Atuo
como psicóloga exclusivamente na clínica, e especialmente
no enfoque sistêmico, nas perdas e no luto e em experiências
traumáticas. Entretanto, independente da abordagem, o meu maior
propósito quando recebo uma pessoa no consultório, é
construir um vínculo afetivo e de escuta respeitosa com o paciente.
Trabalhando com famílias, pessoas
enlutadas ou traumatizadas, acabamos por nos aproximar de situações
relacionadas ao suicídio. São pessoas que vem por indicação
do psiquiatra ou trazido por algum familiar. Outra situação
que também me acontece muito é o atendimento de uma pessoa
que me traz queixas diversas, porém, com risco velado para o
suicídio. O estudo e trabalho sobre os processos do enlutamento
me treinou a uma escuta atenta a essa questão do suicídio;
uma escuta que me possibilitou captar essa possibilidade e abrir porta
para que a pessoa fale sobre isso. Assim, nos conduzimos ao primordial
sobre a atenção aos aspectos do suicídio: a importância
de poder falar sobre os pensamentos suicidas como prevenção.
É difícil explicar por que algumas pessoas
escolhem o suicídio, enquanto outras, em situação
similar ou pior, não o fazem. Se conseguirmos olhar para ato
suicida como algo mais complexo do que imaginamos, poderemos compreender
e ajudar melhor a quem está precisando dessa atenção.
Acreditamos que a nossa principal tarefa como profissionais, e principalmente,
como pessoas que temos interesse pela vida das outras pessoas, é
fazer a prevenção e posvenção ao suicídio.
A Prevenção
se faz por meio da escuta ativa, da capacidade de se colocar no lugar
do outro e de adentrar no mundo dele. E, para tal, não basta
ser bom de coração, precisamos conhecer alguns aspectos
que estão implicados na complexidade do comportamento suicida.
Entre esses aspectos, temos os lutos não elaborados ou mal resolvidos;
a precariedade afetiva nas relações familiares; o acúmulo
de experiências de fracasso; um histórico de transtornos
psíquicos; e, o mais agravante, a depressão, muitas vezes,
não tratada por não ser admitida ou compreendida pela
própria família.
Portanto, a Prevenção
se refere ao que podemos fazer para evitar o suicídio. Enquanto,
a Posvenção é um conjunto de intervenções
para evitar que uma nova tentativa de suicídio aconteça.
Na Posvenção criamos estratégias de cuidados com
o enlutado ou sobrevivente por suicídio, a fim de evitar o luto
complicado e a repetição do ato.
As pesquisas e a nossa
prática clínica apontam que a maioria dos que cometeram
suicídio, de alguma maneira, se comunicou com familiares, médicos
ou amigos, antes de atentar contra a própria vida. Também,
sabemos que existem casos de pessoas, especialmente, as crianças,
os adolescentes e os idosos, que agiram com impulsividade, imaturidade
ou esconderam suas intenções, e privaram-se de qualquer
ajuda, de tratamento e prevenção. De qualquer forma, sabemos
que o suicídio ainda é um tema tabu na nossa sociedade,
devido à nossa dificuldade em acolher a dor expressada ou manifestada.
Geralmente, sentimos impotentes e impactados, até por conta dos
nossos preconceitos. E como um familiar, a situação ainda
é pior, devido aos sentimentos de culpa e medo que nos paralisam.
O suicídio ou
a sua tentativa, exerce na família um impacto que se manifesta
de diferentes formas, a depender da maneira como a família irá
enfrentar essa situação. Por exemplo, a forma como a família
lida com situações traumáticas, vai determinar
o processo de luto ou a sua reorganização em caso de tentativa
frustrada do suicídio.
Por falta de conhecimento,
podemos observar que há muito preconceito na sociedade sobre
o que é o suicídio e, também, vemos isso acontecendo
na família, impedindo uma comunicação aberta entre
os membros da família sobre o que se passa com eles. Sempre que
se fala em suicídio ou em tentativa de suicídio, a tendência
é ignorar ou reprimir, ao mesmo tempo em que se quer ajudar e
acolher. Por isso, o contato fica mais difícil e, muitas vezes,
não acontece.
A pessoa que tenta
o suicídio precisa de alguém para confiar, e o resgate
ou a criação do vínculo é de extrema importância
na família, podendo o aprendizado começar por meio da
terapia com o vínculo terapêutico ou com o auxílio
do terapeuta no sistema familiar. As famílias devem ser incluídas
no tratamento de pessoas com ideação e principalmente
com tentativa de suicídio. Às vezes, a família
se sente muito culpada ou pode pensar que, se for atendida, roubará
tempo do atendimento àquele que, na sua concepção,
mais necessita.
Entretanto, com a participação
da família no processo psicoterapêutico da pessoa com tentativa
de suicídio, percebo, em alguns casos, a preocupação
ou medo dos pais ou cuidadores em se “descobrirem” responsáveis
por aquele comportamento do filho e não conseguirem carregar
esse fardo. Porém, a ideia é poder trabalhar a coparticipação,
assim como, a corresponsabilidade pela dinâmica relacional daquele
sistema familiar, ajudando-os a encontrar uma nova forma de lidarem
com as situações difíceis, juntos.
A pessoa quando chega
ao ponto de atentar contra a própria vida, pode estar convivendo
há bastante tempo com o sofrimento. É comum que o processo
de comunicação entre os membros da família, principalmente
com alguém que tentou o suicídio, fique frágil
e truncado, não permitindo um bom acolhimento da pessoa, dificultando
um trabalho preventivo. A prevenção nesses casos é
muito necessária para que não haja uma nova tentativa.
Cabe lembrarmos que é na crise que se ressignificam os papéis
e se torna uma possibilidade de desenvolver a resiliência permitindo
à família superar a desestruturação e se
reorganizar a partir dela.
Quando alguém
na família tenta suicídio ou quando morre por suicídio
e isso não é conversado, criando um segredo, criam-se
buracos dentro do sistema e acabam sendo preenchidos com inadequações,
além de que vai sendo repassado de geração a geração,
criando repetições de padrões anteriores. É
desejável que o diálogo seja uma constante no sistema
familiar, onde todos se sintam pertencentes e acolhidos em suas diferenças.
Essa característica familiar será importante para que
cada um na família se sinta respeitado na sua forma de expressar
o seu sofrimento do luto.
O alerta sobre os cuidados
com as pessoas que sofrem não deve se restringir apenas no mês
de setembro, mas sim, durante o ano todo. Vamos cuidar da nossa família
– fazendo o nosso melhor, ofertando atenção, carinho
e respeito – e da nossa espiritualidade, nos conectando com a
força maior que vem de Deus. É disso que todos nós
precisamos.
Por Cristiane de Carvalho Neves
Psicóloga Clín. Esp. em Atend. Sistêmico
Familiar e Luto
Fonte: http://medicinaespiritual.blogspot.com/2020/09/o-impacto-do-suicidio-na-familia.html