Se o Ministério
da Educação estivesse submetido às mesmas regras
de mercado que uma empresa, já teria falido há décadas.
Fundado em 1930 e com o orçamento de vários bilhões
de reais para 2008, o MEC conseguiu a façanha de produzir um
dos piores sistemas educacionais do mundo. Nas avaliações
internacionais, o Brasil sempre está entre os últimos
lugares, mesmo quando os exames são realizados em alunos de escolas
privadas, em tese, os melhores. E as tão badaladas universidades
públicas? Em recente ranking mundial, nenhuma delas ficou entre
as cem melhores.
Esses dados não são novidade. Pelo
contrário, a opinião pública já está
exausta de vê-los repetidos todos os anos. A novidade é
a revolta de um casal contra esse estado de coisas. Eis, em síntese,
sua história:
“Um casal de Timóteo (216 km de
Belo Horizonte) luta na Justiça pelo direito de ensinar seus
filhos em casa. Adeptos do ‘homeschooling’
(ensino domiciliar), movimento que reúne 1 milhão de
adeptos só nos EUA, eles tiraram os filhos da escola há
dois anos, o que é proibido pela legislação brasileira.
Eles atribuem a decisão à má qualidade do ensino
do país.”
Esse movimento (traduzido como “estudo
em casa”) existe há décadas em diversos
países, como Estados Unidos, França, Reino Unido, Irlanda
e Austrália. Não é apenas o baixo nível
educacional que motiva os pais a educarem seus filhos em casa, mas também
razões de ordem religiosa – ambiente degradado das escolas
para desenvolver o caráter, e oposição aos valores
ensinados nas escolas – e, também, questões práticas,
como dificuldades de deslocamento e falta de vagas em boas escolas.
É preciso ressaltar que a escola não é
apenas um lugar em que se repassam informações, mas também
onde são transmitidos todos os tipos de valores. Recente pesquisa
indicou que a imensa maioria dos professores, de escolas públicas
e privadas, considera como principal missão da escola a veiculação
de ideologias (no jargão politicamente correto, “formar
cidadãos”) e não de informações. Esse
conjunto de valores é, na maioria das vezes, bem diverso daqueles
professados pelos pais.
Mais ainda: extensas pesquisas têm demonstrado
que, na formação do caráter individual, os companheiros
de infância são influências muito mais poderosas
que os pais . Nas escolas, os pais têm pouco ou nenhum controle
sobre essas interações, que podem ser bastante desastrosas
e traumáticas, como no caso do bullying , prática
corriqueira entre os alunos.
Neste ponto, faz-se necessário responder o argumento utilizado
de forma reiterada contra o homeschooling: essa forma de educar provoca
o isolamento social, com sérios prejuízos psicológicos.
Na verdade, há vasto material demonstrando exatamente o contrário:
os educadores norte-americanos Raymond e Dorothy Moore unificaram os
dados de mais de 8 mil pesquisas a respeito do assunto e chegaram a
conclusões estarrecedoras. Eles apresentaram evidências
de que a educação formal antes da faixa dos 8 aos 12 anos
não somente é desnecessária, mas também
traz prejuízos psicológicos, como maior probabilidade
de delinqüência juvenil. De modo consistente, nos exames,
os educados em casa tiveram quocientes de inteligência superior
que aqueles educados na escola .
No Brasil, a questão, aparentemente, está
fechada no campo jurídico. Em primeiro lugar, a Constituição
de 1988, dispõe que:
“Art. 208. O dever do Estado com a educação
será efetivado mediante a garantia de:
I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, assegurada,
inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não
tiveram acesso na idade própria;
(...)
§ 3º - Compete ao Poder Público
recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada
e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência
à escola.”
Em seguida, o Estatuto da Criança e do
Adolescente (Lei 8.069/90), determina que:
“Art. 55. Os pais ou responsável têm
a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na
rede regular de ensino”.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação
(Lei 9.394/96) reitera a obrigação estabelecida no ECA:
“Art. 6º É dever dos pais ou responsáveis
efetuar a matrícula dos menores, a partir do sete anos de idade,
no ensino fundamental”.
