Uma encarnação é mais um
período para o espírito viver novas experiências.
Durante sua curta ocorrência, atualizam-se relações,
aprimoram-se habilidades e novos conhecimentos são adquiridos.
Ódios são aplacados, amigos se revêem e amores
são alimentados. Por mais que se queira pensar que se trata
de uma repetição, é, em realidade, uma nova vivência,
no tempo e no espaço.
O retorno a um novo corpo é sempre algo de
inusitado, bom e útil ao espírito. Seu aproveitamento
pode ser melhor, na medida em que o espírito se apercebe da
linha mestra que conduz sua vida, a qual ele e Deus tecem concomitantemente.
Tal linha mestra pode ser chamada de mito pessoal. É o roteiro
de um filme que contém aquilo que decorre do livre arbítrio,
do planejamento reencarnatório e das tendências supra-arquetípicas
coletivas. São aspectos da vida e da individualidade que, quando
percebidos, permitem maior capacidade de modificação
do destino e de assimilação do aprendizado ao espírito.
Identifico dez aspectos a serem percebidos para a consciência
do mito pessoal: anseios ocultos, buscas arquetípicas, polarizações
típicas, repetições de experiências, eventos
em sincronicidade, eventos mediúnicos, sinais/símbolos
da vida, direção da energia psíquica, sonhos
e complexos.
Anseios ocultos são as fantasias e desejos
recônditos que influenciam deterministicamente a vida, direcionando-a
para um fim. Geralmente surgem entre a puberdade e a adolescência
como ideais de transformação pessoal e coletiva. São
propostas internas de adquirir poder suficiente para a realização
de ideais imaginários externos e, às vezes, utópicos.
Tais propostas acompanham o querer e o desejo do indivíduo
por toda a encarnação, sem que ele necessariamente se
dê conta. Descobrir os anseios ocultos e deles se conscientizar,
rememorar idéias, adquirir o hábito de auto-análise
e enxergar os próprios desejos é um importante passo
para a transformação pretendida.
Buscas arquetípicas se constituem na realização
de tendências básicas do ser humano. A palavra arquetípica
deriva de arquétipo, que quer dizer tendência coletiva
a agir de determinada forma padronizada. Algumas dessas tendências
são muito conhecidas e básicas, tais como: abrigar-se
sob a proteção do amor materno, relacionar-se afetivamente
com alguém, apresentar aos outros uma imagem idealizada de
si mesmo, evitar enxergar o lado negado ou oculto da própria
personalidade, perceber os conselhos de uma voz interior sábia,
reconhecer e adotar uma certa ordem na vida, não assumir uma
postura de inocência e de ingenuidade diante de problemas, dentre
outras. Tais tendências devem e precisam ser atualizadas nas
várias fases da vida. Não se deve submeter-se a elas
ou fugir das experiências que as constituem. Aperceber-se das
que não foram vividas e daquelas que foram repetidamente e
intensamente atualizadas contribui para a análise do mito pessoal.
Polarizações típicas são
tendências superlativas nos comportamentos adotados na vida.
São preferências individuais nas várias atividades
que acabam por enviesar a vida da pessoa. Elas podem ser notadas no
lazer, nos hobbys, nos hábitos tradicionais de muitos anos,
nas atividades costumeiramente realizadas nos finais de semana, nas
tradições familiares escolhidas, bem como nas obstinações
desenvolvidas ao longo da vida. Tais polarizações acabam
por conduzir a vida da pessoa para finalidades específicas
e perceptíveis após alguns anos. Muitas vezes, pelo
envolvimento intenso numa atividade profissional, aliado à
constante permanência num mesmo meio profissional, inclusive
na participação de lazer típico do grupo social
correspondente, consolida-se uma polarização na vida,
limitando-a. A busca por atividades múltiplas, bem como o envolvimento
em atividades sociais ligadas ao seu meio residencial tornarão
menos restrita a vida do indivíduo.
Repetição de experiências é
um aspecto que pode ser percebido quando uma pessoa enfrenta, repetidamente,
situações de difícil solução. A
reincidência das experiências em determinadas épocas
da vida, leva a pessoa a se questionar sobre o porquê de estar
vivendo aquilo de novo, como se não o merecesse. Geralmente
são experiências difíceis e dolorosas, que requerem
intenso envolvimento emocional, e que se repetem, geralmente porque
o indivíduo não extraiu da primeira vez o suficiente
aprendizado que dela se esperava. Dentre elas podemos encontrar: repetidas
demissões em vários empregos, nova separação
conjugal, outra traição amorosa, distanciamentos de
amigos, constantes desilusões amorosas, perdas financeiras
cíclicas, mudanças de endereço obrigatórias,
relacionamentos com pessoas complicadas, recidivas de doenças,
ou outras ocorrências para as quais a pessoa não concorreu
voluntariamente.
