A educação é a
arte de formar os homens, isto é, a arte de neles fazer surgir
os germes das virtudes e reprimir os do vício.
Ao falarmos em educação na perspectiva
espírita, muitos se baseiam na “pedagogia espírita”,
tão bem questionada e difundida por J. Herculano Pires (1)
e Dora Incontri (2),
todavia este artigo visa ir muito além da educação
sob a ótica espírita. Temos aqui a pretensão e
extrapolar os muros dos centros espíritas, avaliando a educação
em um sentido mais amplo e de maneira mais plena.
São muitos os mestres que nos dão referências para
a metodologia da pedagogia na educação espírita.
Entre eles, temos: Jean Jacques Rousseau, Immanuel Kant, Ovide Decroly,
Victor Hugo, Bezerra de Menezes etc., e é impossível comentá-los
como se deve neste artigo, porém vamos abordar, de maneira dinâmica,
autores espíritas e não espíritas que convergem
em suas linhas de pensamento no quesito de fazer da educação
um ato de amor e desenvolvimento da crítica e desejo do aprender.
Hippolyte Léon Denizard Rivail, antes de usar o pseudônimo
de Allan Kardec(3), foi um dos maiores pedagogos na França e
até hoje seus artigos são referências naquele país
na arte de educar. Ele afirmava:
“A educação é
a arte de formar os homens, isto é, a arte de neles fazer surgir
os germes das virtudes e reprimir os do vício; de desenvolver
sua inteligência e dar-lhes a instrução adequada
às suas necessidades; enfim, de formar o corpo e de lhe dar
a força e a saúde. Em uma palavra, o objetivo da educação
consiste no desenvolvimento simultâneo das faculdades morais,
físicas e intelectuais. Eis aí o que todos repetem,
mas o que não se pratica nunca.”(i)
(KARDEC, 2002. p. 594)
Visionário em sua época, Kardec alertava que a educação
é muito mais que ensinar o alfabeto ou construir o conhecimento
acadêmico; é preparar as crianças a conviverem com
outros seres humanos, para que aprendam a interagir e progredir socialmente.
Nessa linha de pensamento enfatizamos a frase de Paulo Freire (4):
“saber que ensinar não
é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para
a sua própria produção ou a sua construção;
(...) a capacidade de aprender é não apenas para nos
adaptar, mas, sobretudo para transformar a realidade, para nela intervir,
recriando-a”. (FREIRE, 1996. P. 47 e 68) (ii)
Sob esse prisma não poderíamos
deixar de comentar sobre Pestalozzi (5),
que projetou suas ideias em ação de amor, socorrendo crianças
órfãs, educando pobres e ricos, ajudando a erguer um novo
conceito de educação e teorizando e praticando a Pedagogia
do Amor.
Pestalozzi afirmava que:
“Confiante nas faculdades da
natureza humana, que Deus colocou também nas crianças
mais pobres e mais desprezadas, eu não tinha apenas aprendido
em experiências anteriores que essa natureza desdobra as mais
formosas potencialidades e capacidades em meio ao lodo da rudeza,
do embrutecimento e da ruína, mas via, nas minhas próprias
crianças, irromper essa força viva, mesmo em meio a
toda a sua brutalidade”.
E complementa:
“Educar é desenvolver
progressivamente as faculdades espirituais do homem”. (PESTALOZZI,
1997. p. 90) (iii)
Léon Denis
(6) na sua fabulosa obra Depois da Morte, no item 54, “Educação”,
alerta-nos:
“É pela educação
que as gerações se transformam e aperfeiçoam.
Para uma sociedade nova é necessário homens novos. Por
isso, a educação desde a infância é de
importância capital. Não basta à criança
os elementos da Ciência. Aprender a governar-se, a conduzir-se
como ser consciente e racional, é tão necessário
como saber ler, escrever e contar: é entrar na vida armado
não só para a luta material, mas, principalmente, para
a luta moral. É nisso em que menos se tem cuidado. Presta-se
mais atenção em desenvolver as faculdades e os lados
brilhantes da criança, do que as suas virtudes. Na escola,
como na família, há muita negligência em esclarecê-la
sobre os seus deveres e sobre o seu destino. Portanto, desprovida
de princípios elevados, ignorando o alvo da existência,
ela, no dia em que entra na vida pública, entrega-se a todas
as ciladas, a todos os arrebatamentos da paixão, num meio sensual
e corrompido”.
Denis ainda enfatiza sobre a educação
religiosa:
“(...) Mas pueril ainda é
o ensino dado pelos estabelecimentos religiosos, onde a criança
é apossada pelo fanatismo e pela superstição,
não adquirindo senão ideias falsas sobre a vida presente
e a futura. Uma boa educação é, raras vezes,
obra de um mestre. Para despertar na criança as primeiras aspirações
ao bem, para corrigir um caráter difícil, é preciso
às vezes a perseverança, a firmeza, uma ternura de que
somente o coração de um pai ou de uma mãe pode
ser suscetível. Se os pais não conseguem corrigir os
filhos, como é que poderia fazê-lo o mestre que tem um
grande número de discípulos a dirigir?
“Essa tarefa, entretanto, não é tão difícil
quanto se pensa, pois não exige uma ciência profunda.
Pequenos e grandes podem preenchê-la, desde que se compenetrem
do alvo elevado e das consequências da educação.
Sobretudo, é preciso nos lembrarmos de que esses Espíritos
vêm coabitar conosco para que os ajudemos a vencer os seus defeitos
e os preparemos para os deveres da vida (...).”