Finalmente, o Código Penal assevera que o comportamento
divergente será considerado crime de abandono intelectual:
“Art. 246. Deixar, sem justa causa, de prover
a instrução primária de filho em idade escolar.
Pena – Detenção de 15 (quinze)
dias a 01 mês, ou multa”.
O Superior Tribunal de Justiça
tem julgado no sentido da impossibilidade, no Brasil, do ensino em casa:
“ENSINO EM CASA. FILHOS.
Trata-se de MS contra ato do Ministro da Educação,
que homologou parecer do Conselho Nacional de Educação,
denegatório da pretensão dos pais de ensinarem a seus
filhos as matérias do currículo de ensino fundamental
na própria residência familiar. Além de, também,
negar o pedido de afastá-los da obrigatoriedade de freqüência
regular à escola, pois compareceriam apenas à aplicação
de provas. A família buscou o reconhecimento estatal para essa
modalidade de ensino reconhecida em outros países. Prosseguindo
o julgamento, a Seção, por maioria, denegou a segurança
ao argumento de que a educação dos filhos em casa pelos
pais é um método alternativo que não encontra
amparo na lei ex vi os dispositivos constitucionais (arts. 205, 208,
§ 2º, da CF/1988) e legais (Lei n. 10.287/2001 – Lei
de Diretrizes e Bases da Educação – art. 5º,
§ 1º, III; art. 24, I, II e art. 129), a demonstrar que
a educação é dever do Estado e, como considerou
o Min. Humberto Gomes de Barros, é, também, formação
da cidadania pela convivência com outras crianças, tanto
que o zelo pela freqüência escolar é um dos encargos
do poder público. MS 7.407-DF, Rel. Min. Peçanha Martins,
julgado em 24/4/2002.”
Pois bem. No caso citado inicialmente, os pais são
processados, civil e criminalmente, e podem perder a guarda dos
filhos.
Pergunta-se: eles cometeram atos ilícitos, devendo
ser punidos com e perda da guarda (ou até do poder familiar)
e com detenção? A meu ver, a resposta deve ser negativa,
como será demonstrado a seguir.
Em primeiro lugar, a constitucionalidade ou não
de qualquer ato deve ser mensurada levando-se em conta o conjunto da
Constituição e não um artigo isolado. Esse é
o princípio da unidade da Constituição, segundo
o qual “as normas constitucionais devem ser vistas não
como normas isoladas, mas como preceitos integrados num sistema unitário
de regras e princípios, que é instituído na e para
a própria Constituição”. Intimamente ligado
a ele, está o princípio da concordância prática
ou da harmonização, que “consiste, essencialmente,
numa recomendação para que o aplicador das normas constitucionais,
em se deparando com situações de concorrência entre
bens constitucionalmente protegidos, adote a solução que
otimize a realização de todos eles, mas ao mesmo tempo
não acarrete a negação de nenhum”.
Assim, o art. 208, I e § 3°, da Constituição
deve ser interpretado em conjunto com outros artigos para que seja encontrada
a solução hermenêutica mais adequada. Ora, o art.
5° protege a liberdade de expressão em diversos incisos (IV
a IX), posto que “é um dos mais relevantes e preciosos
direitos fundamentais, correspondendo a uma das mais antigas reivindicações
dos homens de todos os tempos”.
O inciso VIII determina que “ninguém será
privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção
filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se
de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir
prestação alternativa, fixada em lei”. A falta de
previsão legal da prestação alternativa não
inviabiliza o exercício do direito, pois todas as normas que
prevêem direitos individuais têm aplicabilidade imediata.
Basta a utilização do superprincípio da proporcionalidade.
O citado inciso refere-se a uma das maiores proteções
do indivíduo contra os excessos da democracia (do poder da maioria)
em sua vida. Na lição de Gilmar Mendes e outros:
“A objeção de consciência
consiste, portanto, na recusa em realizar um comportamento prescrito,
por força de convicções seriamente arraigadas
no indivíduo, de tal sorte que, se o indivíduo atendesse
ao comando normativo, sofreria grave tormento moral. (...) A objeção
de consciência admitida pelo Estado traduz forma máxima
de respeito à intimidade e à consciência do indivíduo.
