. "Mas a partir do segundo ano de vida o chamado 'desafio sensível' também se torna importante para o desenvolvimento das crianças frisa Karin Grossmann. Essa conduta, segundo ela, seria até mais apropriada para os pais do que para as mães.

Desafiar sensivelmente significa que, em sua interação com a criança, o adulto compartilha a dor provocada por um fracasso ou até um retrocesso, mas não se demora muito em proporcionar consolo.

Em vez disso, ele olhará com a criança para o futuro, fornecerá estímulos, e indicará metas que podem ser alcançadas por diversos caminhos. Desse modo, ele alimenta a "competência de exploração" da criança: sua capacidade de enfrentar desafios.


Oito dos onze filhos de Charlie Chaplin, aqui em férias na França, nasceram depois que ele completou 50 anos. O artista não podia imaginar que com isso ele havia exposto as crianças a um risco de saúde maior. Isso também é resultado de novas pesquisas familiares: a paternidade tardia aumenta o risco de doenças dos descendentes, porque a qualidade dos espermatozoides se deteriora com o avanço da idade

 

MAS ESSE INCENTIVO paternal ou maternal só atinge positivamente a criança quando ela sente que seu interlocutor realmente sente empatia e compreensão por sua aflição, e isso só funciona quando o adulto se lembra nitidamente de seus próprios sentimentos em situações semelhantes.

Porém muitos homens não dominam essa técnica muito bem, afirma a psicoterapeuta Björn Süfke. E a causa seria sua socialização: está provado que meninos recebem muito menos manifestações de sentimentos dos pais e educadores do que as meninas. Isso quer dizer que suas emoções são menos reconhecidas e definidas, e principalmente que as pessoas reagem muito mais raramente de modo adequado a elas. Até mães têm a tendência de não espelhar excessivamente as emoções negativas de seu filho, possivelmente em consequência de uma ideia predeterminada sobre os diferentes papéis dos sexos: meninos simplesmente não podem ter medo ou ficar triste.

Além disso, os meninos frequentemente crescem em um ambiente dominado por mulheres, no qual os poucos homens presentes constituem modelos da masculinidade tradicional; por exemplo, uma orientação puramente prática em detrimento da sensibilidade.

Por isso, segundo Björn Süfke, homens jovens não se apercebem tão franca e claramente de suas emoções dolorosas, como pesar, medo e fraqueza. E, quando adultos, eles terão muito mais dificuldade de aceitar e lidar com sentimentos negativos. Possivelmente, este também é um dos motivos que levam os homens a empregar a estratégia do "coaching emocional" muito mais raramente com seus filhos do que as mães.

É possível desvencilhar-se dessa marca precoce na idade adulta? Süfke acredita que é complicado, porém possível. Desse modo, até meninos mais velhos poderiam se beneficiar disso quando outros homens se tornam modelos de masculinidade mais abertos aos sentimentos. E para o jovem pai do fórum on line, que sofre de "depressão pós-natal", poderia ser útil manter um intercâmbio de experiências com os outros homens.

Para Süfke a tarefa do desenvolvimento masculino mais importante de todas é conseguir dialogar com os próprios sentimentos. "Uma coisa dessas pode parecer um luxo para um homem sem descendentes, mas para um pai esta é uma obrigação", julga Süfke.

 

SUSANNE PAULSEN, 48 anos, é capaz de aplicar pessoalmente, e bem, a nova avaliação do papel dos pais, pois ela cria seus três filhos com a ajuda de um marido engajado

 

Fonte: - http://revistageo.uol.com.br/cultura-expedicoes/24/artigo213821-1.asp -

 


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