Walter Nascimento Neto
> Minha Casa, Sua Casa, Nossa Casa
Quase um século após a publicação
de O Livro dos Espíritos, por Allan Kardec,
a Humanidade começou a ouvir, e a incluir no rol dos assuntos
em voga no dia-a-dia, uma nova definição do papel do
homem no concerto das coisas, especialmente da Natureza e dos recursos
naturais.
Até os últimos anos do século XIX o homem se
havia acostumado a ver na Natureza uma fonte de recursos inesgotáveis
e eternamente disponíveis ao progresso, independentemente da
maneira como era usada. A visão antropocêntrica do Universo,
a interpretação do homem como criatura privilegiada
na Natureza, literalmente feito à imagem e semelhança
de Deus, e a crença científica no homem como etapa final
da Criação, fruto dos trabalhos de Jean-Baptist Lamarck,
colaboraram de forma decisiva para que o ser humano deixasse a cargo
das potências ocultas, responsáveis pelos "milagres!",
a preocupação com a manutenção das fontes
naturais do progresso material humano. Num paradoxo típico
do homem, o ser racional não racionaliza o uso que fazia da
Natureza, crendo-a infinita.
Fruto destas condições histórico-sociais, o ser
humano investiu toda a sua energia na dominação irracional
na Natureza. Ainda sob a influência da Revolução
Industrial do século XVIII, o século XIX e grande parte
do século XX assistiram à destruição de
florestas para a construção de cidades e para a obtenção
de matéria-prima(carvão mineral) com o fim de fornecer
energia para o funcionamento de gigantescas fábricas em todo
o mundo, especialmente na Europa e posteriormente na América
do Norte. Fazem parte destas realizações o aparecimento
da maravilha do plástico, da borracha industrializada, do vinil,
do aerosol, da disseminação dos aparelhos elétricos,
especialmente na forma de eletrodomésticos, e de ambientalizadores
artificiais como o ar-condicionado. Tudo isso foi progresso, mas de
que tipo e a que preço?
Há bem pouco mais de algumas décadas o homem começa
a dar-se conta desse preço. A mudança de visão
de mundo começa já no século XIX com o questionamento
filosófico e científico sistemático do conteúdo
religioso. A apresentação da primeira versão
do moderno evolucionismo, por Charles Darwin, desloca o homem da condição
de espécie privilegiada para a de apenas mais uma espécie
dentre tantas outras. Tendo, a grosso modo, o mesmo significado natural
que qualquer outro organismo vivo, diferindo apenas quanto à
sua capacidade de adaptação, dada pelo uso do raciocínio
de forma única no mundo natural.
Neste mesmo contexto surge, na "França das Luzes"
desse mesmo século XIX, a primeira obra de um movimento novo
de renovação moral da Humanidade. Possuindo um caráter
de filosofia, de ciência experimental e de religião,
o Espiritismo se coloca como doutrina eminentemente racional e estende
mãos a esses movimentos de reorganização das
bases do pensamento ocidental. Neste sentido, o Espiritismo se opõe
à crença da isenção de responsabilidades
das atitudes humanas, esclarecendo a questão do livre-arbítrio
e afirmando que, se ao homem é dado o direito de escolher,
é-lhe cobrado, por decorrência da premissa de um Deus
justo que a tudo provê com sabedoria e bondade, o dever de se
responsabilizar por seus atos no bem ou no mal, eliminando assim o
equívoco de que a conseqüência do abuso dos recursos
naturais poderia não afetar o próprio homem.
Partindo da compreensão de Deus como inteligência suprema,
causa primária de todas as coisas, e tendo o atributo de imutabilidade
e unicidade o Espiritismo esclarece que a justiça Divina está
baseada em Leis Naturais imutáveis escritas na consciência,
e que entre essas Leis existe uma Lei de Conservação
e uma Lei de Destruição.
A respeito da Lei de Conservação os Espíritos
que responderam a Kardec em O Livro dos Espíritos
afirmam que o instinto de conservação, presente em todos
os seres vivos, existe com o fim providencial de fazê-los permanecer
em aperfeiçoamento constante, que a Terra sempre produzirá
para o homem o necessário e que, se isso não acontece,
é por imprevidência ou por abuso do próprio homem;
que o uso dos bens da Terra é um direito de todos os homens,
que decorre da necessidade de se ter meio para viver; que a Natureza
tem limites, e que o homem é a causa de sua própria
dor quando avança ou excede esses limites.