O Estado abre mão do princípio de que a maioria democrática
impõe as normas a todos, em troca de não sacrificar
a integridade íntima do indivíduo”.
A objeção de consciência aplica-se
perfeitamente ao caso do homeschooling. Os pais que aplicam essa forma
de educar aos filhos discordam, de forma radical, do sistema educacional
imposto no País. E, se há bons motivos para que isso ocorra
em países desenvolvidos, mais ainda pode se dizer no Brasil,
cujas crônicas deficiências educacionais são mais
que conhecidas. O requisito exigido pela Corte Européia de Direitos
Humanos, ou seja, de que “a objeção nasça
de um sistema de pensamento suficientemente estruturado, coerente e
sincero” , estará, de modo geral, satisfatoriamente preenchido
nesse caso .
O caráter excepcionalíssimo da objeção
de consciência impede seu uso rotineiro e torna, na prática,
os pais dependentes do Poder Judiciário sempre que quiserem,
de fato, exercê-lo.
Há, porém, outros pontos de destaque no
tocante à constitucionalidade do homeschooling.
Utiliza-se, neste ponto, a clássica divisão
entre normas materiais e normas instrumentais, ou, em termos constitucionais,
entre direitos e garantias. Os primeiros definem faculdades ou obrigações
a serem exercidas pelos destinatários, enquanto os últimos
estipulam instrumentos para que esses direitos sejam assegurados. Tomando-se
uma referência bastante conhecida, o direito de locomoção
é garantido pelo habeas corpus.
Pois bem. O direito à educação é estabelecido
no art. 6° da Constituição. Enquanto isso, o art.
208 dispõe sobre os meios que o Estado deve colocar à
disposição dos indivíduos para que esse direito
seja efetivado. Se esse mesmo direito for concretizado por outros meios,
tão ou mais eficientes, a atuação do Estado torna-se
desnecessária e até prejudicial. Trata-se da aplicação
do conhecido princípio segundo o qual “não há
nulidade sem prejuízo”.
Além disso, o princípio da supremacia
do interesse público sobre o interesse privado tem sido substituído
pelo superprincípio da proporcionalidade ou da razoabilidade,
que se desdobra em:
a) princípio da conformidade ou da adequação
de meios: a medida adotada (legal, judicial ou administrativa) deve
ser apta a atingir os fins a que se destina;
b) princípio da necessidade: a liberdade do indivíduo
deve ser restrita o mínimo possível. De acordo com a
lição de Silva Neto,
“A opção feita pelo legislador
ou o executivo deve ser passível de prova no sentido de ter
sido a melhor e única possibilidade viável para a
obtenção de certos fins e de menor custo ao indivíduo.
O atendimento à relação custo-benefício
de toda decisão político-jurídica a fim de
preservar o máximo possível do direito que possui
o cidadão”;
c) princípio da proporcionalidade em
sentido estrito: requer a ponderação entre os bens sacrificados
e aqueles protegidos pela norma.
Para todos aqueles que conhecem minimamente a situação
de extremo descalabro em que se encontra a educação brasileira,
torna-se evidente a desproporcionalidade da ação estatal,
que desobedece ao princípio da adequação ao não
demonstrar sua total inaptidão de alcançar o resultado
pretendido, qual seja, fornecer educação de qualidade;
que desobedece ao princípio da necessidade, ao constituir-se
em opção mais gravosa ao indivíduo para alcançar
esse objetivo; finalmente, é desobedecido o princípio
da proporcionalidade em sentido estrito ao sacrificar-se em demasia
outros bens essenciais. Esses bens sacrificados, sem que haja o correspondente
retorno razoável, serão vistos a seguir.
O primeiro deles é o princípio do
pluralismo político (Constituição Federal, art.
1°, V):
“Direito fundamental à diferença
em todos os âmbitos e expressões da convivência
humana – tanto nas escolhas de natureza política, quanto
nas de caráter religioso, econômico, social e cultural,
entre outras –, um valor fundamental (...). O indivíduo
é livre para se autodeterminar e levar sua vida como bem lhe
aprouver, imune a intromissões de terceiros, sejam eles provenientes
do Estado, por tendencialmente invasor, ou mesmo de particulares”
.
