Espiritualidade e Sociedade





Rubens Nunes Sobrinho

>      Entrevista com Rubens Nunes Sobrinho por Eliana Haddad: “A necessidade de pensar a vida”

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Rubens Nunes Sobrinho
>   Entrevista com Rubens Nunes Sobrinho por Eliana Haddad: “A necessidade de pensar a vida”

 

 

A jornalista Eliana Haddad, do Correio Fraterno, realizou interessante entrevista com o professor Rubens Nunes Sobrinho

Matéria publicada originalmente no jornal Correio Fraterno
Edição 459 setembro/outubro de 2014
http://www.correiofraterno.com.br/nossas-secoes/68-edicao-atual/1615-edicao-459


 

Rubens Nunes Sobrinho dedicou-se em seu doutoramento (UFMG) à questão da natureza da alma e da sua correlação com a cosmologia. No pós-doutorado (UCLA), em Los Angeles, debruçou-se acerca do psiquismo envolvido na 'ambição' por bens materiais e poder. Nesta entrevista ao Correio Fraterno ele analisa o aspecto filosófico do espiritismo e os atuais desafios das pesquisas sobre a espiritualidade e enaltece a necessidade de pensar a vida.


Durante o curso de graduação em Filosofia, pela Universidade Federal de Uberlândia, MG, Rubens Nunes Sobrinho desenvolveu uma pesquisa sobre a imortalidade e a transmigração da alma. A encenação simbólica das últimas palavras de Sócrates o comoveu de tal modo que o levou a não mais parar de refletir acerca delas

A encenação simbólica das últimas palavras de Sócrates o comoveu de tal modo que, segundo ele, não deixou mais de refletir acerca delas, o que o levou a desenvolver um projeto de mestrado (UFMG) sobre o tema da imortalidade da alma em Platão, com publicação pela Edufu com o título Platão e a imortalidade. Também em seu doutoramento (UFMG) dedicou-se à questão da natureza da alma e da sua correlação com a cosmologia.

Recentemente, Rubens desenvolveu pesquisa de pós-doutorado na Universidade da Califórnia (UCLA), em Los Angeles, acerca do psiquismo envolvido na ‘ambição’ por bens materiais e poder. No Encontro Nacional da Liga dos Pesquisadores do Espiritismo, realizado em São Paulo, em agosto, o pesquisador apresentou como tema a grande influência da filosofia de Platão em Léon Denis, analisando a obra O grande enigma.

O aspecto filosófico do espiritismo e os atuais desafios das pesquisas sobre a espiritualidade são temas desta entrevista.


Acompanhe.


O aspecto científico, do fenômeno, sempre chamou a atenção, atraindo muitos curiosos para o espiritismo. Chegou o momento da filosofia?

A história do espiritismo moderno emerge em sincronia com uma gama de revoluções científicas. Uma plêiade de cientistas notáveis passa a dedicar-se à pesquisa da fenomenologia espiritual com o rigor científico. Todavia, a pretensão de que o método científico, consagrado pela experimentação quantitativa, explique toda a natureza implica tentar explicar a totalidade do real através dos recortes e seleções reduzidas de certa classe de fenômenos, ou seja, em tentar explicar o todo pela parte. Como afirma Denis, “o momento das mesas girantes passou”. É chegado o momento de uma síntese entre filosofia e ciência para que as instruções que nos foram legadas na codificação sejam explicitadas, desdobradas e que delas sejam deduzidas todas as consequências que nortearão novos rumos para a humanidade.

Por que Léon Denis é um filósofo platônico?
Denis, assim como Platão, procura a compreensão e a fundamentação dos problemas morais e dos problemas do psiquismo a partir da conexão do destino, ou seja, das condições efetivas do viver, com a causalidade e as leis universais que regem o cosmo. A síntese entre questões ético-políticas, a psicologia da reencarnação e do espírito, a educação, a estética, a cosmologia e a justiça social constituem os mesmos fulcros, os mesmos princípios que inspiram os dois pensadores. A questão da síntese causal entre fenômenos naturais e o agir humano, entre causa e efeito, de um lado, e ação e consequência, de outro, são postulados fundamentais assumidos tanto por Platão, como por Denis.