Quanto à Lei de Destruição, os Espíritos
esclarecem que a destruição antes do tempo necessário
entrava o desenvolvimento do princípio inteligente; que a destruição
é o contrapeso da conservação com fim de manter
a harmonia na Natureza. Além disso, esclarecem que ao homem
só é dado o direito de destruir os outros seres vivos
(nesta questão eles se referem apenas aos animais) com o fim
de prover à sua alimentação e segurança.
Finalmente, quanto ao progresso, os Espíritos da Condificação
referendam o seu caráter de Lei Natural e o dividem em progresso
intelectual e progresso moral, acrescentando que o primeiro pode sofrer
o obstáculo do orgulho e do egoísmo, enquanto o segundo
parece avançar sempre.
Filho do progresso intelectual, o progresso material é fruto
do uso pelo homem de suas capacidades intelectuais para adquirir maior
conforto, rapidez e segurança e, como o progresso intelectual
de onde se origina, parece avançar sempre.
A percepção das Leis Naturais acima expostas, ou seja,
de que o direito do homem sobre as demais formas de vida da terra
se estende apenas até o limite do necessário, e de que
ultrapassando este limite ele está plantando sementes de dores
futuras, juntamente com uma tomada de decisão sincera no sentido
de evitar estas dores, são sinais de progresso moral, geralmente
advindo de um progresso intelectual anterior.
Se recordarmos que o Espiritismo deve contribuir para o progresso
moral da Humanidade destruindo o materialismo, conclui-se, seguramente,
que ele deve ter grande influência também na realização
desse progresso moral. Não só no que se relacione com
os movimentos de valorização e conservação
dos recursos naturais mas também na própria reformulação
dos objetivos do homem, tendo em vista o seu progresso espiritual.
Assim aos espíritas, que devem ser os móveis de propagação
desse ideal de progresso, não pela força ou pela atitude
verborrágica, mas pelo exemplo vivo, cabe uma reflexão
quanto ao seu papel na racionalização do uso dos recursos
naturais, visando a garantir a sua própria existência
material numa reencarnação posterior e, principalmente,
de realizar progresso moral efetivo.
Em tempos de crise energética, cujas causas estão estreitamente
ligadas a muito do que está acima exposto, parece caber aos
espíritas contribuírem de bom grado para a racionalização,
e, especialmente, as mudanças dos hábitos antigos, e
muitas vezes arraigados, como o de gastar sem se preocupar com a reposição
ou reciclagem. Mais importante ainda é a conscientização
dos Espíritos, que há de levar a bandeira da causa espírita
mais à frente no plano material da existência. Refiro-me
aos jovens espíritas.
É fundamental que o Centro Espírita, principalmente
junto aos setores de evangelização de crianças
e jovens, não deixe de tocar nestes assuntos em seus planejamentos
pedagógicos semestrais ou anuais (o Currículo para Escolas
de Evangelização Espírita Infanto-juvenil editado
pela FEB já incluiu estes temas). As crianças e os jovens
são, comprovada e especialmente, susceptíveis a este
tipo de educação. Portanto, pode-se aproveitar as circunstâncias
da idade a fim de edificar novos comportamentos para o futuro, e garantir
parte da realização da tarefa de cuidar dos bens da
Terra. Apenas parte, porque é preciso lembrar sempre da importância
de ensinar o que já aprendemos a fazer e exemplificar. A outra
parte desta realização pertence também aos que
se dedicam à tarefa de ensinar.
Quase um século e meio após a publicação
de O Livro dos Espíritos é recomendável
formar um novo contexto do papel do Espírito imortal na conservação
do palco atual do seu próprio progresso (o planeta Terra).
Essa formação passa, primeiramente, pela vontade de
modificar comportamentos arraigados e, depois, pela educação
que, segundo Allan Kardec "(...) se bem entendida, é a
chave do progresso moral".
Fonte: O Reformador - julho de 2002
- http://bvespirita.com/Revista%20Reformador%20-%202002%20-%20Julho%20(Federa%C3%A7%C3%A3o%20Esp%C3%ADrita%20Brasileira).pdf
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