Como a escola obrigatória, nos rígidos
moldes definidos pelo governo, contraria o princípio fundamental
do pluralismo político? Primeiramente, os pais não têm
opção: devem matricular seus filhos em escolas que ensinam
determinadas matérias, cuja utilidade pode ser bem questionável,
e não outras, que poderiam ser bem mais úteis de acordo
com o ponto vista deles. De nada adianta considerar, por exemplo, que
aprender física é inútil e que seria mais útil
aprender a cozinhar. A discordância dos pais quanto à grade
curricular é simplesmente desprezada, em nome de um “conteúdo
programático ideal”, como se isso fosse humanamente impossível
.
Mais agrave ainda é a constatação
de que a função básica da educação,
transmitir informações, é relegada em nome de uma
mítica missão de “formar cidadãos”.
Tão bela expressão serve apenas para mascarar a pura e
simples doutrinação ideológica. Recente pesquisa
demonstrou cabalmente que, enquanto a educação brasileira
consegue as piores colocações nos rankings internacionais,
os professores, em massa, consideram seu principal trabalho incutir
determinada ideologia nos alunos.
Os números da pesquisa são extremamente
contundentes: 78% dos professores consideram que a principal missão
da escola é “formar cidadãos”, enquanto apenas
8% assinalam “ensinar as matérias”. 80% dos professores
consideram que seu discurso é politicamente engajado e apenas
20% o consideraram politicamente neutro. Engajamento político
significa, nesse caso, admirar, em primeiro lugar, Paulo Freire (29%
dos professores), seguido por Karl Marx (10%). Significa também
que 86% dos professores têm conceito positivo sobre Che Guevara
e nenhum declara ter conceito negativo. Lênin foi positivamente
avaliado por 65%, enquanto sua avaliação negativa foi
de apenas 9%.
Ressalte-se: esses dados referem-se tanto a escolas
públicas quanto a escolas privadas. Há, pelo menos nas
ciências humanas, total hegemonia da doutrina esquerdista, apesar
de reiteradas pesquisas demonstrarem que a população brasileira
define-se, majoritariamente, como conservador de direita em diversas
questões, como aborto e drogas. Assim, as crianças e os
adolescentes no Brasil vivem uma situação esquizofrênica:
os mesmos valores aprendidos em casa são sistematicamente negados
na escola.
Se houvesse, de fato, o pluralismo político determinado
como fundamental pela Constituição da República,
os pais, verdadeiros responsáveis pela transmissão de
valores, poderiam escolher a escola que estivesse de acordo com seu
sistema de pensamento. Assim, pais islâmicos poderiam escolher
escolas islâmicas para seus filhos, pais ateus poderiam escolher
escolas atéias, pais liberais poderiam escolher escolas liberais,
etc. Essas opções não existem no Brasil. Mesmo
em escolas confessionais, vinculadas a determinada religião,
é sentido o predomínio da doutrina esquerdista.
Nesse ponto, chegamos àquele que é considerado um princípio
supraconstitucional, que deve orientar a interpretação
de todo o sistema normativo: a dignidade da pessoa humana, ou seja,
o ser humano é, no famoso dizer de Kant, um fim em si mesmo e
também o de quaisquer estruturas jurídicas ou sociológicas,
como Estado, nação, povo, governo, Administração
Pública, partido político, classe social, etc. Assim,
o único fim é o ser humano, tudo o mais é instrumento
que deve atuar em seu favor, não o contrário.
Assim também é o entendimento de
Clemerson Merlin Cleve:
“(...) o Estado é uma realidade
instrumental (...). Todos os poderes do Estado, ou melhor, todos os
órgãos constitucionais, têm por finalidade buscar
a plena satisfação dos direitos fundamentais. Quando
o Estado se desvia disso está, do ponto de vista político,
se deslegitimando, e do ponto de vista jurídico, se desconstitucionalizando”
.
O desrespeito à dignidade humana é evento
cotidiano nas escolas brasileiras, seja pela submissão dos alunos
a ensino de péssimo nível, seja pela sua instrumentalização,
segundo a qual deixam de ser fins em si mesmos e tornam-se instrumentos
para a doutrinação ideológica.