Eventos em sincronicidade são aqueles que ocorrem,
simultaneamente ou não, sem um nexo causal entre eles, sendo
um interno e outro externo ao indivíduo que os percebe. Quando
a pessoa percebe que algo em que tinha pensado ou percebido em si
mesmo, sendo de sua exclusiva e íntima consciência, assemelha-se
a um acontecimento externo ou com ele encontre uma correlação,
sem que tenha havido para esta sua participação, estará
diante de dois eventos em sincronicidade. A sincronicidade não
é uma explicação, mas uma palavra utilizada para
identificar um fenômeno sem explicação plausível
ou que obedeça a uma causalidade conhecida. Um exemplo pode
ilustrar melhor: alguém está assistindo a um filme qualquer
num cinema e lembra-se de um episódio de sua infância,
ocorrido há muitos anos, no qual brincava com um amiguinho,
que não vê desde aquela época, e, ao sair do cinema
encontra esse amigo. Ocorrências como essa podem trazer pistas
sobre o significado da vida e servir de orientação para
conduzi-la adequadamente.
Eventos mediúnicos são experiências
numinosas na vida de uma pessoa que a remetem ao sagrado, ao sobrenatural
e ou ao espiritual. São experiências que evocam pensamentos,
idéias, emoções e imagens relacionadas ao misterioso
e oculto no ser humano. Ao vivenciá-las a pessoa é tomada
por emoções controvertidas e, por vezes, assustadoras.
Tais experiências parecerão sem objetivos ou casuais,
porém trazem em si propósitos de iniciação
e transcendência que não devem ser desprezados. A percepção
de vultos que furtivamente passam por nós, vozes interiores
que nos avisam de algum perigo, sonhos de encontros com pessoas já
falecidas, emoções vividas durantes rituais religiosos,
bem como uma gama imensa de fenômenos inexplicáveis,
mas interiormente vividos, compõem o mosaico dos eventos mediúnicos.
Eles fazem parte do que a vida propõe ao indivíduo para
que ele a entenda adequadamente e seja feliz.
Sinais e símbolos da vida podem ser vistos
nas diversas fases da existência terrena do indivíduo:
na infância, na puberdade, na adolescência, na iniciação
sexual, na vida profissional, na relação com dinheiro,
nas doenças vividas, nas companhias que atrai, nas atividades
de lazer preferidas. As fortes e específicas experiências
em cada uma dessas fases e momentos da vida e os eventos que as marcaram,
mereceram adequada e compreensiva leitura. Durante e principalmente
após essas fases, podem ser observados caminhos ou percursos
que denunciam uma certa ordem implícita ou supra-humana, propondo
algo além do que a consciência deseja e percebe. Saber
decodificar os sinais e símbolos da vida pode se tornar importante
recurso para o encontro consigo mesmo e com o sentido desta existência.
Direção da energia psíquica é
o movimento característico da vida da pessoa, quanto a sua
utilização, no que diz respeito à introversão
e à extroversão. A vida impõe mais extroversão
da energia de viver do que introversão. Extroversão
é movimento para fora, é disposição para
se lançar ao mundo aceitando se influenciar pelos objetos externos.
Introversão é alquimia interna, na qual pensamentos
e emoções se misturam internamente mobilizando a atuação
do indivíduo no mundo, com primazia em relação
aos objetos externos. Introversão e extroversão são
movimentos da energia psíquica a favor do indivíduo
para seu encontro consigo mesmo. A supremacia de um desses movimentos
sobre o outro em diferentes fases da vida dará também
pistas sobre o mito pessoal.
Sonhos são mensagens que vêm do inconsciente
a serviço da realização do indivíduo de
forma consciente. Os sonhos trazem imagens representativas, como símbolos
que apontam para algo aparentemente indecifrável. Carecem de
compreensão adequada para uma melhor percepção
do indivíduo a respeito de sua vida inconsciente. Eles apresentam
uma outra face da personalidade do sonhador que necessita ser integrada
à consciência. Sua compreensão permite uma visibilidade
maior ao estado psíquico do sonhador para sua individuação.
Quando se toma uma série de sonhos para análise, pode
se perceber um certo direcionamento, como se eles apontassem para
uma direção só perceptível após
a vida ter acontecido.
Complexos é o conjunto de experiências
nucleadas no inconsciente, sustentadas por uma emoção
comum. São motivadores da consciência, que contaminam
atitudes e idéias, muitas vezes sem a percepção
da pessoa. Sua influência no senso íntimo provoca mal
estar e a impressão de ter sido tomado por algo estranho a
si mesmo. Os complexos conseguem alterar a disposição
do ego, levando-o a atitudes nem sempre conscientes que dirigem a
ação para uma finalidade relacionada à sombra
do indivíduo.
Reunir as experiências relacionadas à
totalidade dos aspectos, conectando-as a si mesmo, como se fossem
contas de um mesmo colar, extraindo do conjunto um sentido único,
é encontrar o mito pessoal. Sua percepção facilita
a condução da vida, bem como a correção
do direcionamento que ela tem tomado. A consciência do mito
pessoal, após a reunião das emoções e
reflexões geradas nas experiências da vida, requer a
firme decisão de se conectar ao que há de mais profundo
em si mesmo, bem como se colocar como autor do próprio destino.