Kardec e Denis seriam discípulos da mesma escola filosófica? Como teria sido a influência de Platão em suas ideias? Estudo ou inspiração?
Kardec foi um homem erudito de academia. Denis foi um estivador autodidata que arruinou sua visão de tanto estudar. Ambos leram Platão e ambos foram inspirados. Denis desenvolveu um tipo particular de intuição mediúnica. A reflexão acerca da teleologia, da psicologia, da arte, do belo, dos princípios transcendentes, da justiça social distributiva e a questão da deterioração dos valores e dos sistemas políticos materialistas indicam a amplitude do horizonte teórico. Em todas as obras escritas por Léon Denis, é possível estabelecer conexões com concepções fundamentais da filosofia. Kardec e Denis remontam às origens celtas e ambos participaram da reforma protestante. A história espiritual de ambos é ligada.

Você, como um dos grandes estudiosos de Platão, acredita que Léon Denis, retomando seus conceitos, possa ser reconhecido no meio acadêmico também como grande pensador?
Em minha opinião, Denis foi um dos pensadores que melhor entendeu Platão. Penso que o fato de ele não ser filósofo de profissão foi uma escolha missionária e constituiu uma oportunidade para que as gerações posteriores fossem coparticipantes de sua obra. Denis não precisava de reconhecimento. Imitou o Mestre e esvaziou-se em sua encarnação. Nós é que precisamos ser capazes de fazê-lo reconhecido. Este é o desafio para todo filósofo espírita: revelar Denis como grande pensador é um modo de compreendê-lo e uma oportunidade de evoluir seguindo os seus passos.

Como você analisa a obra de Kardec? O que ela trouxe de novo em termos de filosofia?
A sistematização e a originalidade de Kardec são incomensuráveis. Sua filosofia sintetiza a essência das mais elevadas conquistas da história das ideias, conciliando ética, ontologia, teoria do conhecimento, lógica argumentativa, antropologia, filosofia da religião, educação e ciência. Se Sócrates e Platão foram precursores do espiritismo, a sistematização promovida por Kardec não deixa de evocar Aristóteles.

Qual a autoridade do espiritismo como filosofia?
O espiritismo é denso de filosofia. As obras da codificação fazem referência a muitos filósofos e sua própria estrutura pode ser objeto de análise filosófica. A autoridade intrínseca deriva da elevação do conteúdo e da autoridade dos espíritos, posta à prova pela metodologia.

A autoridade acadêmica depende da investigação filosófica e das pesquisas futuras a serem desenvolvidas pelos pensadores espíritas. Por que muitos ainda torcem o nariz para a filosofia, achando-a tão complicada?
Basicamente porque a filosofia deixou de ser um gênero de vida virtuoso baseado em exercícios espirituais e no diálogo amistoso para se tornar uma instrução dogmática de princípios e sistemas de signos logicamente coerentes, mas incompreensíveis para profanos.

Qual o papel da filosofia na evolução do espírito?
Segundo Emmanuel, em O consolador, ciência e filosofia devem convergir como rios que deságuam no mesmo oceano da sabedoria. A filosofia é a suma evolutiva da experiência do espírito e essa ‘sedimentação’ cultural multimilenar deve ‘espiritualizar’ a ciência mediante a energia dos princípios.

No pensamento materialista de hoje o espiritismo é ainda mal compreendido na sua essência. Por quê?
A modernidade e a revolução industrial engendraram modalidades de organização social em que as condições materiais da existência e a gestão de recursos escassos passaram a ser determinações a priori, tanto no plano das relações pragmáticas, como no plano do pensamento. O materialismo constitui o eixo em torno do qual pivotam todos os sistemas e seus fundamentos não são somente teóricos, mas configuram uma arquitetura de dominação social. O espiritismo adota axiomas e métodos incompatíveis com essas bases.

Como levar a filosofia para as casas espíritas? Há espaço para essas reflexões?
Todo discurso deve ser modelado em função das possibilidades da audiência. É possível levar a filosofia para todo tipo de audiência, desde que a linguagem seja apropriada. A atitude de pensar a vida segundo os princípios fundamentais da lei de evolução, de amor e de causa e efeito já é fazer boa filosofia.