A ironia histórica é que as constituições
anteriores, mesmo as outorgadas em 1937 e 1967, referiam-se expressamente
ao ensino no lar, enquanto a “Constituição Cidadã”
de 1988 incluiu dispositivo autoritário que obriga a matrícula
na rede formal de ensino, desprezando a vontade dos pais. Nesse ponto,
é relevante aprender com a tão criticada constituição
de 1937, que estabeleceu a ditadura do Estado Novo: “art. 125.
A educação integral da prole é o primeiro dever
e o direito natural dos pais. O Estado não será estranho
a esse dever, colaborando, de maneira principal ou subsidiária,
para facilitar a sua execução ou suprir as deficiências
e lacunas da educação particular”.
A educação dos filhos é uma questão
eminentemente privada que, como qualquer questão privada, somente
pode admitir a interferência do Estado quando esta revelar-se
não só benéfica, mas também imprescindível.
A atuação estatal em todos os domínios da sociedade,
além de prejudicial ao bem-estar individual, é característica
marcante dos regimes totalitários e não das democracias.
Naqueles regimes, todos os interesses individuais devem estar subordinados
ao Estado.
No caso relatado inicialmente, tem-se um procedimento
que, sobre uma série de sedimentos aparentemente legítimos,
é, simplesmente, uma perseguição de cunho ideológico.
O Estado não aceita que os pais eduquem seus filhos de maneira
diversa daquela que é rigidamente estabelecida. Trata-se, por
fim, de um nítido desrespeito à liberdade de expressão.
A esse respeito, é extremamente pertinente o
questionamento do filósofo Olavo de Carvalho:
Será que não está na hora de
tentar a única idéia que nunca foi tentada, isto é
desregulamentar e desburocratizar a educação brasileira,
reservar ao governo um papel meramente auxiliar na educação,
deixar que a própria sociedade tenha o direito de ensaiar soluções,
criar alternativas, aprender com a experiência?
A história adquire contornos mais assombrosos
com o fato de que os pais estão sendo processados criminalmente,
pelo Ministério Público, pelo crime de abandono, exatamente
o órgão que tem a missão fundamental de defender
os direitos humanos. O absurdo da medida pode ser constatado por outro
fato extremamente significativo: no caso relatado, os filhos, de 14
e de 15 anos, foram aprovados no vestibular da Faculdade de Direito
de Ipatinga (MG) em 7° e em 13° lugar, respectivamente.
A acusação baseia-se em uma interpretação
literal e inconstitucional do art. 246 do Código Penal, que incrimina
a conduta de “deixar, sem justa causa, de prover a educação
primária de filho em idade escolar”. Ora, já está
bastante provado que a educação está sendo provida.
De acordo com a citada reportagem: “Os meninos aprendem retórica,
dialética e gramática, aritmética, geometria, astronomia,
música e duas línguas estrangeiras – inglês
e hebraico. Ao todo, estudam em média seis horas por dia”.
Mesmo que a “educação primária”
fosse considerada como a freqüência habitual à rede
formal de ensino, não haveria crime no caso, pois, como colocado
na lei, a existência de “justa causa” torna o fato
atípico. Ora, motivos justos e razoáveis para retirar
os filhos da escola, definitivamente, não faltam no Brasil.
Modernamente, a doutrina penal somente tem aceitado
a existência de crime quando houver efetiva lesão ao bem
jurídico protegido que, no caso, é a educação
a ser fornecida a qualquer criança e adolescente. Ora, se o bem
o protegido não foi lesado nem colocado em risco concreto, não
há que se falar em crime. Punir conduta que não provoca
nem pode provocar nenhum prejuízo é como receitar um poderoso
antibiótico para alguém que não tem nenhuma doença.
Além de não adiantar nada, ainda pode lhe fazer mal.
Finalmente, a solução mais condizente
com a proteção do indivíduo contra os costumeiros
excessos do Estado seria uma emenda constitucional nos seguintes termos:
“Art. 208, § 3º. O ensino fundamental
obrigatório poderá ser ministrado no lar pelos próprios
pais, ou por professores qualificados contratados pelos pais. A lei
definirá apenas a comprovação anual do rendimento
escolar, dando liberdade para a escolha ou elaboração
de currículo, sem nenhuma imposição de caráter
político ou ideológico” .