E no final nos brinda com a frase:
“(...) Todas as chagas morais
são provenientes da má educação. Reformá-la,
colocá-la sobre novas bases traria à Humanidade consequências
inestimáveis. Instruamos a juventude, esclareçamos sua
inteligência, mas, antes de tudo, falemos ao seu coração,
ensinemos-lhe a despojar-se das suas imperfeições. Lembremo-nos
de que a sabedoria por excelência consiste em nos tornarmos
melhores”. (DENIS, 1999. p. 191) (iv)
Pestalozzi mais uma vez nos presenteia
com a afirmação:
“Devemos nos convencer de que
o objetivo final da educação não é o de
aperfeiçoar as noções escolares, mas sim o de
preparar para a vida; não de dar o hábito da obediência
cega e da diligência comandada, mas de preparar para o agir
autônomo”. (PESTALOZZI, 1997. p
.96)
Adenáuer Novaes (7),
em seu livro Mito Pessoal e destino humano (v),
sabiamente nos informa como nós, espíritas, devemos lidar
com a educação:
“Ser espírita não
significa apenas adotar uma postura cordata diante da vida, acomodando-se
a pequenas conquistas, muito embora importantes, no campo da educação
doméstica. A insatisfação quanto à injustiça,
a ignorância e a miséria humanas devem permanecer na
consciência de todos que adentrem o Espiritismo. O processo
de transformação assinalado pelo Espiritismo como fundamental
a todo espírita, inclui, além de seu próprio
mundo interno, sua participação na construção
de uma sociedade mais equilibrada e harmônica. Não basta
ele sozinho se transformar interiormente, sem uma efetiva participação
nas mudanças que a sociedade requer. Sua consciência
de cidadão, pertencente ao mundo, deve alertá-lo quanto
ao seu papel social.” (NOVAES, 2005. P.
144) (8)
Em resumo, a VERDADEIRA educação não está
apenas na escola, ou na família, está na sociedade que
gera o conhecimento, dando para a criança um leque infinito de
aprendizagem, e cabe a nós fazermos nossa parte e educarmos bem
as crianças, sejam nossos filhos ou não.
“(...) a verdadeira educação
consiste menos em preceitos do que em exercícios. Começamos
a nos instruir, começando a viver.
(…) Viver não é respirar, é agir; é
fazer uso de nossos órgãos, de nossos sentidos, de nossas
faculdades, de todas as partes de nós mesmos, que nos dão
o sentimento de nossa existência.” (ROUSSEAU.
2004.p.15) (vi)
Todos nós somos educadores por
excelência, e fazemos parte fundamental nesse processo de aprendizagem
do homem (como ser integral), e é claro contribuímos para
a evolução do Espírito.
________
i. LORICCHIO,
João Demétrio. Allan Kardec – O Codificador da Luz.
Revista Internacional de Espiritismo, Ano LXXVII – n. 11 –
Matão/SP, dezembro de 2002.
ii. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. Saberes necessários
à prática educativa. Ed. Paz e Terra. São Paulo.
1996.
iii. PESTALOZZI in INCONTRI, Dora. Livro: Pestalozzi: Educação
e Ética. São Paulo: Editora Scipione, 1997.
iv. DENIS, Léon. Depois da morte. Ed, FEB. Rio de Janeiro. 1999.
v. NOVAES, Adenáuer Marcos Ferraz. Mito Pessoal e Destino Humano.
Ed. Fundação Harmonia. Salvador/BA 1999.
vi. ROUSSEAU, J. J. Emílio ou da educação. 3 ed.
São Paulo: Martins Fontes, 2004. Trad. Roberto Leal Ferreira.
____________
1. José
Herculano Pires (1914- 1979), jornalista, filósofo, poeta, tradutor
e pensador espírita paulista. É considerado como o maior
pensador espírita do Brasil e um dos maiores intérpretes
do pensamento kardecista. Chamado de “O Guarda Noturno do Espiritismo”,
foi um dos grandes defensores do caráter cultural e filosófico
do Espiritismo, tendo travado memoráveis polêmicas com
detratores da Doutrina Espírita. Fundador da União Social
Espírita (atual USE), entusiasta da educação espírita,
Herculano escreveu mais de 80 obras sobre inúmeros temas. Foi
presidente do Sindicato Estadual dos Jornalistas de São Paulo.
2. Jornalista e escritora Dora Incontri autora de vários livros,
entre eles: Pestalozzi, Educação e Ética, Educação
na Nova Era e Estação Terra, além de livros de
poesias. Dora também ministra o curso de Pedagogia Espírita,
na Fees.
3. Allan Kardec era pseudônimo de Hippolyte Léon Denizard
Rivail (1804/1869) notabilizou-se como o codificador do espiritismo.
4. Paulo Reglus Neves Freire (1921/1997) - autor de muitas obras. Foi
reconhecido mundialmente pela sua práxis educativa através
de numerosas homenagens.
5. J. Heinrich Pestalozzi, Educador suíço. Grande inovador,
estabeleceu as bases da pedagogia moderna com seu sistema de ensino
prático e flexível.
6. Léon Denis (1846 – 1927) Um sucessor e propagador da
Doutrina codificada por Kardec.
7. Adenáuer Marcos Ferraz de Novaes - Filósofo (Universidade
Católica de Salvador) e Psicólogo (Universidade Federal
da Bahia) autor De vários livros.
8 . Cap. “O Espiritismo e o sentido da vida”.
Marcos Paterra,
radicado em João Pessoa, capital do Estado da Paraíba,
é psicopedagogo, palestrante e articulista espírita,
membro da AME/PB.
Fonte: http://www.oclarim.org/site/_pages/ler.php?idartigo=3701
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