Qual a aplicação da filosofia na atualidade?
Sartre, um filósofo contemporâneo, disse que não existe ‘a filosofia’. Existem muitas filosofias que gravitam em torno de grandes filósofos. Essa concepção é significativa porque o papel da filosofia acabou relegado à crítica histórico-social, aos instrumentos lógicos da análise e da linguagem e à reflexão secundária acerca dos princípios adotados pelas ciências particulares. Todavia, nem sempre foi assim. A filosofia, em sua gênese, é um amor. Trata-se de um gênero de amor modelado a partir de uma realidade intrinsecamente humana: a carência e a aspiração pela perfectibilidade. Para os antigos, em vez de se constituir através da exposição dogmática de uma doutrina, a filosofia leva a uma gradual mudança de atitude frente à vida: trata-se de um exercício espiritual que tem como alvo a mudança de si mesmo.

Você acredita que esteja havendo uma busca pela filosofia, depois que ela voltou à grade curricular do ensino médio?
No contexto da educação brasileira, a Universidade é a principal instância de produção de saberes. A filosofia no ensino médio trouxe uma demanda crescente pelo ofício do filósofo, mas teve de se enquadrar dentro dos pressupostos anacrônicos que privilegiam o adestramento técnico em detrimento da formação humana. A filosofia é exposta como um acervo histórico de doutrinas cuja única exigência é a memorização descontextualizada da vida efetiva. A filosofia, diferentemente dos fármacos alopáticos, só pode ser formadora e fecunda na especificidade única de cada aluno diante do desafio de pensar a vida.

Como você analisa as angústias da Humanidade hoje?
Em primeiro lugar, vale lembrar com Denis que os conhecimentos e as representações da verdade de um tempo específico refletem o desenvolvimento geral das consciências desse tempo. O próprio conceito de ‘angústia’ designa um complexo de representações do espírito. Expressa a radicalidade da liberdade de que dispõe o espírito diante da exigência incontornável de determinar sua própria natureza. Léon Denis diagnosticou as angústias contemporâneas de modo quase profético na sua obra. Diferentemente do niilismo de valores anunciado por Nietzsche, ou da luta de classes revolucionária propugnada pelo marxismo, a maior angústia contemporânea viria a ser a falta de sentido, de finalidade e, notadamente, os sinais do egoísmo que já se prenunciava no horizonte negro do totalitarismo.

Como a moral do Cristo está inserida na história da filosofia?
A moral do Cristo é indissociável da história da filosofia ocidental. Mesmo os filósofos mais anticristãos necessariamente usam o Cristo como referencial absoluto para erigir seus sistemas de pensamento. Como disse Carl Jung, mesmo para aqueles que o negam, Cristo é o ‘centro’ necessário. Ele é a pérola preciosa, o tesouro oculto no campo, o grão de mostarda que se faz árvore frondosa. Por mais que a presunção orgulhosa ou a revolta sofisticada das filosofias o reneguem, é impossível não referir-se a Cristo. Se Ele não habita em alguns sistemas, inexoravelmente habita no cerne de cada um de nós.

Como conciliar as bem-aventuranças com o mundo do jeitinho, do consumo, da superficialidade?
As bem-aventuranças configuram a moralidade mais sublime de toda a experiência humana. As camadas múltiplas de significação desta filosofia divina são inesgotáveis. O frenesi pela saciedade consumista representa aquilo que Platão qualifica como o ‘mal primordial’, que consiste em tomar a minúscula realidade presente, que vai do nascimento até a morte, como se fosse a única e a verdadeira realidade. Isso significa que a falta de consciência da perspectiva evolutiva da reencarnação condiciona todas as ‘vantagens’ ilusórias. A moralidade sublime das bem-aventuranças é incompreensível sem o axioma da reencarnação evolutiva. Para que elas sejam gradativamente incorporadas ao agir humano, é preciso que o mal primordial mencionado por Platão seja afastado. Quantos séculos serão ainda necessários para que a reencarnação se torne um princípio universalmente aceito?

 

 

 

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Fonte:
http://www.noticiasespiritas.com.br/2014/NOVEMBRO/13-11-2014.htm

 



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