Enquanto diversos grupos de interesses reivindicam o
respeito às suas peculiaridades (o chamado “direito à
diferença”), sem nenhum tipo de discriminação,
e até exigem do Estado medidas protetivas”, como a ampliação
dos casos de crimes de racismo, os pais, no caso relatado, não
utilizam nenhuma bandeira política ou ideológica nem querem
nenhuma providência do governo. Pelo contrário, querem
apenas que seja respeitada sua opção, personalíssima
e indelegável, mesmo ao Estado, de educar seus filhos da forma
como consideram melhor.
Notas :
1 - “Casal luta na Justiça para que os
filhos só estudem em casa”. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/ult305u416702.shtml.
Acesso em 18.8.2008.
2 - Situações em que os pais, fortemente vinculados a
um religião, consideram que o ambiente escolar é prejudicial
à formação da criança.
3 - Cf. Tábula Rasa, a Negação Contemporânea
da Natureza Humana, de Steve Pinker.
4 - São todas as formas de atitudes agressivas, intencionais
e repetidas, que ocorrem sem motivação evidente, adotadas
por um ou mais estudantes contra outro(s), causando dor e angústia,
e executadas dentro de uma relação desigual de poder.
Pesquisas indicam que o bullying é universal, ou seja, ocorre
em qualquer tipo de escola e em diversos países.
5 - Cf., dos autores, a obra Better Late Than Early (em tradução
livre, “Melhor Tarde que Cedo”).
6 - MENDES, Gilmar at al. Curso de Direito Constitucional, p. 114.
7 - Idem, p. 359.
8 - Idem, p. 414.
9 - Idem, ibidem.
10 - Em rápida pesquisa ao site www.amazon.com, foram encontrados
mais de 4.500 livros sobre homeschooling, demonstrando que a objeção,
nesse caso, está bastante fundamentada.
11 - 2006, p. 115-116
12 - Mendes, Coelho e Branco, op. cit., p. 156.
13 - Essa falta de realismo é bem ilustrada pela recente lei
que inclui as matérias de filosofia e de sociologia no 14 - currículo
escolar. Seria uma escolha até que bem defensável se não
fosse por um detalhe: não existem bacharéis em filosofia
e em sociologia no número suficiente para ministrar essas matérias.
Publicada na Revista Veja, de 20 de agosto de 2008.
15 - Essa situação não poderia ser diferente pelo
simples fato de que quase todos os bacharéis formados em ciências
humanas estejam vinculados ao esquerdismo.
16 - Citado por Binenbojm (2006, p. 72).
17 - Abandono intelectual. Disponível em: http://www.olavodecarvalho.org/semana/080731dce.html.
Acesso em 23.8.2008.
18 - Trata-se de interessante sugestão formulada por Julio Severo
no artigo: O Direito de Escolher: A educação escolar em
casa no Brasil. Disponível em http://www.midiasemmascara.com.br/artigo.php?sid=4427.
Acessado em 23.8.2008.
Bibliografia :
BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do Direito Administrativo.
Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
CARVALHO, Olavo de. Abandono intelectual. Disponível em: http://www.olavodecarvalho.org/semana/080731dce.html
COLLUCCI, Cláudia. Casal luta na Justiça para que os filhos
só estudem em casa. Jornal Folha de São Paulo, de 27.6.2008.
Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/ult305u416702.shtml.
MENDES, Gilmar et al. Curso de Direito Constitucional. São Paulo:
Saraiva, 2008.
MOORE, Raymond, Dennis e Dorothy. Better late than early: A New Approach
to Your Child's Education. Reader's Digest Association; 1st edition
(August 1989).
PINKER, Steve. Tábula rasa. A negação contemporânea
da natureza humana. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
SEVERO, Julio. O Direito de Escolher: A educação escolar
em casa no Brasil. Disponível em http://www.midiasemmascara.com.br/artigo.php?sid=4427.
SILVA NETO, Manuel Jorge e. Direito Constitucional. Rio de Janeiro:
Lúmen Juris, 2006.
WEINBERG, Mônica; PEREIRA, Camila. Você sabe o que estão
ensinando a ele? Revista Veja, de 20 de agosto de 2008.
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